Traços de uma nova política de combate ao crime organizado vêm se delineando no Rio Grande do Sul. Diante de bandidos que se protegem com coletes à prova de balas sobrepostos, empunham armas de guerra, explodem alvos e exibem táticas de guerrilha para assaltar bancos, invadindo cidades pequenas de madrugada, a Brigada Militar tem dado uma resposta bem clara: o uso do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) na linha de combate.
Resultado desta transição de postura passiva para proativa da unidade especial da BM é o saldo de sete bandidos mortos em confronto, três no assalto à fábrica de joias em Cotiporã, em janeiro, e quatro em fevereiro no ataque ao banco de Arroio dos Ratos. Em ambas, o Gate havia sido acionado para ficar na espreita. Na primeira, não chegou a tempo e foi o policiamento de rua que trocou tiros, na segunda, entraram em combate
Considerado a tropa de elite da BM, o Gate tem uma função estratégica dentro da corporação. Treinados para agir de forma rápida e certeira, têm formação intensiva de quatro meses, curso concluído por, no máximo 30%, dos candidatos.
Mas esse equilíbrio no campo de batalha só está sendo possível por uma outra mudança bastante importante: o trabalho em conjunto entre o sistema de inteligência das três instituições (polícias Militar, Civil e Federal), que faz com que as polícias consigam chegar junto com os criminosos, e não atuar apenas na captura de foragidos.
O subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Silanus Mello, lembra que a polícia precisa usar o que tem de melhor para ter igualdade de enfrentamento:
- Em função do poderio de fogo dessas quadrilhas, podemos intensificar a utilização do Gate. Temos de conseguir adequar para que possam fazer frente às quadrilhas, mas sem descuidar de atuar em casos específicos, como aqueles envolvendo reféns. Até então, os delinquentes sempre tiveram superioridade em armamento. Agora, tiveram pela frente uma equipe superior a eles. Este é o diferencial.
A decisão de colocar os homens de balaclava - capuz de malha que envolve a cabeça -, para conter a força do crime, começou a ser trabalhada desde meados do ano passado, quando os ataques se intensificaram, aterrorizando o Interior. Desde então, reuniões periódicas entre a cúpula da Segurança vêm sendo realizadas.
A equação da ofensiva também contabiliza a retirada de circulação de 10 fuzis desde dezembro, armamento pesado, de uso restrito, e que custa em média R$ 30 mil no submundo.
- Isto é muito dinheiro e difícil de se recuperar. A quadrilha vai avaliando esta questão também e pode dar uma diminuída nas investidas - diz Ranolfo Vieira Júnior, chefe da Polícia Civil gaúcha.
Mário Luiz Vieira, diretor-regional substituto de Combate ao Crime Organizada (DRCOR) da Polícia Federal é mais otimista.
- A polução pode ficar tranquila. Não estamos vivendo uma situação grave. Estamos sendo muito eficazes. Nem bom não está, está muito bom - finaliza Mário.
O sociólogo Adão Clóvis Martins dos Santos, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diz que ações pontuais como as mortes dos bandidos fazem parte de uma estratégia legítima de combate ao crime violento, mas que essa reação sangrenta não pode ser tratada como uma política de governo.
- Sempre tivemos uma polícia violenta com relação aos delitos das camadas subalternas. O novo é que a polícia tem vindo com uma política menos calcada no enfrentamento. Por isso, chocam, agora, estas ações da Brigada, quase que na contramão dos projetos que vinham executando. O medo da morte para estes grupos não existe. Isto só serve para eles se armarem ainda mais - analisa o professor.
Quem é o Gate
Desde que a unidade foi criada, em 1990, também como uma forma de coerção a uma onda de assaltos a bancos que se instalava na época, é solicitada em casos de situações-limite, como negociação de sequestros, assaltos com reféns, desarmamento de bombas, rebeliões em presídios e segurança de autoridades.
Apesar de preparados e dotados de armas equivalentes ou mais poderosas que as utilizadas pelas quadrilhas, como fuzis, pistolas, espingardas semiautomáticas e metralhadoras, são raras as vezes que os PMs do Gate entram em combate. Acumulam, sim, dezenas de experiências de iminência de confronto. Um dos últimos foi em fevereiro de 2012, no assalto com refém ao Bradesco do bairro Azenha, na Capital.
