Na beira do gramado, Erick Pérez grita comandos misturando o espanhol e o português que se esforça para aprender. O treinador mexicano chegou no início do ano para treinar o Soldiers, time de futebol americano de Santa Maria. No domingo (12), fez a estreia na vitória do time diante do Canoas Bulls por 49 a 7, pelo Gauchão da modalidade. Nascido e criado em Cancún, trocou as paisagens caribenhas para ajudar a desenvolver o esporte em solo gaúcho.
— O que eu mais sinto falta é da praia. De onde eu vim, tinha muita — revela Pérez, que também é surfista nas horas vagas.
Não são só as praias que diferem a cidade mexicana de Santa Maria. Por lá, o futebol americano é o esporte popular. As crianças aprendem na escola, praticam nos parques aos finais de semana e os pais incentivam os filhos a seguir nesta carreira. Semelhante ao que é o futebol por aqui (o soccer deles). A influência dos Estados Unidos é tão forte que há também um sistema que dá bolsas para os jovens praticarem o esporte nas universidades.
— Comecei aos sete anos. Meu pai era treinador, meu irmão também jogou. Aprendi em casa e depois consegui ir para a universidade — conta o treinador de 32 anos.
No caso de Pérez, o futebol americano rendeu uma bolsa para estudar Comunicação e, depois, o sustento jogando como quarterback no próprio México e, mais tarde, em Barcelona, na Espanha.
Com 25 anos de experiência, desembarcou no Rio Grande do Sul. Veio por indicação de um amigo, que treina outra equipe no Brasil. Entre os times que conheceu, gostou do projeto de Santa Maria. Aqui, recebe um salário e moradia pelo time. Além disso, trabalha como social media, à distância, para algumas empresas de Cancún.
— Se quisesse, dava para viver só do futebol americano. Uma vida normal, sem luxos, mas dava.
Esporte amador
Remuneração no futebol americano local, porém, é exceção. No próprio Soldiers, Pérez é o único que recebe pelo trabalho. O esporte é amador e, em geral, é comum até mesmo os atletas pagarem para jogar. Eles compram os equipamentos, todos importados, racham os valores de viagens e precisam pintar os campos em dias de partidas.
Eletromecânico de formação, Henrique Lemos, 35 anos, divide a rotina do trabalho com o futebol americano. Em dias de treinos ou jogos, pega as chuteiras, o helmet, o shoulder e a camisa do time e parte de Porto Alegre, onde vive, rumo a Canoas, cidade do Bulls, o time em que joga. Como os treinos acontecem sempre à noite ou aos finais de semana, não encontra problema em conciliar.
— Tem muita gente que deixa de passar o final de semana com a família para treinar e jogar. Viaja domingo para os campeonatos, chega tarde da noite em casa e, na segunda-feira, tem que trabalhar cedo — pondera.
Já são mais de 10 anos nesta rotina. O primeiro contato que teve com o esporte que só conhecia do videogame e da NFL foi em 2009. Lemos estava no Exército e foi apresentado ao time por um colega. Desde então, não saiu mais do time:
— Parece loucura tudo isso que passamos, mas é a paixão pelo futebol americano.
Lemos joga de linebacker, uma posição de defesa. No jogo de domingo contra o Soldiers, saiu lesionado ainda no primeiro quarto de jogo. Depois de um tackle, sentiu o joelho "bambo" ao firmar o pé no chão. Como já passou por uma cirurgia no local, preferiu ficar de fora do restante do jogo. Nesta semana vai procurar o médico — tudo por conta dele.
De beisebol para o futebol americano
Sem uma estrutura profissional por trás dos clubes, a realidade é que cada atleta é um verdadeiro faz-tudo. Jogador de linha ofensiva do Bulls, Winston Ponce é também da diretoria, organiza os jogos, pinta o gramado, recolhe a estrutura, alcança água para os companheiros e tudo mais o que precisar.
— A gente precisa se virar.
O sotaque carregado revela que Ponce também não é brasileiro. O português, porém, é fluente. Já são mais de 20 anos vivendo em Porto Alegre depois de deixar a Venezuela. Veio para o Rio Grande do Sul para estudar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Começou na Engenharia Civil e, depois, foi parar na Computação. Atualmente cursa Mestrado na área e trabalha em uma empresa de telecomunicação.
Conheceu o futebol americano quando já estava no Brasil. E a história é curiosa: Ponce procurava algum time para praticar beisebol no Rio Grande do Sul. Não encontrou, mas descobriu o futebol americano com o Bulls.
— Na Venezuela, o beisebol é o esporte mais popular do país. Não tem tanto futebol, vôlei, basquete…
Os fundamentos que aprendeu com o futebol americano, Winston agora passa para as crianças. O Bulls tem um projeto de levar o esporte para escolas públicas de Canoas. Eles ensinam a fazer passes, receber a bola e o jeito correto de derrubar o adversário, na esperança de despertar o interesse nas crianças.
O que Pérez, Lemos e Ponce têm em comum, cada um com a sua experiência de vida distinta, é o desejo de que o futebol americano ganhe mais espaço no país do futebol.