GZH teve acesso com exclusividade a um novo depoimento da oitiva audiovisual realizada em 18 de maio, quando a Corregedoria da Brigada Militar e o Ministério Público se deslocaram a Pelotas para ouvir testemunhas do Caso Rai Duarte - que completa um mês nesta quarta-feira (1º). O relato de um dos torcedores do Brasil-Pel, que prefere não se identificar, acusa policiais de ameaças de morte e chute no rosto.
— Fui um dos mais ameaçados verbalmente. Diziam que iriam a Pelotas e que, se tivessem que me apagar, me apagariam. Muita pressão: "Se tu falares algo em Pelotas, nós vamos te matar", diziam. Também falavam: "Vamos te enxertar na vila tal". Fiquei muito assustado. Fiquei com medo de sofrer retaliações — afirmou o torcedor na oitiva.
Doze torcedores do Brasil-Pel foram detidos pela Brigada Militar após uma briga entre a torcida Xavante e a do São José no Estádio Passo D'Areia, em 1º de maio. Entre eles estava Rai Duarte que, desde então, está internado em estado grave na UTI do Hospital Cristo Redentor, sob sedação e ventilação mecânica. Testemunhas afirmam que ele teria sido agredido por PMs em um espaço dentro do estádio, assim como os demais presos.
No primeiro depoimento revelado, um torcedor relatou perda de audição e rosto queimado por gás de pimenta. O torcedor, cujo o nome também será mantido em sigilo, afirmou que, enquanto estava deitado no chão durante a abordagem, teria recebido um chute no rosto. Durante a perícia médica, disse que teria se sentido pressionado pelos PMs a mentir sobre seu estado de saúde.
— De cara no chão, uma hora eu virei meu rosto, pois tinha uma pedra. Acharam que eu estava espiando algo. Nessa hora, eu levei um chute no rosto e fiquei um tempo sem enxergar bem. (Gás de) Pimenta e depois um chute — relatou um torcedor no inquérito, explicando sua versão sobre o momento do atendimento médico:
— As enfermeiras perguntavam o que tinha acontecido. E eles (policiais) chegavam perto e nos amedrontavam. Com medo, eu disse que caí e bati o rosto na arquibancada. E aí me perguntaram: "Por que tu estás de máscara?". Eu respondi: "Não sei, acho que por causa do hospital". Elas tiraram e viram que meu rosto estava pisoteado.
Dentro do estádio
Enquanto 11 torcedores foram detidos ainda na arquibancada do estádio, Rai Duarte — que está internado em Porto Alegre há um mês devido a uma lesão no intestino — foi retirado por dois policiais da Brigada Militar de um ônibus de excursão que estava próximo ao Passo D'Areia e voltaria para a Zona Sul do Estado. A cena foi registrada por um dos passageiros. Policial temporário no passado, Duarte teria sido chamado de "ex-colega" e alvo de maior violência, segundo a testemunha.
— O Rai chegou depois. Foram ver o nome dele e voltaram mais agressivos. Um deles disse "esse imundícia tem o mesmo sobrenome que eu". E aí o foco foi nele. Parecia ser o comandante. Era o mais alterado deles — afirmou o torcedor no depoimento, detalhando sua versão sobre os momentos de tensão vividos:
— Um dos nossos caiu e perguntaram: "tu é guriazinha?". Quanto mais tu reclamava, mais tu apanhava. Depois mandaram a gente abrir a boca e colocaram gás de pimenta. Sempre nos batendo. E nessa hora levaram o Rai para longe, só ouvimos ele dizer: "se eu morrer, vocês sabem quem foi".
Na parte final da oitiva, os interrogados receberam em mãos fotos dos PMs que participaram da ação e estavam identificados por números. Neste testemunho, o torcedor teria reconhecido cinco policiais. Ele afirma, porém, que o capacete e a máscara durante a abordagem dificultaram o reconhecimento. A exceção foi de uma policial, que não teria agredido ninguém e salvo um celular perdido.
— Eles (outros PMs) diziam "quebra o celular", mas guardou e um dos meus parceiros pegou depois.
O caso permanece em investigação pela Corregedoria da Brigada Militar. Conforme o Corregedor-geral, Vladimir Rosa, houve avanço no inquérito, porém nada será revelado ou avaliado antes do desfecho. Conforme apurou GZH, a BM decidiu afastar pelo menos quatro policiais na última terça-feira. A decisão tem como base elementos já coletados em depoimentos e também em laudos médicos, que indicam que os torcedores foram agredidos.