Uma ruptura no ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo em setembro de 2020 poderia tirar Mayra Aguiar, judoca e duas vezes medalhista olímpica, dos Jogos de Tóquio neste ano. Não foi o que aconteceu. Pouco mais de oito meses depois de passar por uma cirurgia em São Paulo, a atleta gaúcha enfim vai retornar aos tatames em uma competição oficial.
A partir do dia 6 de junho, Mayra e os demais judocas da seleção brasileira estarão em Budapeste, na Hungria, para disputar o mundial da categoria, a última etapa classificatória para a Olimpíada. Apesar do tempo que ficou afastada do esporte, ela está bem colocada no ranking mundial da Federação Internacional de Judô (IJF) — atualmente ocupa o 12º lugar — e já está garantida no Japão.
A gaúcha de Porto Alegre volta, casualmente, para o local em que conquistou seu último título mundial na categoria até 78 quilos. Foi em Budapeste, em 2017, que Mayra se igualou a João Derly como os únicos judocas do Brasil que foram duas vezes campeões mundiais.
Antes, em 2014, ela havia ganhado a medalha de ouro em Cheliabinsk, na Rússia. E uma coincidência aproxima o ano de 2021 daquela primeira conquista de Mayra no Mundial. Oito meses antes de chegar ao lugar mais alto do pódio naquela ocasião, a judoca havia passado por duas cirurgias, uma no joelho e outra no ombro —situação parecida à que vive agora. Além dos dois títulos, a atleta ainda tem duas pratas (uma por equipes) e dois bronzes.
Antes de viajar para a Europa, Mayra conversou com a reportagem de GZH e projetou o retorno aos tatames, já visando à Olimpíada, que começa no dia 23 de julho. Confira:
Como foi a tua recuperação neste período parada após a cirurgia no joelho?
Felizmente ou infelizmente, já estou acostumada a ter lesão e passar por cirurgia, então o caminho, eu sei bem como é. Como passar por cada momento, seja a tristeza quando machuca, o momento de aceitação que lesionou, a cirurgia, a fisioterapia, tudo. Cada momento é diferente. Esse que eu passei agora foi bem diferente de todos os outros, por conta da pandemia. A forma da fisioterapia, como eu ia fazer. Operei em São Paulo, aí tive que voltar para casa, minha mãe teve que ir para lá. Foi com mais emoção essa cirurgia, foi mais complicado lidar com a cabeça, com a emoção, não tanto com o processo cirúrgico. Esse foi bom, consegui passar bem. É uma volta, é uma cirurgia, volta para o treinamento, foi diferente por conta do covid-19, mas eu gostei bastante da forma como tudo ocorreu. Estou no oitavo mês após a cirurgia, me sinto muito bem, já treino no nível que eu treinava antes. Agora, vou para a minha primeira competição, que entra a parte emocional. Como vou estar? O que vai acontecer?
Como a Mayra entra nesse Mundial em Budapeste?
Com muita vontade, estou com muita saudade, faz muito tempo que eu não luto. Eu gosto muito de competir, então essa falta é um incentivo, uma vontade de voltar a lutar, ainda mais em Mundial. Vai ser o meu 10º, já lutei muito essa competição, me sinto bem. Tenho seis medalhas individuais, dois títulos. Está sendo bom para mim, mentalmente. Mas é uma competição muito difícil, muito dura. Ainda mais antes de Olimpíada, onde ainda tem gente querendo buscar pontos para se classificar. Vai ser bastante dura a minha categoria, mas eu estou com muita vontade de lutar.
Em uma entrevista recente, tu disseste que o mais complicado para ti durante a tua recuperação foi a tua cabeça, que tu chegavas a nem ver as competições de judô. Como foi esse processo para ti, que é apaixonada pelo esporte?
Eu procuro focar naquilo que posso fazer naquele momento. Isso me ajuda mais, me sinto mais produtiva, é mais fácil para mim. Quando eu olho uma competição, quando eu estou ali vendo o pessoal treinar, eu fico morrendo de vontade de estar ali, fico ansiosa. Me isolar e focar na minha recuperação, em eu estar bem, naquele passo a passo, tijolinho por tijolinho, me senti melhor. Me isolo de tudo mesmo e vou me recuperando. Foi assim no começo, já passei por momentos de outras cirurgias que fiquei muito ansiosa, voltei antes, acabei embolando, isso é muito ruim, tu acelerar o processo. Me afastar de tudo foi mais fácil.
