Partiu dos pés do gaúcho Branco o gol da classificação brasileira diante da Holanda, nas quartas de final da Copa do Mundo de 1994. Romário e Bebeto colocaram o Brasil na frente. Bergkamp e Winter buscaram o empate. Coube ao lateral-esquerdo nascido em Bagé garantir a vitória em 9 de julho de 1994, no Cotton Bown, em Dallas, no Estados Unidos. O feito histórico ocorreu aos 36 minutos do segundo tempo: Brasil 3x2 Holanda.
"Titular da lateral esquerda nas duas últimas Copa dos Mundo, candidato a ser o jogador com mais partidas pela Seleção no Mundial, Branco voltou em grande forma, após quatro partidas de ausência por causa de dores lombares. Anulou o melhor ponteiro-direito do campeonato, o baixinho holandês Overmars. Motivou a equipe, com o seu jeito raçudo. E, de sobra, fez o gol da vitória, mostrando que uma das suas principais características técnicas ficou intacta neste mês de paralisação: o chute forte nas cobranças de falta. Foi substituído por Cafu nos últimos minutos porque estava cansado, e saiu provocativamente se despedindo dos holandeses."
Foi assim que o jornal Zero Hora definiu a atuação de Cláudio Ibraim Vaz Leal, em edição publicada dois dias depois da partida. "O gol salvador de Branco" era, inclusive, uma das manchetes do Caderno de Esportes que relembrou cada passo da conquista do Tetra, poucos dias depois.
Não mais com os 30 anos que tinha na época, mas com 60, Branco conversou com Zero Hora sobre as três décadas que hoje o separam do maior momento da carreira.
Da conversa com o piloto Ayrton Senna, antes do Mundial, à "profecia" entregue a Dorival Júnior, o treinador que deve comandar o Brasil na próxima Copa do Mundo, em 2026, sediada em três países, um deles, os mesmos Estados Unidos que tanto deram alegria a Branco. O ex-jogador e atual coordenador das seleções de base abre o coração e a memória na entrevista abaixo.
Quando vocês chegaram nos Estados Unidos, o Brasil estava completando 24 anos sem ganhar uma Copa do Mundo. Coincidentemente, o mesmo tempo de jejum vivido agora. Foi muito difícil lidar com aquela pressão?
Todo mundo que joga em grandes clubes e, principalmente, na Seleção, convive com a pressão, naturalmente. Naquela época, logicamente que sabíamos da responsabilidade de chegar ao título. Até porque eu, por exemplo, estava na terceira Copa do Mundo. Outros jogadores já tinham jogado duas. A responsabilidade era enorme. Ao mesmo tempo, o grupo era muito experiente. Tínhamos tido várias experiências em Eliminatórias, Copa América.
Foi um pacto que fizemos. Aquela desgraça, aquele acidente veio a ser fatal. Era um ídolo mundial. Aquilo ali eu acho que aumentou ainda mais a nossa responsabilidade de chegar ao título.
BRANCO
Sobre conversa com Ayrton Senna, em Paris
E teve um momento muito significativo. A gente tinha combinado com o Ayrton Senna, em Paris, naquele jogo contra a França (amistoso entre um combinado de Paris Saint-Germain/Bordeaux e Seleção Brasileira, no Parque dos Príncipes, na França, em 20 de abril de 1994, 10 dias antes da morte do piloto brasileiro). Ele deu o pontapé inicial no jogo. Combinamos que ele ia ser tetracampeão nas pistas e a gente, no campo.
Isso aí foi uma soma de várias situações, principalmente nessa responsabilidade de ser campeão no mundo. E, nessa questão do Ayrton, conseguimos homenagear ele depois da final contra a Itália.
Como foi essa conversa com o Ayrton Senna?
A gente falou com ele. Ele esteve com a gente. Foi uma pacto de fizemos. Aquela desgraça, aquele acidente veio a ser fatal. Era um ídolo mundial. Aquilo ali eu acho que aumentou ainda mais a nossa responsabilidade de chegar ao título.
Passados 30 anos, o que você guarda daquele jogo contra a Holanda e daquele gol de falta?
Os dois ou três segundos que a bola levou para sair de onde eu chutei até o gol foram o tempo para ressignificar toda a minha carreira dentro da Seleção Brasileira. Aquilo foi um prêmio para mim. A minha mãe tinha falecido em 1992, a Maria. E ela sempre dizia que um dia eu seria campeão do mundo.
