Intrigada com a presença de 12 internos da Comunidade Socioeducativa (CSE) "visivelmente medicados" em uma audiência judicial realizada em janeiro, a juíza Vera Deboni, do 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude, questionou, por ofício, a direção da casa pertencente à Fase sobre o porquê da medicação aplicada nos jovens.
A resposta, assinada pelo psiquiatra Jose Pedro Godoy Gomes Neto, 58 anos, e por um assistente de direção da unidade, estarreceu a magistrada: "Pelo ÓCIO, é por isto que se medica na Fase".
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Por considerar graves as informações que constam do documento, a juíza instaurou processo para responsabilizar a presidente da fundação, Joelza Mesquita, por eventuais irregularidades ou excessos. Joelza disse ontem que pretende demitir o psiquiatra e apurar se o servidor da CSE leu o ofício antes de assinar:
- Médico está lá para medicar pela doença, não pelo ócio. E não pode medicar porque o monitor pede ou o menino pede. Quero acabar com isso. E se o funcionário que assinou leu e concordou, é conivente. Não pode continuar.
Conforme a juíza, os infratores enrolavam a língua ao falar durante a audiência na Justiça. No documento de três páginas e meia, o psiquiatra Gomes Neto tenta dar uma resposta à exigência que a Justiça tem feito de que os internos tenham diagnóstico para receber a medicação. O psiquiatra escreveu:
"...por que medicar se em sua maioria não são doentes? Não há como colocar que nossa clientela é doente mental em proporcionalidade maior que a preconizada pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Então por que se medica tanto na Fase? A resposta é simples e definida em uma única palavra: ÓCIO."
No texto, o médico fala de outros problemas, como a "escola fraca" e "ausência de conduta uniforme de funcionamento institucional com cada ala funcionando de acordo com a chefia daquele turno".
Em outro trecho, o psiquiatra, que trabalha na CSE há nove anos, também revela descontentamento com práticas da instituição. Reclama que há uma cultura de que se o jovem "pedalar" (termo usado para quando os internos se revoltam e chutam portas, janelas, grades), ele vai receber o que deseja.
Segundo ele, essa não é uma atitude de boa educação e não seria aplicada nos lares. "Imaginemos que qualquer de nossos filhos, ao ser proibido de sair, pedalasse a porta de seu quarto, qual seria nossa atitude?", pondera o médico no ofício.
O relato escrito do psiquiatra reforçou as suspeitas da juíza de que há excesso de medicação na CSE, unidade que reúne os jovens de perfil mais agravado da Fase.
Ela determinou a apuração de eventuais irregularidades, já que o médico afirmou que os internos são medicados por causa do ócio, ou seja, pela falta de atendimento e de atividades determinadas em lei.
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