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Um dos violonistas mais prestigiados na música de concerto internacional, o paulista Fábio Zanon, 46 anos, realizará um concerto nesta quarta-feira (06/06), às 20h, no Salão de Atos da UFRGS (Paulo Gama, 110), na Capital, com entrada franca (não haverá retirada de senhas). Ele interpretará obras de Peter Philips, Scarlatti, Ponce, Torroba e Mignone (confira o programa ao final da entrevista). O encerramento do 4º Festival de Violão da UFRGS também terá o duo Mônica Pedrosa e Fernando Araújo. Zanon conversou com Zero Hora, por telefone, de São Paulo.
Zero Hora - Por muito tempo, o violão deixou de ter o mesmo prestígio que outros instrumentos, como o piano e o violino, na música de concerto. Essa condição está mudando?
Fábio Zanon - Costumamos encarar a orquestra sinfônica e o recital de piano como se estivessem aí desde sempre e para sempre. Não é bem assim. Se olharmos para o século 17, o violão tinha um status muito mais alto. Luís XIV tocava violão. No século 16, foi publicada mais música para alaúde, um instrumento correlato (do violão), do que para teclado. É cíclico. Mais para o final do século 19, o violão caiu de status porque a vida musical começou a se organizar ao redor da orquestra. Esse processo foi gradualmente revertido no século 20. O problema é que pegamos a ressaca do século 19, então não temos obras de Beethoven, de Mozart, nem grandes concertos românticos para violão.
ZH - E no século 21?
Zanon - Todo mundo fala da crise na música clássica: uma orquestra que fecha aqui, uma série de recitais de piano que termina ali. O violão não tem crise. Há mais de 200 festivais no mundo, há público, pessoas produzindo seus próprios CDs, vendendo seu trabalho na internet, realizando recitais em bairros de periferia aonde nunca vai chegar um piano. Estamos fazendo a música do século 21. É uma maneira de se relacionar com o público que não é tão centrada na tradição vetusta da música clássica centro-europeia.
ZH - É um fenômeno do violão clássico e do popular?
Zanon - Essa não é uma barreira tão rígida. O primeiro grande concertista de violão do século 20 foi Segovia (Andrés Segovia, 1893 - 1987). Seu esforço foi separar o violão clássico do que ele chamava de violão de taverna. Naquele momento, era necessário provar que o violão podia ter um argumento sério. Hoje, tem que ser o contrário. A grande força do instrumento é o fato de a separação não ser tão nítida, de podermos incorporar no repertório uma faixa da música popular, de chegarmos a um público que nunca imaginou ouvir uma peça de Bach e apresentá-la por meio de um instrumento mais familiar em sua cultura musical.
ZH - O público no Exterior ainda vê com curiosidade um brasileiro entre os maiores?
Zanon - Acho que isso mudou. Conversei outro dia com a (pianista brasileira) Cristina Ortiz, que tem uma trajetória sensacional. Ela me falou que, no começo da carreira, quando foi morar na Europa, evitava tocar música brasileira porque dava a impressão de ser uma coisa étnica, como se não tivesse cacife para tocar o repertório que os pianistas europeus interpretavam. Hoje, é o contrário: são os pianistas europeus que perguntam para ela o que devem tocar de música brasileira. Esse complexo de inferioridade passou. Mas não dá para ficar só nisso porque vira nicho. Gravei mais música barroca do que brasileira.
ZH - Quais são os brasileiros mais tocados fora do país?
Zanon - A bola da vez é o Sérgio Assad. Quando ele começou a escrever música, tinha até um pouco de vergonha porque as vanguardas dominavam a orientação estética. Se você não compusesse música atonal, pós-dodecafônica, ninguém levava a sério. Só que quando ele começou a colocar, timidamente, suas músicas nos programas dos concertos, foram as mais elogiadas. Hoje, é o compositor brasileiro mais tocado no Exterior (no repertório de violão) depois de Villa-Lobos. Outros que eu poderia citar são Marlos Nobre, Francisco Mignone, Radamés Gnattali. Entre o pessoal mais novo, Marcus Siqueira, Alexandre de Faria, Alexandre Eisenberg, Arthur Kampela. Aí no Sul vocês têm o James Corrêa, que é um grande compositor. Esse cara é ótimo, ainda quero tocar música dele.
ZH - Onde está sendo composta a melhor música para violão hoje?
