Em Caxias do Sul, Diana Kyosen viveu sua primeira Surdolimpíada como presidente da Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS). Empossada em 2020 para presidir a principal entidade do esporte surdo brasileiro, a paranaense tem um currículo extenso no que diz respeito ao fomento aos surdoatletas.
Ela fez parte da campanha do Brasil no Campeonato Mundial de Futsal dos Surdos em Bangkok, foi ex-presidente da Federação Mineira Desportiva dos Surdos e ajudou a viabilizar a Surdolimpíada no país. A atual presidente da CBDS também foi atleta da seleção brasileira de futsal em torneios internacionais e integrou a delegação brasileira de karatê para participação nos Jogos de Samsun na Turquia, em 2017.
Em meio às atribuições da presidência e reuniões no hotel da delegação brasileira em Bento Gonçalves, Diana atendeu a reportagem de GZH e falou sobre a participação brasileira em Caxias do Sul e dos desafios que terá à frente da CBDS no próximo ciclo surdolímpico. Confira:
Eu gostaria de uma avaliação da senhora sobre a 24ª edição das Surdolimpíadas?
Então, a minha visão geral sobre o evento é que a cidade de Caxias do Sul superou as expectativas. A gente sabe que é um grande desafio para organizar as Surdolimpíadas. É a primeira vez que esse evento vem para um país da América Latina. Isso traz um orgulho muito grande para a gente. A Surdolimpíada ajuda muito na questão da visibilidade social, movimenta a área política, porque a gente enfrenta muitas barreiras e, principalmente, o olhar da cidade sobre as questões da acessibilidade. Isso traz um desafio para o comércio, para as pessoas, principalmente relacionado à comunicação. Isso aumenta a visibilidade para o tema.
Qual a avaliação da senhora sobre o desempenho brasileiro?
Eu vejo pontos positivos e alguns a melhorar. A seleção brasileira tem alguns pontos negativos que estão relacionados à falta de apoio. A gente tem um patrocínio recente das Loterias Caixa, conseguimos uma parceria com uma companhia aérea para trazer os nosso atletas. É uma marca na história. A última edição, em 2017, na Turquia, levamos 144 pessoas e nessa conseguimos trazer 322, teve um aumento. A gente vê a questão do desempenho em alto nível dos atletas, que não dá para comparar, teve a questão pandêmica. A gente faz o comparativo entre uma Surdolimpíada, uma Olimpíada e uma Paralimpíada, mas não dá para comparar por uma questão estrutural, o qual o COB e o CPB já têm apoio, e a CBDS não possui. Tramita na Câmara uma PL 150/2021, que trata sobre a questão dos repasses de recursos públicos para o nosso comitê. É uma luta que a gente também tem com a Bolsa Atleta. É a luta que a gente tem para melhorar e dar essa equidade no esporte.
Se lhe dissessem no começo da Surdolimpíada que o Brasil teria esse resultado, a senhora ficaria contente ou o desempenho ficou aquém do esperado?
Antes da pandemia, quando a gente começou, o nosso planejamento era de sete medalhas no mínimo. Era a nossa expectativa. Pensando no ouro, na prata, no bronze, naqueles atletas que a gente sabe que tradicionalmente já tinha. A gente tem observado que a pandemia atrapalhou essa questão do alto desempenho, principalmente porque os treinos ficaram virtuais. Nesse momento a gente já tem cinco medalhas. Depois, temos mais chances nesses dias restantes, no atletismo e no handebol feminino. É um resultado positivo para a delegação brasileira, sim. Eu parabenizo a Ucrânia que está em primeiro no quadro de medalhas e eu gosto de ressaltar que isso se dá pelo modelo que os ucranianos têm feito na política de apoio 100% ao esporte.
O que essa edição das Surdolimpíadas deixa como legado não só para os atletas, mas também para o Comitê?
Uma marca na história vai ser o Brasil ter sido sede de um evento como esse, por ser o primeiro na América Latina. Isso é algo que reconhece a gente como capaz, mas também a marca que mostra que o surdo é capaz de competir em alto nível. Em outro ponto, tem a questão que a gente pode se preparar para a próxima edição. Esse é o nosso legado, de ficar com isso no Brasil e lutar para Tóquio em 2025.
O seu mandato à frente do CBDS acaba em 2024. Como a senhora trata esse próximo ciclo surdolímpico?
