Da terra brota uma escola em movimento. Traduzido em bons exemplos de projetos de proteção ambiental e sustentabilidade, o lema do colégio estadual 29 de Outubro transformou a vida de nove filhos de pequenos produtores rurais e três professores em Pontão, no norte do Estado. De 13 a 22 de junho, eles viajarão ao Rio de Janeiro para ajudar a escrever a "Carta das Crianças para a Terra". Representarão a única escola da Região Sul do país na Conferência das Nações Unidades sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Coordenada pela Fundação Xuxa Meneghel, a elaboração do documento pretende fazer uma releitura da cartilha de princípios para se construir uma sociedade justa, sustentável e pacífica. A ideia reunirá cem estudantes e 30 professores de diferentes regiões do Brasil para criar o texto, cuja linguagem será adaptada às crianças. O colégio 29 de Outubro foi indicado à fundação pela Secretaria de Direitos Humanos e Secretaria Estadual de Educação por ter uma proposta pedagógica que estimula a sustentabilidade e vai além do currículo tradicional.
- Estamos muito felizes com o reconhecimento. Será uma oportunidade única em nossas vidas - revela a diretora Bernadete Luiza Cadoná Schwaab.
Ela conta que a escolha surpreendeu. Mas não foi em vão. A transformação da comunidade escolar iniciou há 12 anos inspirada em ações desenvolvidas em outros municípios. Desde lá, o colégio criou núcleos de estudo interdisciplinares que mesclam alunos de séries diferentes. Cada grupo é responsável por um projeto de pesquisa com tema livre em áreas como meio ambiente, agricultura e saúde. O resultado, teórico e prático, é apresentado anualmente na semana de aniversário da escola.
Os núcleos se reúnem uma vez por semana em horário de aula. Debatem, estudam e saem a campo para investigar o tema escolhido. Usam a internet, fazem entrevistas e analisam as informações sob orientação dos educadores. Depois, redigem o trabalho e os apresentam até mesmo com recursos multimídia. Para aprofundar o assunto, a escola convida profissionais das áreas abordadas para esclarecer dúvidas e consolidar o conteúdo. No caso da agricultura, por exemplo, são técnicos da Emater. E assim por diante.
Os alunos também realizam experimentos práticos, o que resulta na criação de maquetes sobre o uso de energias alternativas como a eólica, por exemplo. Entre os assuntos trabalhados nos últimos anos estão água, transgênicos, biodiesel e diversificação da propriedade. Os tópicos são associados à realidade das famílias, constituídas por agricultores. Neste ano, as novas leis ambientais e a gestão sustentável são os principais temas investigados. Depois de prontas, as pesquisas ficam disponíveis na biblioteca da escola.
Desde que implantou a proposta, a escola comemora os resultados. A diretora conta que as crianças melhoraram o vocabulário e a escrita. Quem já se formou, garante que o aprendizado na elaboração de projetos ajudou a planejar o próprio futuro. Mas o principal, segundo Bernadete, é compartilhar conhecimento entre as famílias e transformar a realidade do Assentamento 16 de Março, área desapropriada da Fazenda Annoni em meados da década de 80 e região histórica para a reforma agrária no sul do país.
Atualmente com 96 alunos no Ensino Fundamental e 11 na Educação Infantil, a escola também possui avaliações diferenciadas. Elas são trimestrais e por meio de pareceres. Outra prática é o diário individual onde cada aluno relata os aprendizados e dificuldades de cada dia de aula. O modelo, segundo a diretora, é aprovado pelos pais, que também se beneficiam do conhecimento gerado pela escola. Como, por exemplo, da pesquisa feita sobre o stress no campo, que apontou alternativas para melhorar a qualidade de vida. Ou do estudo ainda em andamento que instiga cada estudante fazer um inventário da propriedade da família e propor um novo modelo de gestão.
Bernadete explica que a aplicação dos resultados obtidos com as pesquisas e seminários têm provocado, inclusive, a maior participação dos pais nas atividades escolares. Isso sem contar a oportunidade de contribuir para o crescimento do município. A diretora conta que pesquisas como o que mapeou as fontes de água existentes na região, por exemplo, foram entregues à prefeitura de Pontão para auxiliar no planejamento de políticas públicas sustentáveis.
- É um trabalho coletivo em que, a cada etapa, todos saem ganhando - resume.
Preparação especial
Dos nove estudantes e três professores da escola 29 de Outubro que participarão da Rio+20, só a diretora Bernadete já viajou de avião. Mas a preparação do grupo não se resume a conter a ansiedade de voar. No fim de maio, uma equipe multidisciplinar da Fundação Xuxa Meneghel esteve em Pontão para explicar a metodologia e orientar a delegação sobre como serão as atividades desenvolvidas na capital carioca.
As oficinas com as escolas selecionadas para elaborar a "Carta das Crianças para a Terra" iniciaram em abril em estados como Pará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Bahia, Amazonas e Rio Grande do Sul. Além de apontar caminhos para um mundo sustentável, o projeto "+Criança na Rio+20" pretende marcar o início da criação de uma rede nacional infantil sobre o tema.
O objetivo é mobilizar crianças de 8 a 12 anos para emitirem opiniões e elaborarem propostas relacionadas aos principais temas da Carta da Terra. Na conferência, as cem crianças e 30 professores escolhidos vão participar de fóruns, debates e programações culturais. Por fim, redigirão o documento que será entregue a lideranças e autoridades.
- O projeto estimula as crianças a se expressarem e sensibiliza os adultos a considerá-las e valorizá-las. Isso cria um ambiente de aprendizado sobre os desafios do desenvolvimento sustentável - observa Angelica Goulart, diretora da fundação.
Uma carta pela natureza
Acostumada a levantar às 6h e percorrer 10 quilômetros de ônibus em estrada de chão para chegar à escola, a estudante Ana Cláudia Dickel, 12 anos, vai trocar a imensidão das lavouras pela praia, que vai ver pela primeira vez. De viagem marcada para o Rio de Janeiro, a preocupação principal não é o lazer, mas a sua contribuição à Carta da Terra, que ajudará a escrever. Acostumada a auxiliar o pai Adilar Aires da Silva na produção de hortaliças vendidas para a merenda escolar, ela vê brotar cenouras, beterrabas, alfaces, tudo pelo sistema de produção orgânico.
- Nas lavouras vizinhas o pessoal usa muito agrotóxico, isto faz mal à saúde e ao ambiente. Se cada um fizesse sua parte seria melhor - conta Ana Cláudia.
Tudo o que ela aprendeu na escola, durante a preparação para a viagem, foi anotado em um diário, cujo conteúdo agora partilha com os pais e os dois irmãos. Na mala que está preparando para ir à conferência, também irão os costumes gaúchos, representados pelo jogo de bochas e pelo vestido de prenda que pegará emprestado de integrantes do Centro de Tradições Gaúchas da cidade, para dançar no encontro.
O que é a Rio+20?
A Rio+20 é a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que será realizada de 13 a 22 de junho no Rio de Janeiro. Ela marca os 20 anos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). O objetivo é definir a agenda para as próximas décadas e renovar o compromisso político com o desenvolvimento sustentável, além de avaliar os progressos obtidos e propor temas novos e emergentes.