Isaquias Queiroz, com a prata no peito, disse o que todos os brasileiros comuns queriam dizer havia muito tempo. Questionado sobre sua origem humilde e sobre o fato de ter saído de um projeto social, o canoísta passou uma carraspana na elite política que briga com ferocidade pelo poder em Brasília neste momento do país. A resposta veio depois de respirar fundo:
– Essa medalha tem muito significado para mim, por ter começado em projeto social, sim. Mas também me traz tristeza pelo fato de isso ter acabado no Brasil. Se vocês puderem tirar foto (neste momento mostra a medalha) para mostrar a quem está no Planalto para que olhem mais para o Brasil e parem de brigar entre si – cobrou o canoísta.
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Sua pancada no estômago dos políticos prosseguiu:
– Os EUA são o exemplo de quanto o esporte é importante. O esporte pode mudar a vida de vários jovens. Mas para começar a mudança tem de ter incentivo de quem está no poder, no governo. Esse resultado, não só o meu como o da Rafaela (Silva) e de vários outros atletas menos favorecidos, ajudam a abrir os olhos da sociedade para que confie nos seus atletas.
Em seguida da resposta de Isaquias e antes de iniciar a tradução, a mestre de cerimônias da organização pediu, em inglês, que o foco das perguntas se mantivesse na competição do dia. Mas já era tarde. Isaquias havia mandado o recado aos políticos que todos os brasileiros ansiavam mandar. E o canoísta resume bem o que é o povo brasileiro. Negro, de origem humilde, filho de uma cozinheira, passou por toda espécie de dificuldades. O esporte serviu como tábua de salvação em Ubaitaba, no interior baiano.
Foi graças a um projeto social em que os remos eram feitos numa carpintaria partir de um modelo dos anos 1980 que o país ganhou um canoísta olímpico e uma medalha de prata. Por não cuidar de suas crianças e esperar que o destino faça delas vencedores, o Brasil precisava mesmo ouvir, no português claro e coloquial de Isaquias, a lição que levou nesta manhã de sol na Lagoa Rodrigo de Freitas.
*ZHESPORTES