No fim da tarde desta segunda-feira, apenas uma hora depois de desembarcar no país para a Jornada Mundial da Juventude, o papa Francisco protagonizará nas ruas centrais do Rio de Janeiro uma cena que o mundo não testemunha há mais de 30 anos: um pontífice desfilando em carro aberto fora de Roma.
O trajeto a 20 km/h no meio da multidão, que atemoriza as autoridades brasileiras, promete ser o momento alto do primeiro dia da visita papal e uma manifestação prática da política declarada de aproximar a Igreja do povo.
Só depois de saudar as pessoas comuns, Francisco seguirá para a cerimônia oficial de boas-vindas, no Palácio Guanabara, com a presença de autoridades como a presidente Dilma Rousseff. Após a solenidade, recolhe-se ao Sumaré, onde fica hospedado. Esta é a primeira viagem internacional do primeiro papa latino-americano. Com ela, o Brasil se torna o único país além da Itália a ter recebido os três últimos pontífices.
No domingo, durante a oração do Ângelus, o Papa despediu-se dos fiéis presentes na Praça de São Pedro, pediu a eles que o acompanhassem "espiritualmente" ao Brasil e anunciou que esta deve ser considerada a Semana da Juventude, porque "os jovens serão os protagonistas".
- Vejo escrito ali: "Boa Viagem". Obrigado, obrigado - disse Francisco, referindo-se a um grande cartaz exibido na praça.
À espera do Papa, milhares de peregrinos de todos os cantos do mundo fizeram o Rio fervilhar neste fim de semana. Mais de 20 mil ônibus carregados de fiéis estão chegando à cidade. A expectativa é de 800 mil visitantes e de até 2 milhões de fiéis em celebrações com a presença de Francisco. É tanta gente que há peregrinos hospedados até em favelas, como a moradora de Gramado Carol Schneider, 21 anos, que está dormindo na laje da casa de uma família do Complexo do Alemão. No sábado, quando soube onde ficaria, ela assustou-se, mas depois aprovou.
- As pessoas foram muito acolhedoras. É como se fôssemos da família. Já me sinto em casa - disse.
Discursos, missas e homilias em português
A segurança do evento será feita por homens das Forças Armadas, da Defesa Civil e das polícias Civil e Militar. O esquema do Ministério da Defesa mobilizará 15 mil militares. Ateus e o grupo Anonymous já anunciaram que vão realizar manifestações nesta segunda-feira.
A decisão de manter o contato direto com o povo foi do Papa, que insiste ter chegado o momento de a Igreja sair para as ruas. Para estar o mais perto possível do seu rebanho, ele tentará fazer todos os discursos, missas e homilias em português, conforme funcionários do Vaticano. O papa Francisco vai cobrar da classe política, no Brasil, que deixe de "oprimir" o povo por "interesses egoístas" e assuma suas "responsabilidades" por criar uma "sociedade justa", segundo o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi. Posicionamentos sociais também são esperados por Marco Politi, um dos mais célebres vaticanistas:
- Creio que no Brasil o Papa prosseguirá, aprofundará e esclarecerá seu Evangelho social. Desde que foi eleito, ele denuncia as novas formas de escravidão, de exploração, a desigualdade, a irresponsabilidade de algumas forças sociais.
Surpresas à vista
Rodrigo Lopes*
Não se pode dizer que Bento XVI era um papa carismático. Sisudo, introspectivo e já idoso, o Pontífice alemão fez de sua primeira e única viagem como papa ao Brasil, em 2007, um pouco do que seria o seu pontificado até a renúncia no início deste ano: seus discursos em nosso país tiveram cunho teológico e dogmático: como guardião da fé católica, frustrou quem esperava tolerância a temas como celibato ou com o uso de métodos contraceptivos.
Na tarde fria e chuvosa do dia 9 de maio, em São Paulo, acompanhei uma pequena multidão próximo ao Mosteiro de São Bento dar as boas-vindas ao Papa alemão. O papamóvel percorreu o trajeto entre o aeroporto de Guarulhos e o centro paulistano a uma velocidade média de 50km/h. No trajeto que parou boa parte da cidade em dia de semana, havia mais curiosidade em ver um papa de perto do que emoção. Com dois anos de pontificado, as comparações com João Paulo II ainda eram inevitáveis.
Bento XVI não era de grandes simbolismos e também frustrou quem esperava grandes gestos - a começar pelo desembarque, sem o beijo no solo do país natal, como fazia seu antecessor. O máximo de quebra de protocolo a que Bento XVI se permitiu em São Paulo foi aparecer, de repente, algumas vezes ao longo do dia, na sacada blindada do Mosteiro de São Bento.
Francisco, por sua vez, tem surpreendido os fiéis desde o primeiro dia do conclave, quando abriu mão de certos confortos - ao regressar da Capela Sistina, já como papa, preferiu a van dos cardeais ao invés de carro privado. No elevador da Casa Santa Marta, quando todos abriam espaço para que ele subisse sozinho, Francisco disse:
- Por que, se cabem tantos?
A espontaneidade do novo Pontífice tem dado trabalho à polícia da Itália. O argentino gosta de interagir com o público, abraçar fiéis, beijar crianças. Dispensa também a blindagem do papamóvel. Que a polícia brasileira esteja preparada: será uma semana de muitas quebras de protocolo.
*Rodrigo Lopes cobriu para RBS a visita de Bento XVI a São Paulo, em 2007