Como toda competição de alto desempenho esportivo, a Paraolimpíada tem exemplos de superação, excelência e, em sua face menos glamourosa, trapaças. Talvez a mais inusitada seja o boosting, um método de doping que usa a autoflagelação para aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca, melhorando a performance.
Boosting é o nome popular para a indução proposital da disreflexia autonômica, uma síndrome associada à lesão medular. Alguns atletas paraolímpicos que têm os membros inferiores paralisados utilizam da artimanha de provocar lesões na região da cintura para baixo, onde não sentem dor. A reação do corpo é de defesa, o que provoca o aumento do fluxo sanguíneo desejado para que o rendimento em quadras e pistas melhore. Como muitos portadores desse tipo de deficiência não conseguem elevar a frequência cardíaca além de 130 batimentos por minuto, há essa preocupação de aumentar o número a qualquer custo.
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As técnicas utilizadas são quase inacreditáveis. Quebrar o dedo do pé, apertar os testículos, furar a pele com tachinhas. Outras, menos radicais, incluem apertar demais a cinta que prende as pernas à cadeira de rodas ou usar meias que pressionam os membros inferiores.
Há algum tempo, o Comitê Paraolímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês) e a Agência Mundial Antidoping (Wada) abriram os olhos para o boosting. A prática é proibida e considerada como doping, ainda que seja bem mais difícil de ser detectada do que a ingestão de um medicamento proibido.
"É difícil de controlar, o que coloca um real desafio aos procedimentos para monitorá-lo nos atletas", reconhece o relatório de um estudo sobre o tema, financiado em parte pelo IPC e pela Wada entre 2008 e 2009.
Em geral, surge uma desconfiança sobre algum atleta que motiva o controle de sua pressão arterial. Se a pressão sistólica estiver superior a 180mmHg e não cair instantes após o esforço físico, há o indício da prática do boosting. De acordo com o estudo mencionado, ela é mais comum do que se imagina. Dos atletas questionados na pesquisa, quase 17% responderam já ter feito uso do boosting em competições ou treinos.
Por provocar a elevação da pressão arterial, é tão ou mais perigoso quanto outras formas de doping. Há risco de derrame e hemorragia intracranial, entre outros problemas.
"Se o boosting não for controlado, alguém vai morrer", alertou um dos atletas entrevistados no estudo.
Ainda que as entidades ligadas ao paradesporto avisem sobre o perigo, há uma quantidade significativa de competidores que não sabem das possíveis consequências do boosting. O mesmo estudo verificou que 50% dos atletas veem pouco ou nenhum risco na prática.
– Eu nunca trabalhei com um atleta que tenha feito uso. A gente procura conscientizar, mostrar os riscos e prevenir. Um caso de doping, de qualquer natureza, traz um prejuízo enorme para a imagem do atleta e também do país que ele representa – destaca Roberto Vital, coordenador médico do Comitê Paraolímpico Brasileiro.