Nos cinco Mundiais ganhos pelos Brasil, sempre houve a presença marcante de negros em campo. A genialidade de Pelé em 1958. A habilidade de Garrincha em 1962. A eficiência de Everaldo em 1970. O faro artilheiro de Romário em 1994. A magia de Ronaldinho Gaúcho em 2002. Os cinco são os personagens deste ano da série Nossa Voz, projeto do Grupo RBS que tem como objetivo ampliar o combate contra o racismo. O personagem desta sexta-feira (18) é Romário.
Romário se transformou em uma das figuras mais icônicas do futebol brasileiro. Foi referência para uma geração. Prova disso está no número de crianças batizadas em sua homenagem. Quando ele nasceu, nos anos 1960, o camisa 11 da campanha do Tetra na Copa do Mundo de 1994 tinha 1.840 homônimos, de acordo com dados do IBGE. Três décadas depois, no ápice de sua idolatria, 39.749 bebês foram nomeados em referência ao Baixinho. Na virada do milênio, somente 3.601 recém-nascidos foram registrados com a mesma alcunha.
O salto e o declínio no número de Romários espalhados pelo Brasil evidenciam a sua representatividade perante o público em geral, mas principalmente o negro. O título no Mundial dos Estados Unidos encerrou uma sequência de cinco edições que terminaram em decepção. Mais uma vez, uma das figuras centrais da conquista foi um atleta negro. Foram cinco gols que aliaram genialidade, posicionamento e técnica.
Aquela, na prática, foi sua única Copa. Em 1990, se recuperava de lesão e jogou apenas uma vez. Em 1998, foi cortado por problemas físicos. Quatro anos depois, foi preterido por Felipão.
Aqueles dias em solo americano o transformaram em um exemplo para as crianças. O Brasil vivia um período de poucos ídolos nacionais no futebol. A consolidação do Baixinho como expoente técnico da Seleção Brasileira e, em seguida, como melhor jogador do mundo voltaram a colocar um negro em posição de destaque na sociedade.
— Ele foi muito importante pela questão da representatividade. O Romário foi um exemplo seguido por diversos outros meninos. Vivia-se um período muito grande sem expoentes negros. A maioria dos expoentes que existia era jogadores. O Romário era uma pessoa que ficava no imaginário dos meninos pretos — avalia Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
Além da qualidade para marcar gols, mais de mil nas suas contas, Romário era diferente fora de campo. Falava o que pensava e se manteve ligado às suas origens — suas peripécias para passar o carnaval no Rio de Janeiro são conhecidas.
As glórias nos gramados ficaram para a eternidade. Aposentado, trocou as chuteiras pelo terno, sapato e gravata. Assim como na carreira de jogador, saiu do óbvio. Romário, agora, se dedica à vida política, como senador pelo PL. Em janeiro, ele iniciará o seu segundo mandato.
— Ele vai acabar, de novo, sendo exemplo para a comunidade negra, pela representatividade das pessoas negras em outros espaços. Agora, estamos olhando para o Romário como político Ele sempre esteve ligado às suas raízes. Muitas vezes elas são esquecidas com o dinheiro e a fama — explica Carvalho.
No Senado, o ídolo tem levantado a bandeira antirracista. No ano passado, a Casa aprovou um projeto de lei, de autoria de Paulo Paim (PT-RS), que tipifica a injúria racial como crime de racismo. O ex-jogador foi o relator do documento aprovado em novembro de 2021. O projeto foi enviado ao Congresso, onde ainda tramita.
— Ao negro coube, como quase sempre, o posto de subalterno do branco, objeto de piada e de ofensas. Que raio de democracia racial é essa, pelo amor de Deus? — indagou o ex-jogador em seu discurso.
Assim como o crescimento no registro de Romários nos anos 1990, outros números, esses bem mais alarmantes, também estão em alta. Seu pronunciamento se apoiou em dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020. O estudo aponta que entre 2018 e 2019 o registro de crimes raciais em território brasileiro aumentou 24,3%, chegando ao total de 11.467 casos.
— O racismo está no dia a dia, no mundo todo. No Brasil, especificamente, enquanto não houver leis que sejam aplicadas para quem comete esse tipo de crime, pouca coisa vai mudar — destacou o ex-atacante em entrevista ao ge.globo, em 2021.
Como ilustração da afirmação de Romário, na semana passada, a Justiça definiu em R$ 15 mil a indenização que o zagueiro Sandro, do Brusque, tem direito a receber por ter sido vítima de injúria racial na partida contra o Brasil-Pel, pela Série B do Brasileirão. Responsável pela sentença, o juiz Frederico Andrade Siegel considerou que o torcedor xavante acusado de racismo extrapolou a liberdade de torcer.
Assim como nos campos, Romário está no ataque na luta antirracista.