Especialista em avaliação e professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Francisco Soares defende que oportunizar ao estudante mais uma chance de aprovação tem um mérito: estimulá-lo a permanecer na escola. No entanto, Soares entende que, para qualificar a aprendizagem, é importante olhar muito mais do que a forma como os alunos são testados. Confira trechos da entrevista que ele concedeu a ZH após saber dos números levantados pela reportagem.
Zero Hora - Se, por um lado, o levantamento mostra que há um número de alunos que podem ter aproveitado uma nova chance para mudar a postura, por outro indica que a maioria continuou reprovando.
José Francisco Soares - Esse é um problema generalizado nos ensinos Fundamental e Médio. Em particular, no 1º ano do Ensino Médio, é um momento de grande abandono. A taxa nacional gira em torno de 30%, quer dizer, o número de jovens que desistem é muito grande. Nesse sentido, toda a iniciativa que os governos possam tomar para mantê-los na escola é meritória. Agora, a gente tem um problema com o Ensino Médio: você quer estudar para ter uma vida melhor, e o Ensino Médio não sinaliza isso para os alunos. Ele está completamente acadêmico, está deslocado do que seria vida real das pessoas. A não ser que você queira e possa ir para a universidade.
Zero Hora - A nova chance de recuperar não pode desestimular os alunos que, ao longo do ano, se dedicaram e agora veem os colegas que não estudaram também serem aprovados?
Soares - Não sei se seria um grande fator, porque o Enem dá o diploma de Ensino Médio com desempenho muito baixo. No Ensino Médio, a pessoa vai olhar para si e não para o colega. Eu não consigo ver que isso seria um desestimulo para o coletivo.
Zero Hora - O aluno que não estuda durante o ano confiando passar na recuperação pode acabar sendo mais encorajado a essa prática?
Soares - Claro, esse é o problema todo. Por isso que eu dei o exemplo do Enem. Ele pode não estudar e, no fim dos três anos, estar certificado. O problema não está na avaliação, está naquilo que é oferecido ao aluno, que não o motiva.
Zero Hora - O problema é muito maior que a avaliação?
Soares - Muito maior. Nós estamos com um problema sério de comunicar com o aluno. Estamos oferecendo uma coisa ao jovem que está querendo outra coisa. No mundo inteiro, o Ensino Médio oferece várias saídas. Nós oferecemos uma só.
Zero Hora - Mas só pela tentativa de manter o aluno na escola vale a pena implementar essa forma de avaliação?
Soares - É melhor manter na escola do que fora da escola. Mas eu acho que o país passou dessa etapa. Eu quero que o jovem esteja na escola se preparando para a vida, aprendendo coisas que vão servir para ele. Se você não está com o vestibular, a admissão na universidade, no seu horizonte próximo, o Ensino Médio está com muita dificuldade de convencer os alunos de que ele tem algo a oferecer.
Zero Hora - A tentativa de aproximar o que o aluno tem na escola ao seu cotidiano tem de partir de um projeto de governo ou a escola tem de ter autonomia para identificar a realidade do seu estudante?
Soares - A escola tem de ter autonomia, mas dentro de um projeto educacional do sistema. Não pode inventar o que ela quer, tem de executar um projeto que é visto pelo Estado, pelo governo, como um projeto adequado. Agora, definido este projeto, esta direção, a forma específica de levar este projeto aos alunos tem de variar. São expressões de uma mesma ideia. Nós temos uma má expressão. Em diferentes países do mundo, o Ensino Médio tem muitas saídas.