Imagine você ir para a escola e sofrer bullying todos os dias. Ou então ser excluído das brincadeiras com seus amigos sem motivo algum. Até mesmo ter de ficar de fora de atividades físicas porque não era instruído. Foi por tudo isso que Romailson Santana passou em seus primeiros anos de vida por ser surdo.
Daquela época para agora, muitas coisas mudaram na vida dele e, no próximo sábado, ele entrará pela primeira vez nas pistas do Centro Esportivo do Sesi para ir em busca de uma medalha nas Surdolimpíadas, em Caxias do Sul, a sua primeira competição neste nível de disputa.
— Eu nasci surdo. Fiquei sem saber como ia ser a minha vida. Eu era o único surdo da escola, não entendia nada. Passei por muita pressão e muitos preconceitos, enquanto ia crescendo, mas eu sempre mantive o meu foco. Aos poucos, fui me desenvolvendo. Às vezes, eu tinha vergonha, mas a gente lutava. As pessoas faziam bullying na escola. Eu me sentia mal, ia no banheiro chorar, mas a gente conseguiu crescer e eu ficava orgulhoso do meu progresso — explica Romailson.
A trajetória dele no esporte começa em Osasco, no interior de São Paulo, quando Romailson foi descoberto por David Alisson Dias, então auxiliar técnico voluntário em um dos clubes da cidade paulista. Em uma das idas a uma das escolas da região, Dias procurava crianças que possuíam aptidão técnica para o atletismo. Então, em uma delas se deparou com um menino, com quase 15 anos, preso a grade, olhando para as outras, como se quisesse participar dos testes.
— Eu vi ele ali e não sabia o que estava acontecendo. Fui ao encontro dele e percebi que ele não era ouvinte. Eu não falava Libras na época, então convidei ele com a mão "você quer fazer parte do teste" e ele fez um sinal que gostaria. Ele veio, entrou na quadra, participou e foi muito bem. No entanto, era um ano mais velho do que eu precisava para o projeto. Quando voltei para o clube, falei com os meus superiores "tenho um menino que é um ano mais velho, mas que tem muita vontade". A partir daí, ele começou a treinar com a gente — conta Dias.
Entre os 20 e os 21 anos, Romailson "dá um tempo" para o atletismo e explora outros esportes, como o vôlei. Mas quem ama, sempre volta. Aos 22, retornou às pistas e convidou David para ser seu novo treinador, defendendo o FAE Osasco. Há três anos, então, a dupla começou o trabalho visando as Surdolimpíadas deste ano. Os índices técnicos começaram a melhorar, a confiança começou a crescer e o incentivo (como a Bolsa Atleta do estado) apareceu.
Agora, realiza o sonho de estar em seu primeiro evento desse porte e, por consequência do destino, em território brasileiro. A principal chance de medalha dele é nos 800m (eliminatórias no dia 12/5 e finais no dia 14/5), onde terá como rivais o queniano Eikana Rono e o espanhol Jaime Martinez Morga. Casualmente, é nos quenianos que ele tem a sua principal inspiração no atletismo.
Antes de chegar a Caxias do Sul, teve um contratempo. Um desconforto no pé direito fez com que ele tivesse de baixar a intensidade dos treinos. Agora, já está plenamente recuperado e pronto para subir ao pódio — ele ocupa o quinto lugar no ranking mundial na prova dele.
— Estar aqui é a minha maior felicidade. Consegui o índice e pude encontrar todos esses atletas aqui. Eu preciso pensar positivo e dar o meu melhor, mostrando o Brasil para o mundo. Já participei de vários campeonatos de ouvintes no nosso país, mas aqui é totalmente diferente. É uma sensação incrível — completa Romailson.
Além dos 800m, ele também irá participar dos 4x400m misto, dos 400m e dos 4x100m livre.