O número de integrantes não é revelado, dizem apenas possuir uma equipe pequena, que integra o Batalhão de Operações Especiais (BOE). Se assemelham aos Seals, membros das forças especiais da Marinha americana, responsáveis pela morte do terrorista Osama bin Laden.
Ação e reação no enfrentamento ao crime:
ESTRATÉGIA
Polícias
A ousadia e a rotina dos criminosos fez com que a polícia deixasse de ser reativa e se tornasse proativa nos últimos meses, usando melhor o sistema de inteligência das três instituições (polícias Militar, Civil e Federal) e apostando na presença cada vez mais constante do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), a tropa de elite da Brigada Militar.
A estratégia de chamar o Gate para a linha de frente tem a ver com a igualdade da batalha. Como as quadrilhas estão cada vez melhores equipadas e treinadas, a polícia usa o que tem de melhor na corporação para o enfrentamento.
A evolução da polícia passa pela evolução do crime. De acordo com o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Silanus Mello, a polícia também aprende com o número de ocorrências, mapeando melhor a estratégia do bandido.
- Na década de 1980, não tínhamos armas longas (de alto poder de fogo) porque o delinquente também não tinha. Mas eles foram se aperfeiçoando, e nós também.
Agora, nas grandes cidades do Estado, a polícia praticamente não trabalha mais com revólver 38, mas sim com a pistola .40, e o Interior vem sendo melhor equipado nos últimos dois anos. Assim, é possível colocar efetivos em locais estratégicos espalhados pelo Estado, prevendo possíveis ações.
Criminosos
A maior facilidade de acesso a armas e munições, faz com que as quadrilhas disponham de equipamentos cada vez mais potentes.
Por buscar o lucro imediato, escolheram atuar com explosivos em cidades pequenas do Interior, que geralmente possuem diversas estradas vicinais para fuga.
Para a polícia, um dos grandes berçários desse tipo de delito é o sistema prisional, principalmente o regime semiaberto. Muitos dos assaltantes pegos em ação ou mortos cumpriam pena no semiaberto e haviam escapado para a prática do crime.
Mas o delegado Mário Luiz Vieira, diretor regional substituto de Combate ao Crime Organizado, critica também o sistema carcerário do Brasil, lembrando que os líderes das quadrilhas comandam seus grupos mesmo estando presos pela fiscalização ineficiente de telefone celular dentro do presídio como se estivesse na rua.
TREINAMENTO
Polícias
A qualificação do policiamento ostensivo está mais apurada do que há 10 anos, garante a Brigada Militar. Com o foco no aperfeiçoamento do serviço de inteligência, a corporação tem apostado no treinamento dos profissionais em outros Estados e em conjunto com as outras polícias, como o último curso que ocorreu em Brasília. Isso faz com que esteja melhor preparada para entender a ação dos bandidos.
Além disso, a agência central, localizada em Porto Alegre, realiza cursos de reciclagem com as agências locais, espalhadas pelo Interior em todos os comando regionais. Elas trabalham monitorando os locais onde têm ocorrido delitos mais graves (homicídios, assaltos a bancos e roubos de veículos), quem está atuando na região e na troca de informações com Polícia Civil e Polícia Federal.
Sabendo da preferência de atuação destes grupos em locais em que a polícia é mais frágil, foram sendo criados e treinados ao longo dos últimos anos Pelotão de Operações Especiais (POE) dentro de cada batalhão, com homens treinados para atirar com armamento de grosso calibre. Nos locais onde não há o pelotão inteiro, formado entre 20 e 30 homens, há as patrulhas tático-móveis, melhor armadas que o policiamento normal.
