A violência tem cadeira cativa na Geral do Grêmio.
Não foi por acaso a pancadaria que maculou a inauguração da Arena, no último dia 8, quando integrantes da maior torcida organizada do clube distribuíram socos e pauladas na arquibancada. Líderes da Geral estimulam, patrocinam e comandam esses tumultos - bem mais frequentes do que se imagina.
Zero Hora obteve vídeos exclusivos da briga no novo estádio. E o principal agitador do quebra-quebra foi Cristiano Roballo Brum, 34 anos, mais conhecido como Zóio. Velho conhecido da polícia, Zóio é o número 2 na hierarquia da Geral. Conserva o respeito dos membros da torcida, dispõe de regalias como passagens aéreas para acompanhar o Grêmio e, com frequência, aparece cercado de aliados que atuam como seus seguranças.
FOTOS: Veja imagens da briga na inauguração da Arena
Nas imagens gravadas na arquibancada da Arena, a liderança de Zóio fica evidente. Enquanto distribui murros e pontapés, seus aliados batem nos desafetos com hastes de bandeiras que deveriam colorir o espetáculo. Zóio não leva um único safanão: primeiro, porque quem acertá-lo sofrerá represálias; segundo, porque pelo menos seis homens se dedicam a protegê-lo em meio ao tumulto.
Em um dos vídeos, ele ergue a perna na altura da própria cabeça e acerta um chute no rosto de um rapaz. Em outra imagem, o número 2 da Geral arremessa contra um adversário um tambor da charanga da torcida.
Foto: Reprodução
- Durante as brigas, Zóio e outros líderes da organizada desenvolveram técnicas para escapar da Brigada Militar. Eles dão um único golpe e se afastam. Então, observam se a tropa está se aproximando. Se os PMs ainda estiverem longe, desferem outro golpe e recuam de novo. Eles se acostumaram a pensar na polícia enquanto brigam - diz um policial que investiga a atuação dos gremistas.
Foi exatamente o que ocorreu no confronto da Arena. Quando os militares se aproximam, um vídeo mostra Zóio escapando com facilidade, sempre cercado de aliados.
Quem frequenta estádios pode pensar que a Geral do Grêmio, durante os jogos, raramente provoca confusões. É uma meia verdade: além do célebre Gre-Nal dos Banheiros Químicos, em 2006 - quando cabines sanitárias foram incendiadas por membros da Geral no Beira-Rio -, a torcida promoveu pancadarias de repercussão mundial no Uruguai, em 2011, e no Paraguai, em 2007. Mas é fato que, para evitar confrontos com a polícia, alarde na imprensa e desgaste com a população, os líderes da Geral preferem brigar do lado de fora. E fazem isso com regularidade.
- O festival de brigas é no trensurb. Um grupo chamado "Geral do Trem" se dedica a atacar colorados e membros de torcidas rivais do Grêmio, como a Máfia Tricolor e a Velha Escola - diz um torcedor que deixou a Geral há pouco tempo. - Outra diversão é caçar colorados no Parque Marinha do Brasil, onde eles se concentram antes dos jogos. Um boné, uma camiseta, uma faixa de torcida do Inter, tudo isso são troféus.
Nove dias antes da inauguração da Arena, no início da noite de 29 de novembro, Zóio teria coordenado um ataque desse tipo. Cinco colorados, entre eles a presidente da torcida organizada Camisa 12, Juliana Coutinho, deixavam uma reunião promovida pelo Batalhão de Operações Especiais (BOE) justamente para garantir a paz no Gre-Nal de encerramento do Olímpico. Conforme o relato de Juliana no boletim de ocorrência número 2673497 da Brigada Militar, dois veículos encurralaram o Voyage dirigido por seu namorado na Rua Salvador França, quase esquina com a Avenida Ipiranga.
Em depoimento à polícia, a dirigente colorada afirmou que Zóio e outros nove integrantes da Geral do Grêmio - dois deles armados - desceram dos carros e, com chutes e coronhadas, quebraram o para-brisa traseiro e amassaram as portas do Voyage. Após agredir os torcedores do Inter, eles teriam levado a bolsa de Juliana com um celular, documentos e uma pequena quantia em dinheiro.
- As testemunhas já foram ouvidas e, nos próximos dias, vou interrogar os acusados - afirma a delegada Anita Klein, da 11ª Delegacia da Polícia Civil.
