Cinco minutos de conversa são suficientes para um forasteiro perceber que o vocabulário de 3 mil moradores do bairro Barreto, em Triunfo, inclui termos incomuns à maioria dos gaúchos.
Nomes populares de substâncias usadas no passado para tratar a madeira destinada à fabricação de postes pela CEEE na usina ali instalada, como creosoto e CCA, estão na ponta da língua da população que atribui diversos males de saúde a esses compostos.
Se em 1961 a unidade recém-inaugurada parecia levar progresso para uma área rural pobre do município, agora o terreno de 162 hectares é visto como um local perigoso para a saúde. E o alerta vem do próprio diretor-presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Carlos Fernando Niedersberg:
- É o solo mais contaminado do Estado, pelo que a Fepam tem conhecimento.
No bairro que se desenvolveu no entorno da usina, as pessoas temem que os casos recentes de câncer - entre eles leucemia e de pulmão - tenham relação com os produtos aplicados por décadas em troncos de eucaliptos que acabariam sendo usados como postes de luz.
A preocupação é baseada na constatação científica de que as substâncias químicas empregadas ali são cancerígenas, se absorvidas em excesso pelo organismo.
- Como químico, posso assegurar que são substâncias cancerígenas. O que não se sabe é se causaram a doença entre essas pessoas - ressalta Niedersberg.
A relação entre o adoecimento de moradores e o trabalho na antiga unidade da CEEE carece ainda de comprovação científica. Só agora a advogada Gisele Milk, que defende os interesses de cerca de cem famílias do local, está coletando fios de cabelos que serão usados em exames toxicológicos para atestar uma possível relação entre casos de câncer em moradores e os produtos usados na usina.
Até o momento, as taxas de mortes por esse tipo de doença na cidade não destoam da taxa do Estado, segundo o Ministério da Saúde, que, no entanto, não dispõe de dados detalhados do bairro.
- A roupa do meu marido tinha um cheiro forte, que ficava impregnado. Ele sofreu três anos de um câncer no estômago. Era atleta, jogava bola e era contra comer produtos com agrotóxicos - diz Juraci Magalhães, viúva de Paulo Magalhães, que morreu em 1999, aos 47 anos, dois anos depois de se aposentar.
Enquanto a Justiça analisa os pedidos de indenização por mortes e casos de invalidez de moradores e ex-funcionários da CEEE que trabalharam no local, uma operação de guerra foi deflagrada há cerca de 15 dias para remoção de milhares de toneladas de terra contaminada.
Em uma medida que pode custar à CEEE até R$ 40 milhões, uma empresa contratada está limpando o terreno que, por muitos anos, não poderá abrigar qualquer empreendimento.
- Não estão fazendo isso à toa. É porque o que se fazia ali causava mal a todos. Meu marido trabalhava ali e morreu novo. Eu já tive câncer em uma das mamas - desabafa Vera de Almeida, dona de casa que, aos 57 anos, vive a apreensão em relação a exames complementares aos que revelaram novos nódulos em seus pulmões.
Vera usou o dinheiro da pensão para trocar o madeirame da sua pequena casa de quatro cômodos, construída pela CEEE. Ela suspeita que a madeira tenha sido tratada com os mesmos produtos aplicados nos postes. Muitos vizinhos fizeram o mesmo, impulsionados por uma constatação: em quase todas as casas da rua, casos de câncer foram registrados na década.
Instalações em Triunfo eram usadas no tratamento de madeira
Foto: Ronaldo Bernardi
- Sempre tinha um pó preto na casa, diferente das casas fora daqui - conta ela.
Aliada ao movimento de caminhões e máquinas no local, a proximidade da eleição municipal transformou a rotina dos moradores. Dezenas de candidatos a vereador percorrem as ruas estreitas do vilarejo prometendo aderir à causa até então ignorada.
Seis mil toneladas de terra serão removidas
Enquanto o futuro da área permanece incerto, a CEEE se prepara para desembolsar entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões para descontaminar o solo. Iniciado há poucas semanas, o trabalho de recuperação da área deverá se estender por um ano. Neste período, a empresa Haztec, vencedora da licitação, removerá cerca de 6 mil toneladas de terra de uma área de 4 mil metros quadrados no interior da usina.
Para o presidente da CEEE, Sérgio Souza Dias, a empresa está acertando uma conta do passado. Segundo ele, a contaminação do solo se deu por falhas no processo de tratamento da madeira nas primeiras décadas de funcionamento da fábrica, que chegou a produzir 40 mil postes por ano.
- A preocupação ambiental não era a mesma de hoje, assim como a informação sobre os riscos - justifica ele.
A operação chama a atenção dos moradores por envolver dezenas de operários e técnicos protegidos por luvas e máscaras. Parte da terra removida deve ser levada para incineradores da empresa no Rio de Janeiro. O restante terá como destino aterros sanitários credenciados pela Fepam.
- É o nível de contaminação do material recolhido que determinará o destino. Se for muito alto, vai para incineração - diz Eduardo Marimon, coordenador ambiental da CEEE.
Mesmo depois de o solo ser limpo, a área terá de ser monitorada por cinco anos pela Fepam antes de ser usada para qualquer outra atividade. Dias acredita que algum empreendimento de caráter industrial poderá ocupar o local.
Dias antecipou que a CEEE vai querer dividir a conta com a AES Sul, que entre 1997 e 2005 explorou o local. Procurada por Zero Hora, a AES Sul informou, por meio de nota, que durante o tempo em que esteve no comando da usina "atuou de forma proativa nas questões ambientais, providenciando estudos técnicos aprofundados, visando a identificar os riscos reais para o ambiente e para a população do entorno.
Por medida de segurança (ao constatar contaminação), paralisou as atividades, fechou a usina, isolou e sinalizou a área, alertou a comunidade local, as autoridades e a imprensa."