Criminosos
Assim como a polícia se prepara, os bandidos também buscam treinamento. Um dos maiores exemplos foi revelado com a morte da quadrilha em Arroio dos Ratos. Ulisses Leonardo Weyh, 36 anos, atuou no Exército como soldado, em São Leopoldo, de 1992 a 2003, e tinha conhecimentos sobre explosivos. A polícia acredita que seja o cabeça do grupo em termos de manejo dos equipamentos e que tenha ensinado técnicas de guerrilha para os colegas, que também acabaram morrendo no confronto com os oito agentes do Gate há poucos dias.
Cada um dos fuzis usados pelo grupo, em que cada integrante trajava dois coletes à prova de balas sobrepostos, tinha pelo menos três carregadores reservas, além de munição em sacos plásticos e no bolso das roupas. De acordo com o comandante do Gate, capitão Felipe Santos Rocha, eles tinham conhecimento técnico sobre as armas.
INTEGRAÇÃO
Polícias
A Brigada Militar está vivendo uma nova era, articulada com as polícias Civil e Federal para combater o crime e mapeando onde há possíveis ataques, com o uso dos serviços de inteligência das três instituições. A partir daí são definidas barreiras e reforçadas as guarnições em todo o Estado. A atitude faz parte da meta de chegar com o grupo ao local do crime ou que a Polícia Federal ou a Polícia Civil os prenda antes de agirem.
Reuniões pelo menos a cada 10 dias são feitas entre a cúpula da segurança, incluindo as três instituições policiais, cujo principal foco de combate são essas quadrilhas fortemente armadas.
- O que queremos é que o Rio Grande do Sul se mantenha fora desta moda que está acontecendo em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Estamos rechaçando a entrada deles aqui - diz o delegado Mário.
Criminoso
Estes são os pontos que a polícia ainda luta para juntar: a ligação do que sobrou da quadrilha que agiu em Cotiporã com esta aparente nova facção que investiu em Arroio dos Ratos. De acordo com o chefe da Polícia Civil, Ranolfo Vieira Junior, um dos bandidos que conseguiram fugir do assalto na Serra é do Vale do Sinos, assim como os que foram mortos no último confronto com o Gate.
Conforme o delegado Mário, outros crimes estão envolvidos com estas ações, como o tráfico de entorpecentes. Geralmente, essas quadrilhas atacam bancos para conseguir comprar cargas de drogas. É um círculo, dividido em alas, onde as várias ramificações trabalham em causas diferentes, mas para um fim comum.
EVOLUÇÃO
Polícias
As ações das quadrilhas acabou orientando a polícia a entender a maneira como elas agem. Visando a coibir o crime antes que ele aconteça, a polícia passou a investir no setor de inteligência, espalhando bases, no caso da Brigada Militar, por todo o Estado.
- Nós tentávamos, mas não havia confronto porque não conseguíamos chegar junto - conta o subcomandante.
O delegado Mário ressalta que o Estado atingiu um estágio em que não há paz para o ladrão:
- Temos perfeita condição de atacar porque temos polícia eficiente e mais organizada, mais unida, e muita vontade.
Criminosos
Na década de 1990, as quadrilhas eram formadas por especialistas. O assaltante de banco, por exemplo, só se envolvia com aquele tipo de crime. Hoje, o percentual de "peritos" em apenas uma ramificação é ínfimo. Não existe mais também um único chefe de quadrilha, como na época do Seco, assaltante de carros-fortes. As organizações criminosas são várias e mais dinâmicas e atuam naquilo que dá mais lucro imediato, acredita o delegado Ranolfo:
- Um tipo de crime dá certo, vira febre e eles começam a praticar. Quando começa a dar errado, mudam de ramo, mas não deixam a criminalidade.
Ele conta que a onda do momento é explodir bancos em pequenos municípios, o que é uma evolução de um tipo de crime praticado há cerca de cinco anos, onde os bandidos sitiavam uma cidade em plena luz do dia, chegavam fortemente armados e usavam na fuga reféns como escudos humanos.
A cidade pequena como alvo deste tipo de bandido que quer o lucro rápido e fácil se explica pelo reduzido aparato de segurança compatível com as comunidades pouco habitadas. Além disso, as rotas de fuga pelas estradas vicinais tornam mais difícil a cobertura da polícia. Esse é um modo de agir, segundo o delegado Ranolfo, que ocorre em todo o país.