O que não deixa dúvidas é a prisão de Zóio por tráfico de drogas, que ocorreu apenas cinco horas após o assalto à presidente da Camisa 12. Ele e outros cinco homens, conforme a ocorrência número 3615/2012 , foram detidos na madrugada do dia 30 em uma blitz na Avenida João Pessoa. Os seis se espremiam dentro de um Corsa. Quando a polícia apreendeu 50 gramas de maconha e R$ 7,9 mil em dinheiro, Zóio e um comparsa foram presos em flagrante.
- A quantidade de droga apreendida nem era tão grande. Mas o dinheiro, os antecedentes e as circunstâncias do flagrante nos levaram a indiciá-los por tráfico - atesta o delegado Thiago Bennemann, do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc).
LÍDERES TÊM HISTÓRICO DE CONFUSÕES
Só há uma pessoa acima de Zóio na hierarquia da Geral: Rodrigo Marques Rysdyk, o Alemão.
Responsável por negociar com a diretoria do Grêmio todo o apoio financeiro à torcida - o que inclui dinheiro para viajar com o time e ingressos para revender -, Alemão, 34 anos, coleciona passagens na polícia. Já foi detido por ameaça (2004), lesões corporais (2005 e 2007), tumulto (2008), arruaça e desacato (2011). Todas as ocorrências envolviam sua atuação como líder da Geral.
Em janeiro de 2007, a Justiça o proibiu de comparecer aos jogos do Grêmio por um ano. A determinação veio após Alemão participar de um tumulto, no aeroporto Salgado Filho, que resultou em agressões contra o ex-presidente do Inter Fernando Carvalho, o então presidente Vitorio Piffero e também a um cinegrafista. O chute - pelas costas - que atingiu o ex-dirigente colorado inspirou um trecho de uma música entoada pela Geral nas arquibancadas: "Fernando Carvalho foi pedalado".
De uns tempos para cá, o chefe da torcida vem se portando com cautela. Na inauguração da Arena, no último dia 8, em nenhum momento ele entrou na briga. Existe uma avaliação entre os expoentes da Geral de que o líder maior deve evitar as vias de fato. Há uma série de motivos para isso, mas o principal envolve poder.
- Nada é considerado mais humilhante para uma torcida organizada do que seu líder apanhar. É uma vergonha perante as outras torcidas. E, se um dia Alemão apanha, o grupo que sustenta sua liderança dentro da Geral (o chamado "Grupo das Antigas", que não é o mesmo grupo de Zóio, que pertence à "Turma do Funk") perde força internamente - afirma um gremista com trânsito na cúpula da organizada.
Por isso, Alemão nunca aparece sozinho: aliados se encarregam de buscá-lo de carro na casa onde mora, em Canoas, e outros fazem sua segurança no estádio. Em uma entrevista concedida à série de TV britânica Real Football Factories, que rodou o mundo documentando a rotina de torcedores violentos, Alemão resume sua filosofia. Com uma camisa do Grêmio escondendo o rosto, ele enumera três pontos que julga fundamentais em sua vida:
- Futebol, briga para defender seu time e álcool. O Grêmio é a mais importante. Mas quebrar uns colorados e uns corintianos também é muito bom.
ENTREVISTA: Rodrigo Marques Rysdyk, o Alemão - líder da Geral
Zero Hora - Por que ocorreu a briga?
Alemão - Ainda não sei o que ocorreu naquele dia. O certo é que precisamos ajustar alguns pontos com a nova direção. A Arena morreu sem a Geral. Antes da confusão, o estádio estava bombando. Depois, virou um cemitério. Ainda mais agora na Libertadores, precisamos da torcida. O presidente (Fábio Koff) disse que quer a Geral, mas uma Geral ordeira. A eleição já passou (a Geral apoiou Paulo Odone contra Koff). Tem algum ranço, fica alguma mágoa, mas o objetivo de todos é o Grêmio e a Libertadores.
ZH - Por que é comum os líderes da Geral se envolverem em brigas e tumultos? Alemão - A torcida ganhou nome, força no clube e incomodou algumas pessoas. A Geral trouxe muito mais benefícios para o Grêmio do que problemas. Koff já me disse algumas coisas que deseja fazer com a torcida. Os problemas não serão resolvidos em um mês, mas para o primeiro jogo grande (dia 30 de janeiro, contra a LDU). A coisa já estará mais calma.
