A conquista da Copa do Mundo pelo Brasil, há 30 anos, marcou não só uma geração de jogadores, mas uma leva de jornalistas que pôde acompanhar de perto um título mundial do seu país natal. Em 1994, a Seleção completava 24 anos sem vencer a competição. A última vez havia ocorrido em 1970, no México, ainda sob a regência de Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino e outras estrelas.
A RBS enviou 27 profissionais aos "States". As narrações de Armindo Antônio Ranzolin, pela Rádio Gaúcha, chegaram a ouvintes de 358 emissoras de 22 Estados, um ensaio do que, mais tarde, se tornaria a Rede Gaúcha SAT. Além disso, foram mais de mil páginas esportivas com textos e fotos publicadas em Zero Hora, no Diário Catarinense e nos demais jornais que à época pertenciam ao Grupo.
O ambiental
Apesar de ocorrer em solo estranho para o futebol — os esportes mais populares para os norte-americanos são o futebol americano, o basquete e o beisebol — a Copa dos Estados Unidos teve o maior público já registrado em mundiais: 3.568.567 torcedores, à frente da Copa de 2014, no Brasil, que teve 3.441.450 presentes, no total. Contudo, quem estava nos locais dos jogos observou um clima diferente do que se tinha em outros Mundiais.
— Fora dos estádios, vida normal, vida que segue. Não se tinha clima de Copa, exceto naqueles lugares onde, de repente, aparecia um grupo de torcedores do Brasil, como na cidade de Los Gatos, que era perto da concentração brasileira em São Francisco. Mas, para os americanos em si, a Copa passava como algo distante. Os estádios eram uma ilha de futebol cercada pela desatenção dos americanos — lembra o jornalista Antônio Carlos Macedo, um dos repórteres que acompanhava a Seleção Brasileira.
Momento decisivo
O tetracampeonato se definiu nos pênaltis. Em 17 de julho daquele ano, após o empate sem gols no tempo normal. Romário, Branco e Dunga converteram para o Brasil, enquanto Baresi, Massaro e Baggio desperdiçaram para a Itália. A conquista foi a redenção para um grupo de jogadores que convivia com a pressão de mais de duas décadas em que o chamado país do futebol não se afirmava como tal.
"Se o cara (Dunga) errar esse pênalti e o Brasil perder a Copa, o mundo vai cair em cima dele. Felizmente, ele fez o gol. Felizmente, o Brasil foi campeão."
PEDRO ERNESTO DENARDIN
Repórter da Rádio Gaúcha nos Estados Unidos
Tanto para Antônio Carlos Macedo, quanto para Pedro Ernesto Denardin, repórteres que viviam o dia a dia da Seleção, a sensação de que algo bom estava por vir surgiu nas quartas de final. Quando o duelo com a Holanda se encaminhava para a prorrogação, em 2 a 2 de alta qualidade técnica de ambas as equipes, o lateral-esquerdo gaúcho Branco, de falta, fez o terceiro e colocou o time de Carlos Alberto Parreira na fase seguinte.
— Foi em Dallas, no Texas. Eu acho que ali foi o momento mais importante porque foi o jogo mais difícil que o Brasil teve. A Holanda tinha um baita time, e o Brasil achou aquele gol com o Branco. Ali começou a se encaminhar o título, na maior dificuldade — comenta Pedro Ernesto Denardin, que, naquela Copa, se dividiu entre a reportagem da Seleção e a narração de jogos de outros países.
Pressão
Os jornalistas que acompanhavam o Brasil podiam sentir o peso da pressão pelo título. Os fracassos que se acumulavam desde 1974 e culminaram na queda precoce nas oitavas de final em 1990, diante do maior rival, a Argentina, martelavam na cabeça dos atletas.
"O Romário, birrento, com as atitudes dele, não treinava pênaltis. Aí vem a final e quem se apresenta para bater? O Romário."
ANTÔNIO CARLOS MACEDO
Repórter da Rádio Gaúcha nos Estados Unidos
Como se não bastasse a cobrança que emanava do Brasil, nos Estados Unidos, pela primeira vez uma Copa do Mundo foi decidida nos pênaltis. Pedro Ernesto Denardin recorda do nervosismo ao acompanhar as cobranças no Rose Bowl, em Pasadena, na Califórnia.
