Autoridade máxima do futebol espanhol há cinco anos, o ex-jogador Luis Rubiales, 45 anos, garante que a Espanha não é um país racista. E assegura que gostaria de fazer mais para impedir os casos de injúria racial que atormentaram o brasileiro Vinicius Junior nesta temporada.
Em entrevista exclusiva a GZH, nesta terça-feira (13), em Madrid, o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) alegou que a burocracia judicial do país impede a entidade de punir com o rigor necessário os clubes cujas torcidas praticam este crime.
— No futebol espanhol, nós temos diversos conflitos de competência e conflitos jurisdicionais para punir o racismo nos estádios. No passado, quando nós tentamos punir clubes com interdição de estádio, perda de mando de campo ou determinar jogos com portões fechados, os clubes sempre recorreram à Justiça, e aí os órgãos do Estado sempre tiram a competência da Federação para punir — reclama.
Rubiales atendeu a reportagem na sede da federação minutos depois de, ao lado do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, apresentar de forma oficial o amistoso entre Brasil e Espanha, que será realizado em março de 2024, no Estádio Santiago Bernabeu, ainda sem data definida. A partida terá o objetivo de enviar ao mundo uma mensagem de combate à discriminação racial.
— Juntos, Brasil e Espanha dirão: "chega de racismo" — diz Rubiales.
Em uma entrevista de 10 minutos, em uma sala anexa ao auditório onde esteve ao lado do presidente da CBF, Rubiales salientou que episódios de injúria racial também ocorrem em outros países. Ele afirmou que é impossível para a entidade controlar o comportamento de todos os torcedores.
Porém, o presidente da RFEF aposta na nova Lei Geral do Esporte, aprovada em dezembro de 2022 na Espanha, para que a federação espanhola de futebol tenha a competência para punir com rigor os racistas no futebol, definidos por ele como "vermes".
— Esta lei (aprovada em dezembro de 2022) mudará totalmente este cenário e dará à federação o poder de punir. O que precisamos é que essa lei seja regulamentada e entre em vigor o quanto antes. Aí teremos o poder para atuar com toda a força necessária contra o racismo. E, quando isso ocorrer, nós iremos punir. Essa pessoas são vermes indesejáveis, que não têm que estar na sociedade — finaliza.
Confira a íntegra da entrevista exclusiva de GZH com Luis Rubiales:
Você tem ideia de por que Vinicius Junior sofreu tantos insultos raciais nesta temporada?
Não há justificativa para atos de racismo. Por isso, não me importa por que eles insultaram o Vinicius. Até porque, realmente, não há um por quê. Não há justificativa nenhuma para alguém insultar ninguém, muito menos com insultos racistas. Portanto, não há razão. O que temos de fazer é trabalhar e buscar termos as armas suficientes para punir os racistas.
Por que a Real Federação Espanhola de Futebol não tem, hoje, armas suficientes para punir os tantos casos de injúria racial que ocorreram contra o Vinicius Junior?
O que acontece é o seguinte. No futebol espanhol, nós temos diversos conflitos de competência e jurisdicionais para punir o racismo nos estádios. No passado, quando tentamos punir os clubes com interdição de estádio, perda de mando de campo ou determinar jogos com portões fechadas, os clubes sempre recorreram à Justiça. E aí os órgãos do Estado sempre tiram as competências da federação para punir os clubes. Mas agora (em dezembro de 2022) foi aprovada uma lei (a nova Lei Geral do Esporte da Espanha) que mudará totalmente este cenário e dará à federação o poder de punir.
O que precisamos é que essa lei seja regulamentada e entre em vigor o quanto antes. Aí teremos o poder para atuar com toda a força necessária contra o racismo. E, quando isso ocorrer, nós não iremos perguntar por que os autores dos insultos racistas insultam os jogadores negros. Nós iremos punir. Essas pessoas não tem um porquê. Essas pessoas são vermes indesejáveis, que não têm que estar na sociedade.
Dentro das possibilidades atuais da federação, o que a entidade fez para combater o racismo nos estádios?