ZH - O Zóio é seu inimigo na Geral?
Alemão - Olha, que eu saiba não. Também não me considero inimigo dele. Mas ele vem crescendo como liderança nesses dois últimos anos.
ZH - A Geral seguirá o time nos jogos fora de casa na Libertadores?
Alemão - Com ou sem ajuda da direção, vai ter gente nossa.
ZH - A Geral consegue se manter sem ajuda da direção ou precisa de auxílio?
Alemão - Precisa auxílio, sim, mas fazemos rifas ou algum jogador dá uma ajuda.
ZH - Quanto a Geral fatura por mês?
Alemão - Não tenho os números, mas não é muito. Temos poucas coisas para vender: adesivos, camisetas, bonés e mantas. Queríamos organizar isso com o clube. Até para tirar a dúvida da torcida e da imprensa, que de maneira injusta dizem que estamos ganhando horrores de dinheiro.
ZH - E os ingressos? Quantos a Geral ganha da direção?
Alemão - Ocorre que 90% da torcida é formada por associados. Se ganharmos cem ingressos é muito, em um universo de 6 mil pessoas. Eu nunca peço ingressos, sou sócio. Todos falam em ingressos, coisa e tal, mas a Geral fez o gremista se associar em massa. Antes de nós, iam 7 mil pessoas ao estádio. Com a Geral, dobrou.
NOVA DIREÇÃO IMPÕE REGRAS PARA TORCIDA
A bola ainda rolava no gramado da Arena quando um furioso Eduardo Antonini, presidente da Grêmio Empreendimentos, enviou de seu celular um e-mail para o líder maior da Geral, Rodrigo Rysdyk, o Alemão. A Brigada Militar recém havia contido a pancadaria na torcida.
- Pô, a gente brigou com a Brigada e com os bombeiros, mudamos todo o projeto para permitir a avalanche na Arena, contestamos quem chamou os membros da Geral de marginais. E eles retribuem desse jeito? - questionou Antonini.
Não é de hoje que o Grêmio atende às exigências da organizada. A Geral nasceu no início dos anos 2000, quando um pequeno grupo de gremistas importou para o Brasil a forma castelhana de torcer. Com cantorias incessantes e faixas verticais atravessando as arquibancadas, o movimento atraiu milhares de simpatizantes e acabou copiado por torcidas do Brasil inteiro.
São inúmeros os torcedores que frequentam o setor reservado à Geral e jamais se meteram em confusões - mas os líderes da organizada, que lucram com financiamentos e revenda de ingressos repassados pelo clube, transformaram a torcida em um negócio. Nos últimos anos, a Geral cresceu tanto que ganhou um braço político: o movimento Grêmio da Torcida elegeu sete integrantes da organizada como conselheiros do clube.
Procurado por Zero Hora, o presidente Fábio Koff negou-se a falar sobre quais vantagens a Geral terá em sua gestão. A assessoria informou que o assunto passará pelo Conselho Deliberativo do Grêmio.
Integrante do Conselho de Administração do Grêmio, Nestor Hein será o responsável pelo relacionamento com as torcidas do clube. Nesta terça, ele almoçou com o Alemão a fim de começar a ajustar os termos de conduta que serão exigidos para 2013 pela nova gestão.
- Haverá uma série de compromissos. Na Arena, o torcedor fica muito perto do campo e não podemos correr riscos de interdição. Perderemos muito dinheiro se a Arena for interditada. Faremos um pacto e teremos regras rígidas para regular a convivência entre as torcidas - assegurou Hein.
O dirigente afirma que o clube estuda cadastrar todos os torcedores das organizadas, a fim de ter maior controle sobre essa parte da torcida. Hein mostra-se preocupado com as constantes brigas envolvendo a Geral:
- Cobraremos também a autofiscalização das torcidas. Eles não podem colocar as conquistas que tiveram, como um espaço diferenciado na Arena, a perder.
Hein comentou ainda que a nova direção não dará ingressos às organizadas, ao menos nesse começo de temporada.
- Estamos assumindo agora e há muitas questões a serem resolvidas. Neste primeiro mês, não haverá ingressos para ninguém. Contamos com o gremismo dos gremistas para isso, que compreendam o nosso momento.