— Te confesso que fiquei mais nervoso ainda quando o Dunga foi para a bola (na cobrança do quarto pênalti para o Brasil). Se o cara errar esse pênalti e o Brasil perder a Copa, o mundo vai cair em cima dele. Felizmente, ele fez o gol. Felizmente, o Brasil foi campeão — conta o narrador e então repórter da Rádio Gáucha.
Antônio Carlos Macedo ainda reforça a importância de Romário para a campanha. O jogador, que por um atrito com a comissão técnica, quase ficou de fora e voltou a ser convocado somente no último jogo das Eliminatórias, contra o Uruguai, foi decisivo no Mundial. O baixinho, contudo, era um personagem com peculiaridades que quem estava na beira no campo, como Macedo, não consegue esquecer.
— O Parreira, ainda nas fase classificatória, mas principalmente depois, quando vieram os jogos eliminatórios, treina cobrança de pênaltis, com o grupo todo, antes das partidas. O Romário, birrento, com as atitudes dele, não treinava pênaltis. Aí vem a final e quem se apresenta para bater? O Romário. Foi gol, mas daquele jeito, né. Cobrou com o pé direito, a bola bate na trave direita e vai para o fundo da rede. Tinha tudo para errar, mas a sorte estava do lado do Baixinho, que foi o nosso melhor jogador e o fiel da balança naquela Copa do Mundo — descreve.
Despedida
A transmissão de Brasil e Itália na final da Copa do Mundo teve um significado mais do que especial para o comentarista Lauro Quadros. O jornalista, que esteve no Chile para a cobertura do Mundial de 1962, despediu-se das jornadas esportivas naquele jogo, quando esteve em uma das bancadas de rádio do Rose Bowl ao lado do narrador Armindo Antônio Ranzolin e do também comentarista Ruy Carlos Ostermann.
Atualmente com 84 anos e curtindo a aposentadoria, Lauro Quadros seguiu na Rádio Gaúcha até 2014, na apresentação do programa Polêmica e como debatedor do Sala de Redação. Na Copa do Mundo do Brasil, fez participações especiais nos comentários de jogos sediados no Beira-Rio, em Porto Alegre.
— Eu já fazia o Polêmica, o Sala de Redação, mas eu tinha que ter um fim de semana com a família. Eu comecei na profissão em 1959, já eram 35 anos sem fim de semana. Então, me despedi em 1994. Fui bicampeão, em 1962 e 1994, porque em 1958 eu ainda não estava no rádio — explica o comunicador.
Em coluna intitulada "Justiça" e publicada no jornal Zero Hora, Lauro Quadros descreveu assim o título do Brasil:
"Uma decisão por pênaltis na final não é o que se pode desejar. Menos mal que as penalidades máximas decidiram a favor do melhor retrospecto da Copa. O tetra é do Brasil, único invito do Mundial 94.
A Itália começou mal, derrotada pela Irlanda. Melhorou ao longo do torneio, como em 1982. Desta vez, porém, a final foi contra uma equipe superior, sem os astros da Espanha, mas com uma vontade e um sentido de união que nenhuma outra força poderia bater. Foi, também, uma resposta ao que os italianos nos fizeram em Barcelona, 12 anos atrás".
No encerramento de uma fase da carreira, o jornalista, que entrou para a história da crônica esportiva brasileira, completou:
"O ciclo alemão terminou. Os campeões de 1990 foram melancolicamente eliminados pela Bulgária. Quem sabe começa, agora, o ciclo brasileiro, tantos são os jovens experientes no atual grupo de jogadores tetracampeões do Brasil. Ao final da festa, no Rose Bowl Stadium, soou a Marselhesa, antecipando o Mundial de 1998 na França. Se lá eu estiver, não será como comentarista de jornadas esportivas das quais eu me despedi nesta Copa. Comecei com o bi no Chile e encerrei com o tetra nos EUA. Maravilha".