A federação desenvolve, não agora, mas desde antes vários programas desde o nível infantil e de categorias de base. Temos o Observatório da Igualdade, que está focado em acabar com qualquer violência, seja de caráter racial, sexual, de religião ou de gênero. Estamos trabalhando nisso há muito tempo. Acredito que, sobretudo na base, melhorou muito. Mas é impossível muitas vezes evitar que um ser indesejável, violento e sem escrúpulos tome esse tipo de atitude racista. O que a federação faz? A federação pune da forma que é cabível. Temos um órgão atuante. Mas, como te falei, temos conflitos jurisdicionais que nos tiram o poder de punir estes casos com o rigor necessário.
Há a garantia de que a entrada em vigor desta lei vai mudar a realidade do combate ao racismo no futebol espanhol?
A nova lei confere 100% do poder sancionador à Real Federação Espanhola de Futebol. Então, teremos um tribunal, de onde será possível recorrer a um outro tribunal dentro da própria federação, sem ir para a Justiça comum. Logo, ficará tudo no âmbito esportivo, com as punições ocorrendo de forma bem mais ágil e rápida do que é hoje.
E quando isso será possível?
Quando a lei for regulamentada e tiver entrado em vigor. A aprovação foi recente, e ainda estamos no trâmite da regulamentação. Ainda não sabemos quando isso vai ocorrer. Mas estamos muito contentes com esta troca nas normas que nos darão plena capacidade de atuação contra o racismo.
Independentemente das leis e das normas, não te parece que o futebol espanhol debate pouco o racismo? Debater mais este tema não ajudaria a combater o problema?
Não é fácil erradicar 100% isso. No mundo inteiro há seres indesejáveis e inescrupulosos. E por isso é importante que se imponha todas as barreiras possíveis, que a gente diga um basta e que atuemos com mais força contra o racismo. Brasil e Espanha são países com uma filosofia de vida onde todos gostam de se divertir, todos têm alegria e todos são muito bem acolhidos. Mas, infelizmente, nos dois países há gente que têm problemas de educação e de violência.
Como foi a ideia de convidar a Seleção Brasileira para um amistoso contra o racismo?
A Real Federação Espanhola de Futebol convidou a Confederação Brasileira de Futebol para para que juntos, Brasil e Espanha, possam dizer "chega de racismo". Será uma imagem que percorrerá o mundo. O futebol está aí para alegrar nossas vidas, para curtirmos, para animar nossas torcidas e para que haja uma rivalidade sadia dentro do campo.
Estou convencido de que, além do jogo, faremos uma série de atividades em torno deste encontro. Haverá palestras com pessoas importantes do esporte, do meio jurídico, da política e da cultura. E esses são alguns dos passos que temos que dar. Estamos realmente unidos nisso, porque Brasil e Espanha são muito unidos, as federações são muito unidas e este é o primeiro passo de muitos. Mas já estamos fazendo um trabalho há algum tempo no combate à discriminação.
O Vinicius Junior fez críticas muito fortes ao futebol espanhol e disse que os brasileiros têm a ideia hoje de que a Espanha é "um país de racistas". Que recado você daria ao Vini Jr. e aos brasileiros que eventualmente possam ter essa ideia hoje sobre os espanhóis?
Já joguei com dezenas de brasileiros que são meus amigos, ainda tenho contato com eles, alguns ficaram aqui na Espanha e outros estão no Brasil ou em outros países e eles sabem como nós espanhóis somos. Acho que é um erro dizer que o futebol espanhol é racista. Eu acredito que racistas são determinadas pessoas que usam o futebol para promover ódio.
No futebol espanhol, tanto nos clubes como nas seleções, há pessoas de todas as cores. Todos se consideram irmãos, se abraçam e se beijam nos momentos de máxima alegria. E digo a vocês que, neste sentido, a única coisa que podemos fazer é abrir as portas do nosso país como sempre fazemos. A Espanha é um país maravilhoso. Tenho muito orgulho de ser espanhol. E o meu orgulho é do mesmo tamanho da raiva que sinto desses seres indesejáveis, que mancham o nosso país. E, infelizmente, isso há também no Brasil.
Também já vi atitudes de alguns torcedores de futebol no Brasil que insultaram um jogador por causa da cor da pele. E isso é o futebol brasileiro? Não. O futebol brasileiro não é racista. O futebol brasileiro é maravilhoso, é um futebol espetacular, o melhor dos melhores do mundo. Mas há alguns seres indesejáveis que se dizem torcedores e que mancham o futebol brasileiro. Assim como, infelizmente, acontece aqui na Espanha.