Daria para escolher um bom apartamento em Paris. Ou uma Ferrari híbrida. Talvez um iate com quatro suítes para passear por Mônaco. Com um milhão de euros dá pra fazer muita coisa. No caso de Daniel Alves, compra a liberdade e, de brinde, um soco no estômago de quem achava que a justiça tinha sido feita quando, há poucas semanas, ele foi condenado por estupro em Barcelona. As leis espanholas endureceram nos últimos anos para proteger a mulher, afinal de contas, mas a brecha do dinheiro foi mantida. Está previsto na legislação, eu sei, mas como não se indignar?
No Brasil, nessa mesma semana, o ex-jogador Robinho foi preso, cumprindo enfim a pena a qual foi sentenciado na Itália. À primeira vista os dois têm algo muito simples em comum: homens com talento na sua área de atuação e que abreviaram seu sucesso por causa de abusos sexuais. É muito mais do que isso. O que eles estragaram não foi a vida deles, e sim de suas vítimas. Eles não são pouco instruídos e não tem chance de não saberem o que estavam fazendo. São criminosos, mas do tipo que têm dinheiro ou uma rede de amigos que pode ajudá-los a conseguir.
Só uma mulher entende o que é o medo de um abuso, mas esse assunto não pode ser exclusividade nossa, ao contrário. Não pode ser tabu e não é pontual ou mimimi. O Ipea estima que o Brasil tenha dois casos de estupro por minuto. Digo estima porque nem todos os casos são registrados. Aliás, a maioria não é, por vários motivos. Se você levar cinco minutos para ler esse texto, 10 meninas e mulheres terão sido abusadas sexualmente ao final da sua leitura. A maioria das vítimas tem menos de 13 anos de idade. Crescerão com o trauma de terem sido tocadas sem nem saber o que aquilo significava.
É nojento, é repugnante, e enquanto isso o silêncio do mundo do futebol é ensurdecedor. Atitudes como a de Daniel Alves e Robinho, para citar somente os casos em voga, precisam ser condenadas publicamente. Os personagens desse meio costumam ser admirados e respeitados. Os que têm a noção do que significa ser ídolo têm obrigação de falar sobre esses casos e de como combater esse tipo de crime.
A impunidade é real e o sofrimento das vítimas é inimaginável, mas parece que tudo tem seu preço e está à venda quando um homem condenado é solto. A paz de uma mulher abusada, no entanto, não se compra, infelizmente, nem por um milhão de euros.