
Se trabalhar em casa já não é para qualquer um, aderir ao home office tem se mostrado ainda mais desafiador para quem se viu obrigado a transformar seu lar em escritório em meio a uma pandemia, alguns do dia para a noite. Pegos de surpresa pelo novo modelo de atuação, trabalhadores enfrentam dificuldades para se adaptar ao novo ambiente, onde afazeres domésticos disputam espaço com as atividades profissionais, e no qual o contato humano foi reduzido a trocas de mensagens e conversas virtuais.
— Em uma situação como essa, tem pessoas que mais rapidamente apresentam sinais de sofrimento, que geralmente tem a ver com questões pré-existentes, porque a pandemia vulnerabiliza. Depois, com a experiência em casa, algumas vão mostrar outras dificuldades, e podem desenvolver quadros de adoecimento — alerta o doutor em psicologia Christian Kristensen, professor do programa de pós-graduação da PUCRS.
Para tentar mitigar o estresse causado pelo teletrabalho forçado, empresas de diferentes portes têm implantado medidas para melhorar o bem-estar dos colaboradores nesse período. Aulas de meditação, ioga e ginástica laboral, conversas com psicólogos, happy hour virtual, reuniões descontraídas e boletins de boas notícias estão entre as alternativas adotadas para deixar o clima mais leve durante o distanciamento social.
As movimentações não são fruto apenas da sensibilidade das companhias. Pesquisadores indicam que o aumento da ansiedade prejudica a capacidade de concentração das pessoas no trabalho _ um estudo norte-americano mostrou que a ansiedade pode diminuir a produtividade em cinco dias por mês.
No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), os transtornos mentais estão entre as principais causas de afastamento do trabalho: somente em 2017, distúrbios de ansiedade resultaram em 28,9 mil afastamentos.
Por outro lado, conseguir criar um bom ambiente de trabalho no conforto do lar pode render frutos até melhores do que os das atividades presenciais. Uma pesquisa da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, descobriu que trabalhadores que aderiram ao home office aumentaram a produtividade em 13%, mostraram-se mais satisfeitos, faziam menos pausas e ficavam menos doentes, além de custarem a metade do que os funcionários em escritório.
Conheça algumas iniciativas de empresas para melhorar o dia a dia no trabalho remoto:
Psicólogos a distância
Com cerca de 15 mil colaboradores em todo o Estado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul viu-se em uma situação inédita nas últimas semanas. Pela primeira vez na história da instituição, a maior parte dos servidores passou a atuar de dentro das próprias residências.
A mudança de formato acendeu um alerta no setor de gestão de pessoas, que enviou um e-mail aos funcionários colocando-se à disposição para dialogar com quem precisasse de apoio durante o período. O retorno foi imediato.
— Identificamos que ia ser complicado, e começamos com um e-mail por semana, falando sobre as mudanças, a necessidade de criação de rotina, e que eventuais dificuldades poderiam surgir, o que é normal. Vimos que o pessoal topou. Agora estamos enviando dois e-mails por semana, e para quase todos recebemos respostas — conta a diretora do departamento de gestão de pessoas, Magdala de Leon.
A demanda expressiva por suporte emocional motivou o setor a ampliar as possibilidades de contato. Nas últimas semanas, nove psicólogos da instituição colocaram-se à disposição para conversar por e-mail, Whatsapp e telefone com servidores e aposentados do órgão. Os números são divulgados internamente e os profissionais atendem das 9h às 22h30min.
As escutas têm como objetivo confortar, orientar, e, por vezes, ajudar as pessoas a organizar as atividades e os sentimentos durante o distanciamento social. As angústias nem sempre têm relação com o trabalho. Pelo contrário: quase sempre extrapolam as questões profissionais.
— A procura inicial é por dificuldades de se adaptar, mas surgem questões de relacionamentos, lutos, falta de contato. As pessoas estão mais sensíveis. A gente tenta entender e auxiliar, mas o principal é escutar. Alguns dizem que só queriam desabafar — conta a psicóloga Bibiana Magalhães.
