Propostas pela presidente Dilma Rousseff, a realização de um plebiscito e - em caso de aprovação popular - a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para a execução da reforma política não encontram guarida entre juristas e especialistas em direito constitucional. A interpretação é que a medida será questionada e declarada inconstitucional por não atender a uma premissa básica: constituintes somente podem ser convocadas em casos de ruptura política, como golpe de Estado, triunfo de uma revolução ou transição de ditadura para democracia, como ocorreu no Brasil em 1985.
Apresentada por Dilma ontem em reunião com governadores e prefeitos de capitais, a proposta foi interpretada mais como uma demonstração de apoio à reforma política, um dos clamores das multidões que vão às ruas, do que uma solução real. Seria uma motivação - ou pressão - para que deputados e senadores aprovem a proposta discutida no Congresso há anos, conforme avaliou o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello.
- Só se convoca uma constituinte em momentos quando há ruptura das instituições, o que não é o caso do momento. É um princípio básico do direito - diz Antônio Augusto Mayer dos Santos, especialista em direito constitucional.
O plebiscito também foi criticado. Geraria custos para perguntar algo que a sociedade já respondeu. A população quer reforma política.
- Avalio a convocação de um plebiscito como uma tentativa de superar os entraves jurídicos para convocar uma constituinte - diz o professor de direito constitucional da UFRGS Eduardo Carrion, que considerou como um "factoide" as propostas de Dilma.
Ainda há outros dificultadores. Ministros do STF entendem que mudanças na Carta só podem ser viabilizadas por Propostas de Emenda à Constituição (PEC), com necessidade de aprovação por maioria qualifica na Câmara e no Senado, em dois turnos. A busca por qualquer alternativa seria inconstitucional.
Também há profunda discussão a respeito das prerrogativas de uma constituinte. Juristas entendem que ela tem amplos poderes para alterar todos os pontos do texto que rege o país, sem possibilidade de imposição de foco somente nos temas atrelados à reforma política.
- Neste caso, haveria risco de retrocesso em relação à Constituição de 1988 - acredita Carrion.
Para o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), autor do projeto, o anúncio de Dilma foi positivo. Ele lembra que, caso o Congresso não aprove a sua proposta até 5 de outubro deste ano, nenhuma modificação terá validade para a eleição de 2014. Ele acredita que essa hipótese demonstraria a incapacidade do Congresso para legislar sobre o tema, forçando o chamamento da constituinte. Outra interpretação é de que Dilma procurou se aproximar dos manifestantes e fazer um gesto de delegação do poder de decisão a eles.
- É uma forma de demonstrar o apoio dela à reforma política, uma declaração clara de que o poder de decisão vai emanar do povo. Eu torço para que isso sirva para acelerar o projeto na Câmara - disse Fontana.
Lei comum bastaria para reforma
A Constituição de 1988, lembram especialistas, é um texto que estabelece os princípios básicos da sociedade brasileira. Os regramentos específicos, esclarecem, foram determinados por meio de leis ordinárias.
Partindo desse entendimento, a reforma política, com financiamento público de campanha e outras medidas, teria de ocorrer com a aprovação de novas leis que regulam o tema ou, em casos excepcionais, por Propostas de Emenda à Constituição, as chamadas PEC.
- São matérias de legislação comum. A reforma política passa por alterações na Lei das Eleições, na Lei dos Partidos Políticos e na Lei de Inelegibilidades. Isso tudo não está na Constituição - pondera Antônio Augusto Mayer dos Santos.
Pontos da reforma política, avalia o professor da UFRGS Eduardo Carrion, já foram abordados por meio de projetos ao longo dos anos. Ele cita como exemplos a Lei da Ficha Limpa, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Improbidade Administrativa, todas consideradas avanços para os períodos em que foram criadas.
A proposta de Dilma também é criticada em outros pontos. O plebiscito para opinar ou não pela reforma política, por exemplo, não depende dela, mas de aprovação de decreto legislativo pela Câmara e Senado.
Depois, seria feita votação plebiscitária e, em caso de respaldo popular, ocorreria a eleição dos constituintes. O último passo seria o início dos trabalhos. Presente à reunião de ontem com Dilma, o governador Tarso Genro manifestou apoio às propostas.
- Eu defendo, desde já, a inclusão de membros não ligados a partidos políticos nesta Constituinte. É a forma de tirar a asfixia dos partidos e, consequentemente, do governo. E é a melhor forma de se comunicar com essas novas vozes que se erguem na sociedade - declarou.
Resposta rápida
1 - Aprovar no Congresso a proposta do deputado Henrique Fontana (PT-RS). Traz três pontos fundamentais: campanhas terão apenas financiamento público, coligações só serão permitidas para eleição de presidente, governador e prefeito, haverá eleição a cada quatro anos para todos os cargos no mesmo dia.
2 - Plebiscito e convocação de constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Os constituintes teriam prazo para redigir e votar o novo sistema eleitoral e dos partidos políticos. Encerrada a constituinte, os mandatos terminariam.
3 - Realização de plebiscito e convocação de uma constituinte congressual. Os eleitos em 2014 teriam de compatibilizar fiscalização do Executivo, votação de projetos e a realização da reforma política.