Uma das atrizes preferidas de Pedro Almodóvar desde os anos 1980, Marisa Paredes definiu A Pele que Habito como "o sintoma mais radical do amadurecimento do cineasta". É melhor, no entanto, ir ao cinema preparado para ver um típico Almodóvar "das antigas".
A Pele que Habito é marcado pelo seu domínio da linguagem - e a consequente manipulação precisa das emoções do espectador -, visto mais acentuadamente nos filmes recentes do diretor espanhol, sobretudo após Carne Trêmula (1997). Daí, aliás, provém parte da justificativa para a frase de Marisa Paredes. Se há sobriedade cênica e narrativa, no entanto, este que é o 19º longa do diretor espanhol retorna à exacerbação e àquele exotismo recorrente em seus trabalhos mais remotos.
Duas décadas após Ata-me (1990), Antonio Banderas volta a um filme do cineasta. Ele é Robert Ledgard, cirurgião plástico consagrado que usa seus experimentos com a pele humana para orquestrar um plano cruel e bizarro de vingança - sobre o qual é melhor falar pouco para não estragar a surpresa. A bela Elena Anaya, que trabalhou com Almodóvar em Fale com Ela (2002) e com Julio Medem em Lucía e o Sexo (2001) e Um Quarto em Roma (2009), é ao mesmo tempo sua musa e cobaia. Marisa Paredes, sua mãe e assistente.
Quando vai se inteirando da trama, o público vai entendendo a relação desses experimentos com a morte - tema almodovariano por excelência - da mulher e da filha de Ledgard. E vai, também, notando o quão doentio é o ato do médico, espécie de mistura do Frankenstein de Mary Shelley com O Abominável Dr. Phibes (1973), de Robert Fruest. Traição, solidão e a velha questão da identidade sexual são os outros assuntos de A Pele que Habito, que é adaptado do romance Tarântula, do francês Thierry Jonquet, e faz referências curiosas, por assim dizer, ao Brasil - país de origem da família do protagonista e local onde se desenvolveu o seu espírito amoral.
É um Almodóvar um pouco menos cativante do que aquele ao qual nos acostumamos nos últimos tempos. Ainda assim, um filme de mestre: a interpretação de cada um dos atores, assim como a sua dramaturgia como um todo, contempla toda a diversidade de temas sobre os quais o diretor almeja refletir, sobretudo aquele que resume as figuras mais notáveis que ele criou em mais de 30 anos de carreira - as que habitam uma pele que não combina com a sua alma.
Marcas do cineasta
A Pele que Habito reúne as características apresentadas por Almodóvar em mais de 30 anos de carreira - e que ajudaram a firmar seu estilo tão particular e tão cultuado:
Amores improváveis
As paixões platônicas, às vezes sem limites, estão sempre presentes nos filmes de Almodóvar. Não raramente, envolvem tipos e personalidades que as tornam ainda mais surpreendentes.
Personagens exóticos
Esta marca está bem visível em A Pele que Habito (2011), você vai ver. Ela percorre toda a sua filmografia, desde os títulos iniciais - Pepi, Luci e Bom (1980), Maus Hábitos (1983), Matador (1986)...
Tramas labirínticas
São sempre assim, sobretudo se houver citação a acontecimentos passados -
Má Educação (2004) e Abraços Partidos (2009) são dois exemplos de tramas estruturadas a partir de flashbacks; Carne Trêmula (1997) tem idas e vindas no tempo manipuladas com maestria.
Diversidade sexual
Esta é clássica. Como esquecer a travesti Agrado de Tudo Sobre Minha Mãe (1999) ou o sensível e afetado enfermeiro Benigno de Fale com Ela (2002)?
Culto à figura feminina
Está quase sempre personificado nas grandes atrizes hispânicas como Carmen Maura, Marisa Paredes, Cecilia Roth e, mais recentemente, Penelope Cruz.
Estética de excessos
Cores quentes, visual exagerado, trilha a ressaltar as linhas dramáticas dos filmes. Almodóvar gosta dos excessos - sempre, contudo, recheando-os de significados.
Humor e melodrama
A variação de gêneros é uma constante de seus longas. Mas as pitadas de um humor bem peculiar mesmo no registro do melodrama são a sua marca mais notável nesse sentido - vide Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), Ata-me (1990) e De Salto Alto (1991).
O fetiche do cinema
Seus longas estão repletos de citações, incorporam cenas de outros filmes em meio à ação (lembra de Fale com Ela?) e ainda têm personagens que são atores ou cineastas (casos, por exemplo, de Abraços Partidos e A Lei do Desejo, de 1987).