Ginástica laboral e boas notícias

Analista de sistemas, Lisandra Compani, 41 anos, estreou no home office em um momento conturbado. Além da preocupação em não perturbar os pais, idosos, e garantir que estivessem assistidos enquanto trabalhava, o prazo para concluir um projeto importante estava prestes a se esgotar.
O alívio das tensões cotidianas, assim como as cobranças, chegou virtualmente. Há algumas semanas, a empresa de tecnologia onde trabalha passou a oferecer ginástica laboral a distância três vezes por semana.
— A gente fica muito tempo no computador. Para mim, fazia falta o alongamento. A pressão aumentou no trabalho, mas agora tem esses 20 minutinhos para dar uma respirada. Ao mesmo tempo é engraçado... Quando vi meu irmão estava filmando — conta.
A ginástica laboral faz parte da rotina presencial de quem atua na DBC, que presta consultoria de software. Migrar a prática para o mundo virtual foi uma das formas encontradas pela companhia, que conta com cerca 500 colaboradores, para ajudar a aliviar a tensão durante o expediente.
Além das aulas de ginástica, que ocorrem através da plataforma Zoom, a empresa também tem buscado acalmar os ânimos com dicas de atividades para fazer com as crianças e formas de melhorar o ambiente em casa. Às segundas-feiras, instituiu o dia da notícia boa: um compilado de novidades positivas relativas à pandemia é enviado para os funcionários e disseminado nas redes sociais da DBC.
— O home office é legal num cenário positivo. Nesse, traz um peso, de trabalhar com a família e as crianças em casa. A gente acha que é um momento importante para nos mantermos próximos e mostrar coisas positivas — diz a analista de marketing Graziela Giordani.
Reuniões à fantasia

O clima descontraído que se espera de uma startup sofreu um baque na Tag Experiências Literárias com o distanciamento social. Com todos os funcionários trabalhando de casa, a atmosfera leve e marcada pela interação do clube de livros foi subtraída da rotina sem aviso prévio.
— Nós nos relacionamos muito. Tentamos sempre deixar o dia das pessoas mais legal, e temos o costume de brincar. Numa quarentena, tudo acaba ficando muito igual. Às vezes, nem se sabe em que dia da semana estamos — avalia o diretor de Recursos Humanos e Operações, Álvaro Englert.
O jogo virou na mistura do improviso com um planejamento cuidadoso. Preocupadas em manter os pouco mais de 100 colaboradores informados sobre a saúde financeira da empresa e as medidas a serem adotadas durante o distanciamento social, as lideranças passaram a fazer reuniões diárias, e decidiram incluir a todos na conversa uma vez por semana.
A surpresa veio já na primeira live, quando um dos sócios apareceu no vídeo usando uma peruca. Na reunião seguinte, outro resolveu usar um chapéu exagerado, até que um belo dia o diretor financeiro surgiu vestido de dinossauro.
As reuniões zoeiras viraram tradição na quarentena da TAG, e foram expandidas para toda a empresa. Nesta sexta-feira, o convite foi para um "half formal friday" (sexta-feira meio formal, na tradução literal), que sugeria que todos ingressassem na reunião vestidos com roupas formais, como terno e gravata, mas só pela metade. A parte de baixo podia ser pijama.
— Desci todas as minhas fantasias do armário para, pelo menos, as pessoas sorrirem um pouco. Às vezes temos que dar recados ruins, mas estamos tentando quebrar a tensão e manter as pessoas alegres — conta Álvaro.
Brincadeiras à parte, a empresa também tem monitorado o estado de espírito dos colaboradores, que ao final do dia de trabalho respondem a uma pesquisa com emojis dizendo como estão se sentindo. Quem relata problemas é procurado pelo gestor para uma conversa de acolhimento.