Márcio de Camillo gosta de poesia desde os 15 anos, quando um professor lhe deu um livro de Mario Quintana. Aos 20, foi apresentado a Manoel de Barros, então com 73 anos, pelo amigo e fotógrafo Marcelo Buainaim, que fez uma provocação: "Por que você não coloca melodia na obra do poeta?"
Assista ao making of do CD Crianceiras: clic.sc/marcio_camillo
Depois de passar 17 anos com a ideia na cabeça, Márcio decidiu transformar em música as palavras de Manoel de Barros, figura sorridente, que lhe pediu calma para o projeto. O músico pesquisou todos os 36 livros do poeta e levou cinco anos para concluir o CD Crianceiras. Manoel de Barros, aos 96 anos, já viu muitos projetos culturais serem realizados com sua obra, mas o uso das poesias como letras de músicas infantis era inédito.
Em 2012, Márcio fez os primeiros shows e, em 2013, distribuiu CDs na rede pública de educação em parceria com a prefeitura de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Em março sairá em turnê com o projeto que, até maio, já tem 18 shows agendados.
- Existe uma grande possibilidade de a gente ir para Florianópolis em junho ou julho. Mas é surpresa (risos) - declarou o músico, em entrevista ao Diário Catarinense por telefone.
Como surgiu a ideia de musicar a obra de Manoel de Barros?
Márcio de Camillo - Em 1989, o Marcelo Buainaim fez um ensaio fotográfico sobre o poeta. Ele é muito amigo meu e me convidou para ir até a casa do Manoel. Quando cheguei, deparei com aquela figura maravilhosa. Marcelo fez uma provocação: por que você não coloca melodia na obra do poeta?
E eu fiquei uns 17 anos com aquilo na cabeça. Um dia, estava com minha esposa, Isabela Maggi, e ela fez a mesma provocação, mas sugeriu que eu fizesse para criança, já que Manoel tem essa poesia que parece infantil, mas é para a criança interior de cada um. Demorei cinco anos para fazer.
Você tinha em mente o estilo musical que gostaria para as melodias?
Márcio - Manoel tem uma métrica muito singular. Toda poesia tem uma música, é igual quando você lê um livro e escuta a voz do personagem. Com o poema é a mesma coisa, ele tem uma musicalidade.
A poesia dele chama para um universo do campo, os rios começam a dormir, é um pagode caipira, que é um ritmo da década de 1960, do Tião Carreiro, que é o Jimmy Hendrix da viola caipira (risos). Ele que inventou todo o fraseado.
No espetáculo tem uma catira, que é uma dança que acontece muito em festividades religiosas em Corumbá, que é a terra onde o poeta foi criado (apesar de ter nascido em Cuiabá). Uso muitos dedilhados, arrasta-pé.
A instrumentação e a percussão são muito delicadas para não encobrir a palavra, já que a poesia é o destaque.
O Rodrigo Sater participou da gravação do CD com você, certo?
Márcio - Sim. O Rodrigo Sater é irmão do Almir Sater. Me tornei amigo deles aos 12 anos. Me tornei músico por causa deles.
Você tem outros seis CDs gravados. As crianças sempre se identificaram com seu trabalho?
Márcio - Nos shows, percebi que na frente do palco ficavam muitas crianças. Surgiu um público mirim para o meu trabalho que eu não pedi (risos). Um dia, um pai me procurou dizendo que a filha queria muito um CD e um autógrafo meu de presente. Eu encontrei com eles de surpresa, na hora do almoço, e comecei a pensar que existia alguma coisa aí. As apresentações do Crianceiras são assim, espontâneas.
Uma das poesias musicadas no CD é:
Bernardo
Bernardo já estava uma árvore quando eu o conheci.
Passarinhos já construíam casa na palha do seu chapéu.
Brisas carregavam borboletas para o seu paletó.
E os cachorros usavam fazer de poste as suas pernas.
Quando estávamos todos acostumados com aquele bernardo-árvore ele bateu asas e avoou.
Virou passarinho.
Foi para o meio do cerrado ser um araquã.
Sempre ele dizia que o seu maior sonho era ser um araquã para compor o amanhecer.
CD Crianceiras, com concepção de Márcio de Camillo.
Lançamento independente, com 10 faixas.
Para comprar: marciodecamillo@hotmail.com
Para seu filho ler
Manoel de Barros tem 96 anos e, há 75, escreve poesia. Seus livros já foram levados para a Europa e publicados em países como França, Espanha e Portugal. O mais famoso deles chama-se Livro Sobre Nada. As poesias escritas por ele são tão bonitas e admiradas que as pessoas o consideram um dos maiores poetas do Brasil.