Zanon - No mundo inteiro. O que mais caracteriza é a diversidade de estilos. Há dois grandes setores. Um deles é o do compositor violonista. No Brasil, estamos falando desde um cara que toca violão clássico e compõe, como Marcus Siqueira, até aquele que toca violão popular e compõe músicas que você pode tocar em concerto, como o Maurício Marques. Outro setor é o do compositor profissional de música erudita. Hoje, francamente, não consigo pensar em ninguém de relevo que não tenha escrito para violão: Berio, Elliott Carter, Maxwell Davies, Takemitsu. Essas músicas são compostas e já entram para o repertório. Para efeito de comparação: um concertista de piano famoso como o (brasileiro) Nelson Freire toca música de autor vivo? Não, nada. Isso, para os pianistas, é uma curiosidade, uma especialidade. Mas se um compositor de primeira, como George Benjamin, escrever uma música para violão agora, daqui a 10 anos todo mundo tocará.
ZH - Há obras de música popular no seu repertório?
Zanon - Sabe por que não toco com mais frequência? Porque não é minha praia, não é minha formação. Mas hoje em dia eu toco, sim. Quando divido um show com o Yamandu (Costa) ou quando toco uma música do Guinga, procuro criar uma ponte entre as duas culturas (erudita e popular). A única barreira é ter apenas 24 horas no dia e muita música boa para tocar. Não tive tempo na minha vida para tocar música brasileira do jeito que esses caras tocam, mas, dentro do que é possível fazer no meu repertório, eu toco, sim.
ZH - Na sua trajetória, você se especializou em um período ou optou pela versatilidade?
Zanon - Tem épocas em que a cabeça acaba se voltando para um certo tipo de música, uma certa faixa do repertório.Você estuda mais aquilo, toca em concerto, grava, completa o ciclo e vai para a próxima. Nunca procurei me especializar em um tipo de música ou em uma época. Isso envolveria trabalhar com instrumentos de época. Não me interessei em seguir esse viés, sempre quis tocar um pouco de tudo. Mas ao longo do tempo a ênfase vai mudando.
ZH - Seu pai foi o primeiro professor de violão?
Zanon - Foi. Ele não era profissional, tocava nos fins de semana. Ele tocava mais música brasileira, repertório de choro, Dilermando Reis. Na verdade, foi uma malandragem do meu pai (risos). Eu queria aprender a tocar piano porque escutava muita música clássica. Tinha discos em casa e ouvia rádio. Meu pai disse: "Não precisa aprender piano. Se quiser, eu te ensino violão". Perguntei: "Mas dá pra tocar Bach no violão?" Ele: "Claro que dá, a partitura é igual para todo mundo". Quando percebi, já estava tocando (risos). Nunca imaginei que eu iria ficar com o instrumento. Quando entrei na faculdade (de Música da USP), foi para estudar composição. Mas a vida vai escolhendo as coisa por você e eu acabei ficando no violão.
ZH - Onde você mora hoje?
Zanon - Moro em São Paulo, mas 99% do meu trabalho é fora da cidade e 70% é fora do Brasil.
ZH - Quais serão seus próximos discos?
Zanon - São dois. Um é de música latino-americana, um repertório mais leve com obras curtas. Acho que vou disponibilizar apenas para download pago, pois quero fazer uma experiência sem selo para ver como funciona. O outro projeto é um CD de música espanhola, só com músicas de (Isaac) Albéniz e (Enrique) Granados. Será o CD de capa da revista Concerto no ano que vem. Também será lançado na Europa, mas só em 2014.
ZH - E das gravações que você já realizou, quais destaca, além da obra de Villa-Lobos?
Zanon - Acho que a mais importante é o Concerto para Violão do Francis Hime que fiz com a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), lançado pela (gravadora) Biscoito Fino. Ninguém imagina como ele é um excelente compositor de música sinfônica. O CD não teve tanta repercussão, mas foi indicado ao Grammy (categoria de melhor disco de música clássica do Grammy Latino).
FÁBIO ZANON
> Quarta-feira (06/06), às 20h, no Salão de Atos da UFRGS (Paulo Gama, 110), em Porto Alegre.
> O concerto começa com uma apresentação do duo Mônica Pedrosa e Fernando Araújo.
> Entrada franca (por ordem de chegada; não haverá distribuição de senhas).
> Programa: Peter Philips (c.1560 - 1628), Chromatic Pavan - The Galliard to the Chromatic Pavan; Domenico Scarlatti (1685 - 1757), Três Sonatas (K.453, K.11 e K.477); Manuel Ponce (1882 - 1948), Variações sobre Folia de Espanha e Fuga; Federico Moreno Torroba (1891 - 1982), Piezas Características; e Francisco Mignone (1887 - 1986), Três Estudos (nº 4, nº 7 e nº 6).