Há 20 anos, Ronaldo balançava as redes de Oliver Kahn em duas oportunidades, o Brasil vencia a Alemanha por 2 a 0 e sagrava-se pentacampeão mundial. Obviamente, o futebol mudou muito desde então. Contudo, ao contrário de todos os jogadores que já encerraram suas carreiras, o técnico Luiz Felipe Scolari segue em atividade na elite do futebol brasileiro, agora no comando do Athletico-PR.
Embora faça bastante tempo, porém, as lembranças do Penta ainda estão bastante marcadas na memória de Felipão. Em entrevista coletiva comemorativa dos 20 anos da conquista, ele recordou momentos decisivos na dramática reta final das Eliminatórias, da preparação para Copa e a condução da equipe na Coréia do Sul e no Japão.
Artilheiro da Copa do Mundo de 2002, com oito gols, Ronaldo foi a principal figura daquela conquista da Seleção Brasileira. O "Fenômeno" superou o trauma da convulsão antes da final da Copa de 1998, duas cirurgias no joelho e uma série de problemas físicos durante aquele ciclo de quatro anos. Para Felipão, uma conversa com o argentino Héctor Cúper, técnico da Internazionale, foi definitiva para a escolha por convocar Ronaldo.
— Quem tem muito mérito na recuperação do Ronaldo não sou eu, mas as pessoas que estavam comigo e nos ajudaram. Quando começamos a pensar nele, falamos com o doutor Runco, com o Paulo Paixão e nosso fisiologista da época. Depois conversamos como o Héctor Cúper, técnico da Inter, que nos liberou um mês antes. Segundo ele, com 60% das condições, ele poderia nos dar a Copa, pois era um jogador fantástico — revelou Felipão, detalhando também a preparação mental do artilheiro do Mundial:
— Depois iniciamos o processo de convencer o Ronaldo de que ele poderia voltar a jogar pela Seleção. Esse trabalho envolveu o preparador Chiquinho, que trabalhou com ele no Rio. Ele aceitou uma série de detalhes que foram impostos pela comissão e nutrição e se preparou mentalmente. Por isso tivemos um Ronaldo muito bem na Copa, com ambiente tranquilo para ele. São situações em que o Seleção não vence sozinha, vence um grupo todo.
O novo esquema
No ano anterior, 2001, o esquema 3-5-2 foi o grande vencedor do futebol brasileiro. Primeiro com o Grêmio, de Tite, campeão da Copa do Brasil, em formação que favorecia o jogo do meio-campista Tinga e dos alas Anderson Lima e Rubens Cardoso. No final daquele ano, o vitorioso foi o Athletico-PR de Geninho, também usando o 3-5-2 para conquistar o Brasileirão. Naquele time, os meias Kleberson e Adriano Gabiru tinham liberdade para armar, contando com a sustentação os três zagueiros e os dois alas.
Além dos times brasileiros, a Argentina de Marcelo Bielsa, primeira colocada nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, utilizava formação semelhante, 0 3-4-3. Aproveitando a tendência, Felipão adotou o esquema para encaixar seus principais jogadores.
— Mudamos peças no decorrer do caminho e formatamos o sistema com três zagueiros na Espanha (a preparação para a Copa foi feita em Barcelona). Lembram que, em 2001, o Athletico-PR foi campeão brasileiro, com o Geninho, atuando com três zagueiros? Ele tinha sido meu jogador no Juventude e tinha uma amizade muito grande. Então liguei, perguntei como fazer e ele me explicou — lembra Scolari, detalhando os motivos da escolha:
— A ideia era aproveitar as características de Cafu e Roberto Carlos, tendo segurança defensiva e saída de bola forte. Tive de colocar esse sistema em funcionamento e todos que estavam ali participavam bem com as características que possuíam. Conseguimos mostrar para os jogadores que poderíamos jogar daquela forma, não demos sorte.
Pressão
Campeão da Copa Sul-Minas pelo Cruzeiro, Luiz Felipe assumiu a Seleção Brasileira em 2001, um ano antes da Copa do Mundo, em um momento conturbado. O time vinha de uma decepcionante Copa das Confederações — quarto lugar, com apenas uma vitória sobre Camarões, empates com Canadá e Japão e derrota para Austrália —, e um ruim desempenho também nas Eliminatórias, com sérios riscos de não se classificar para o Mundial.
Sua primeira missão foi frustrante. A Copa América da Colômbia começou com problemas já no embarque, quando Mauro Silva se negou a viajar por receio do ambiente violento no país-sede, que vivia em conflito com guerrilhas e narcotráfico. A eliminação para a inexpressiva Honduras foi o suficiente para dobrar a pressão de Felipão por resultados imediatos nas Eliminatórias.
Na época, sem a segurança de que poderia ter um bom desempenho na Copa do Mundo, Felipão chegou a revelar a alguns jornalistas nos bastidores que gostaria de classificar o Brasil para o Mundial do Japão e Coréia do Sul e deixar o cargo.
— O meu pensamento era classificar a Seleção e sair. Achava que teria feito o meu papel. Mas depois, convivendo com as pessoas, eu vi que a chance de montar um grupo campeão era muito boa. Mudei de opinião quando nós perdemos na Bolívia, e o Marcos tomou um gol do meio-campo. Chegando no Rio de Janeiro, o grupo afirmou que eu poderia confiar neles, e eu confiei. No Maranhão, vencemos a Venezuela e nos classificamos. E aí começamos uma nova fase de trabalho que me deu confiança — comentou Felipão.
Campeão mundial com a Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari abriu as portas na Europa. Após a Copa, ele comandou o Brasil em um amistoso comemorativo contra o Paraguai, em agosto, e depois assinou com a seleção de Portugal. Na sequência, comandou os ingleses do Chelsea e o Bonyodkor, do Uzbequistão. O retorno ao país natal ocorreu apenas em 2010 para comandar o Palmeiras.