Atualmente, a CBDS está em alto crescimento. A gente só tem ganhado, é um passo muito grande que a gente deu na história, que é um marco na minha gestão, que foi o patrocínio das Loterias Caixa, a melhora nas estruturas, várias questões que eu precisei reorganizar, principalmente nos treinamentos. É um passo grande que a minha gestão tem esse desafio até 2024. Eu quero desenvolver muito o esporte para crianças. Tenho desejo da reeleição para que eu possa dar prosseguimento nos meus trabalhos.
Como fazer para que o perfil de atletas surdos brasileiros que participam das Surdolimpíadas seja rejuvenescido?
Como que funciona a estrutura da CBDS, inicia na associação de surdos, depois na federação e depois que vem a CBDS. Então, eu não trabalho sozinha. É preciso que essas associações vão nas escolas bilíngues de surdos e procurem crianças e jovens para estarem no esporte. A gente sabe que o esporte não está relacionado apenas à competição, mas também à autoestima, do desenvolvimento de vida. É importante que as associações e federações busquem esses jovens. Hoje, a gente tem uma delegação com idade mais avançada, mas hoje, enquanto CBDS, a gente desenvolve dois grandes projetos com a parceria das Loterias Caixa em São Paulo. Uma é a clínica de vôlei e de futsal, um projeto piloto. A CBDS conseguiu contratar profissionais que sabem libras para comunicar. Isso já é um passo. Meu desejo é criar clínicas para outras modalidades para melhorar o futuro do nosso esporte.
A gente vê uma questão para a CBDS, que é a mesma que já foi vivida pelo Comitê Paralímpico anos atrás, que é a falta de investimento público e privado. Como fazer para capitalizar esse tipo de investimento?
A gente sabe que algum tempo atrás o CPB teve um histórico de muita luta e conquista. Vemos que as pessoas, apesar de ter uma deficiência, elas compartilham de uma mesma língua, então não dá para se comparar com o que é uma confederação de surdos, porque somos uma minoria linguística. A gente sempre precisa que nos espaços tenham intérpretes de libras, que reconhecem as legislações, que os editais estejam contemplando as línguas de sinais. É uma dificuldade buscar verba, porque não temos nem acessibilidade para isso. Precisamos como vincular as secretarias do esporte, ir atrás de parlamentares, para que a gente consiga desenvolver. Essa é a nossa garantia. Isso oscila muito, mas é uma luta que garanta a acessibilidade. Um ponto importante é que essa PL 150/2021, que eu citei, na semana passada, saiu da comissão do Esporte aprovada, foi para o CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e está caminhando, se tudo der certo, para o Senado e tendo essa aprovação é uma outra história. Chegaríamos ao mesmo patamar do COB e do CPB com repasses públicos. Isso é muito importante para ter uma questão de estrutura.
O que a senhora poderia deixar de recado, não apenas para aqueles que desejam ingressar no esporte surdo, mas também para todos os ouvintes que pouco sabem sobre o trabalho feito pela CBDS?
O primeiro que eu gostaria de dizer é que o momento da Surdolimpíada é muita informação. A gente está dando entrevista, as mídias têm se movimentado para conhecer mais e com mais profundidade o esporte surdo. Isso é muito positivo. Por outro lado, essa divulgação chegue até as crianças surdas. Para vocês terem ideia, a escola do INES( Instituto Nacional de Educação de Surdos) saiu do Rio de Janeiro e veio para esse evento. Olha como isso é importante. Além disso, a gente quer que chegue aos pais ouvintes de crianças surdas para entender qual o caminho para garantir o esporte na vida do filho. Antes, não era fácil essa informação e acredito que com esse evento aqui no Brasil, isso chegue mais rapidamente.
Eu sei que essa edição ainda não acabou, mas pensando em Tóquio em 2025, como a senhora projeta o desempenho brasileiro no Japão?
Nesse momento, tenho percebido que os atletas estão em uma reflexão profunda, para aumentar o seu nível perante outros países. A gente está lutando para a Bolsa Atleta, porque acredito que o surdo sendo contemplado com isso ele consegue ter o foco no esporte. Hoje, a realidade é o surdo priorizar o trabalho e não o esporte, pois não tem esse apoio. Acredito que em 2025 a gente conseguindo bolsa, podemos buscar 10 medalhas.