Acho que Deus preparou aquele jogo para mim. Quem levou aquela bola foi o velhinho lá de cima. Até porque eu tive uma inflamação no nervo ciático, e o Parreira, o Lídio (Toledo, médico da Seleção), toda a comissão técnica, o Zagallo, confiaram em mim e eu dei o retorno no momento determinante. Talvez Brasil x Holanda tenha sido o jogo mais bonito tecnicamente dentro da Copa do Mundo.
Foi o maior momento da tua carreira?
Sem dúvida. Embora eu tenha feito outros gols, até mais bonitos, aquele foi o mais importante, marcou a história, não só a minha, mas do futebol brasileiro e mundial.
Aquela Seleção deixou algum legado para o futebol?
Quando você ganha, sempre fica uma parte muito positiva. O nosso time era muito competitivo. Quando teve a pandemia, passaram os nossos jogos na televisão. Muita gente não lembrava que o time era compacto, organizado e, acima de tudo, disciplinado. O Parreira falou para nós que, quem toma menos gols em Copa, normalmente bate campeão. A gente tomou três e fez 11. Aí chegamos na final, nos pênaltis. Inclusive, eu bati o terceiro pênalti.
O que passou na tua cabeça do meio do campo até a marca do pênalti?
Passa um filme. É um momento de muito desgaste físico. O jogo começou nos Estados Unidos ao meio-dia. Hoje, a Copa América está sendo jogada lá com um horário bem mais tarde e todo mundo está sentindo calor. Teve prorrogação, pênalti. A gente teve um equilíbrio emocional muito grande para chegar e conquistar a Copa do Mundo da maneira que foi.
O quê você pode deixar de conselho para a geração atual que também vive sob a pressão de 24 anos sem uma conquista de Copa do Mundo?
Essa geração é muito talentosa. Tem muitos jovens, mas já com experiência. Eles estão precocemente acostumados com esse tipo de pressão, até porque, pela qualidade deles, estão em um nível muito alto, em grandes clubes e grandes ligas. Acima de tudo, é se fechar e acreditar que vale a pena acreditar. A gente acreditou e conquistou. O futebol é coletivo, cara. Não se ganha com um ou dois, né? Se ganha coletivamente. Todo mundo é importante no processo.
Eu falei "você vai ganhar essa medalha, com as mesmas cores da fita, porque vai ser nos Estados Unidos a final".
BRANCO
Em conversa com Dorival Júnior
A gente sabia que o Romário e o Bebeto estavam em uma fase espetacular. A gente teve a habilidade de jogar para os dois. O espírito é esse. O futebol se igualou muito hoje, mas o Brasil, individualmente, consegue desarmar qualquer esquema tático de marcação. Sei porque a maioria deles trabalhou aqui comigo na base.
Outro dia, eu até falei para o Dorival. Eu levei a medalha de campeão do mundo, em um especial que foi gravado para a TV Globo. Ironia do destino. Eu falei "você vai ganhar essa medalha, com as mesmas cores da fita, porque vai ser nos Estados Unidos a final" (no estádio Metlife, na região de Nova York). E ele ficou todo emocionado. Encheu os olhos de lágrimas. É importante, fica marcado. Trinta anos depois, todo mundo lembra da gente. Por isso que vale a pena, sempre, se determinar e criar um espírito de grupo espetacular para chegar a uma conquista dessas, que muitos querem, né? E poucos conseguem.
Qual é a tua relação com o Rio Grande do Sul hoje em dia?
A minha relação é a mais próxima possível. Eu tenho casa em Bagé. Tenho meus irmãos aí no Sul. Minhas irmãs que moram em Sarandi. Os meus amigos de infância. Nunca vou deixar de estar próximo da minha terra. Tenho orgulho de ser de Bagé e gaúcho.
O Rio Grande do Sul é o Rio Grande do Sul, né? Passou por um momento difícil agora, mas tem um ditado que eu estava falando outro dia para o Rodrigo Caetano (coordenador geral de seleções) e o Cícero (gerente geral técnico das seleções masculinas): não está morto quem peleia. E a gente vai ser, se Deus quiser, dar uma levantada nessa recuperação do Estado.
Tenho que agradecer o Grêmio Bagé, de onde eu saí. Depois fui para o Guarany de Bagé, que abriu as portas do mundo para mim, junto com o Fluminense. É pura gratidão. Se eu não tivesse jogado no Guarany, no Campeonato Gaúcho, nunca que o Ivo Wortmann ia me colocar na seleção gaúcha. Aí o Fluminense me viu. O futebol foi muito rápido na minha vida.