Cada vez que Beatriz Souza despejava uma atleta no chão, derrubava mais um tijolinho do preconceito. A cada salto de Rebeca Andrade também pulavam junto com ela tantas outras Rebecas, Anas, Marias pelo Brasil. O mesmo vale para as demais medalhistas brasileiras em Paris. As mulheres do Brasil são protagonistas do país nos Jogos. Não apenas em quantidade, como aclamado antes do início das competições, mas, sobretudo, em qualidade.
Com mais da metade das competições transcorridas, as brasileiras sustentam o país no quadro de medalhas. Os recordes delas chegam ao atacado nesta edição. Porcentagem de atletas. Porcentagem de medalhas. Número total de pódios. Sem a presença delas, restariam quatro bronzes à campanha verde e amarela na França. Ao todo, são 14 conquistas nacionais na Olimpíada, com mais uma garantida.
Pela primeira vez a delegação brasileira conta com maior quantidade de mulheres do que de homens. Elas representam 55% do Time Brasil. A participação feminina quando o assunto é ficar entre os três primeiros lugares extrapola, e muito, o percentual. São nove medalhas, com dois ouros, três pratas e quatro bronzes, o equivalente a 71,4% dos pódios do país — a medalha por equipes mista no judô fica como uma conquista neutra.
Somente em 1996, primeira vez em que brasileiras medalharam, as mulheres do Brasil tiveram um índice de participação maior do que o percentual delas na delegação brasileira. Em Atlanta, conquistaram 36% das medalhas do Brasil, representando apenas 29% da equipe brasileira.
É o ápice de uma batalha travada desde 1932 com a nadadora Maria Lenk, mas que, numericamente, começa a ganhar corpo apenas em 1980, quando o vôlei é a primeira equipe coletiva feminina do país a participar dos Jogos. A primeira medalha feminina demorou mais 16 anos. Foi conquistada no vôlei de praia, em 1996, com o ouro de Jackie Silva e Sandra. Com as nove medalhas em Paris, são 46 condecorações das mulheres de um total de 163 do Brasil.
— Ali eu acho que apareceu o esporte feminino do Brasil. Ali foi uma Olimpíada muito importante para o Brasil, nessa questão das mulheres, de reconhecimento, de conquista — avalia Jackie.
Rebeca Andrade
Em números brutos, a campanha em Paris supera o recorde de Tóquio, com 10 medalhas femininas — contabilizando a do futebol, que ainda não tem cor — contra nove na Ásia. Há três anos, os homens conquistaram as maiores honrarias olímpicas 12 vezes. Ainda há expectativa de as mulheres medalharem no vôlei, no vôlei de praia e com Ana Marcela Cunha na maratona aquática, além de possíveis surpresas fora do radar neste momento.
O que Rebeca Andrade fez em Paris nenhum outro brasileiro havia feito em um único evento olímpico. As quatro medalhas colocadas no peito na Arena Bercy, um ouro, duas pratas e um bronze, a tornam a maior medalhista brasileira em uma única edição. No total, são seis pódios do país, superando as marcas de Robert Scheidt e Torben Grael e se tornando o maior ícone olímpico do Brasil em todos os tempos — a marca pode ser igualada por Isaquias Queiroz.
Há perspectivas de que a participação se fortaleça nos próximos ciclos. Desde 2021, o Comitê Olímpico do Brasil criou em sua estrutura a Área da Mulher no Esporte e, no ano seguinte, abriu a Comissão Mulher no Esporte.
As medidas visam multiplicar o desempenho das atletas brasileiras tendo como ponto de partida ações promotoras da equidade de gênero. Este ano, de acordo com a Revista Exame, a pasta recebeu 79 projetos de 28 modalidades diferentes, um número 119% maior do que em 2023, primeiro ano do Programa de Desenvolvimento do Esporte Feminino.
Dos 79 projetos, 15 foram aprovados e dividirão investimento de R$ 1,3 milhão. A maior parte dele destinado para o desenvolvimento de profissionais na área técnica. Elas estão gigantes e ficarão ainda maiores.
Participação de medalhas das mulheres no Brasil:
- 1996 - 36,3%
- 2000 - 33,3%
- 2004 - 20%
- 2008 - 41,1%
- 2012 - 35,2
- 2016 - 35,7%
- 2020 - 42,8%
- 2024 - 69,2%
As medalhas do Brasil em Paris até o momento*:
Ouro
- Beatriz Souza (judô)
- Rebeca Andrade (ginástica artística)
Prata
- Caio Bonfim (marcha atlética 20km)
- Willian Lima (judô)
- Rebeca Andrade (ginástica artística)
- Rebeca Andrade (ginástica artística)
- Tatiana Weston-Webb (surfe)
Bronze
- Larissa Pimenta (judô)
- Rayssa Leal (skate street)
- Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares e Lorrane Oliveira (ginástica artística)
- Beatriz Souza, Rafaela Silva, Larissa Pimenta, Ketleyn Quadros, Daniel Cargnin, Rafael Macedo, Léo Gonçalves, Guilherme Schimidt, Rafael Silva e Willian Lima (judô, equipes mistas)
- Bia Ferreira(boxe)
- Gabriel Medina (surfe)
- Augusto Akio (skate Park)
*O futebol feminino já tem medalha conquistada, mas ainda não entra no quadro de medalhas