No Mundial, qual vai ser o teu maior desafio? Vencer as outras competidoras ou superar a ti mesma?
Eu acho que sou eu mesma, por tudo que aconteceu. Foi muito diferente esse momento todo que eu estou vivendo, então acho que a cabeça vai ser muito importante. O que eu posso fazer para melhorar, nas minhas dificuldades, penso bastante em mim. Claro que eu tenho estudado de algum tempo atrás, tudo anotadinho o que as adversárias fazem, como lutar contra elas, mas acho que o momento agora é estar preparada para tudo, qualquer situação que acontecer, eu quero estar preparada.
Em Londres 2012, tu ganhaste o bronze com o ombro luxado. No Mundial de 2013, vinhas de duas cirurgias e foste campeã. É o destino da Mayra se lesionar e logo na sequência ganhar uma medalha?
Eu não queria que fosse, mas eu espero que sim (risos), porque estou passando por outra agora. Não sei se é essa saudade que eu sinto do esporte, do judô, de competir que me deixa com mais gana de lutar. Talvez seja isso, né? Mas eu já passei por muitos momentos de dor. A minha carreira é isso, de superação, e isso me motiva, me move. Então, é aceitação. É aceitar que está sendo assim e vou fazer o melhor para ser assim.
Como é para ti voltar com um Mundial e ter uma Olimpíada logo na sequência?
Vai ser muito duro. São as duas maiores competições que a gente tem no judô. Eu vou voltar com uma pandemia e uma cirurgia. Vai ser o momento mais difícil que eu vou passar, acho que na minha carreira nunca vivi um momento tão duro assim. Enfrentar duas situações muito pesadas no mesmo momento. Hoje, eu consegui me equilibrar, consegui aceitar tudo que está acontecendo e fazer o melhor com o que eu tenho. Isso me deixou mais tranquila para entrar nessas competições. Sei que vou encarar um momento bem duro pela frente, mas estou preparada para isso.
Logo depois da Olimpíada de Pequim, tu deste uma entrevista dizendo que sentiste muita pressão na época. Agora, tu vais para a tua quarta Olimpíada. O que a Mayra de 2008 ensinou para a de 2021?
O mais importante que eu aprendi nesse caminho todo foi de aproveitar todos os momentos. Independentemente do resultado, o que realmente marca e fica é aquela caminhada, o que eu vivi, as dificuldades, as alegrias. Então, quando eu estava com muita pressão, não conseguia aproveitar esse momentos, nem os ruins, nem os bons. Eu ficava com muita pressão. Vivia sob pressão. Então, me deixei aproveitar. Hoje, eu consigo aproveitar os momentos, por mais difíceis que sejam, aprender com isso, aceitar as coisas que vêm. Aproveitar e me divertir. É o que eu amo fazer, o judô, essa vivência com os meus amigos, poder aproveitar ao máximo, com dedicação, com vontade, com força.
Tu achas que essa pode ser tua última Olimpíada? Como tu vês a tua carreira para o futuro?
Eu quero fazer Paris (em 2024) também. Estou me sentindo bem, idade é mais mentalmente. Se eu estiver me sentindo bem, eu vou fazer até quando eu estiver feliz. Estou muito feliz fazendo ainda. Paris vai ser um ciclo olímpico mais curto, serão três anos, mais rápido, e estou em uma fase boa fisicamente. Por conta da experiência, eu sei tudo certinho como fazer. Isso já me dá um a mais. Estou mais forte mentalmente, isso acaba até melhorando a minha situação.
O que tu podes dizer para aquele atleta que é mais jovem, que vai para a sua primeira Olimpíada, agora como uma judoca mais experiente?
Que continue se dedicando, que aproveite esse momento, porque é um momento único, passa rápido. É de quatro em quatro anos, o judô é um dia apenas de competição, por exemplo. Faça tudo certinho para chegar lá e falar, independentemente do resultado, eu fiz o meu melhor, fiz tudo que eu podia fazer para chegar até aqui. Aproveite todo esse caminho.