Cada vez mais, você, que acompanha futebol, vai ouvir a sigla SAF nos programas esportivos. Ela significa Sociedade Anônima do Futebol, que é a forma jurídica de constituição de empresa específica para transformar clubes em empresas. Na prática, os times que tiverem interesse em deixar o modelo associativo, em que há presidente, vices e dirigentes políticos, que é adotado em grande parte das equipes brasileiras, terão vantagens tributárias e de mercado para se tornarem clube-empresa por meio da SAF.
Esse modelo de sociedade anônima específico para o futebol foi sancionado em agosto deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro. O primeiro grande clube a aderir a este sistema foi o Cruzeiro, que teve 90% das ações compradas por Ronaldo Fenômeno.
O projeto foi elaborado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o relator foi Carlos Portinho (PL-RJ), que além de senador é advogado especialista em direito desportivo. Segundo Portinho, a grande mudança em relação ao que acontece hoje será atrair investidores para os clubes, e não apenas para comprar atletas no Brasil.
— A lei da SAF se propõe a uma grande transformação, que não é só econômica, mas também cultural do futebol brasileiro. Se torna possível e viável romper com o modelo associativo e partir para um modelo empresarial. Essa gestão empresarial traz aos clubes alguns anseios que a gente tinha. Responsabilidade, governança, profissionalização e principalmente modelo de mercado, ao contrário de outros tipos empresariais de clube-empresa — explica o relator do projeto no Senado.
Mas, afinal, quais as diferenças de uma SAF para outros modelos de clubes-empresa, como diz o senador? No Brasil, há clubes que são sociedades anônimas (S/A), como o Cuiabá, a Ferroviária-SP e o Botafogo-SP, e outros que são sociedades limitadas (LTDA), como o Bragantino.
— A diferença da SAF para o Bragantino, o Cuiabá ou o Botafogo de Ribeirão Preto é que eles não esperaram essa nova lei e se transformaram em sociedade limitada ou sociedade anônima como qualquer empresa. O grande benefício da SAF é pagar apenas 5% de impostos sobre a receita. Para um clube que fatura R$ 400, 500 milhões, é um ótimo negócio, já que como empresa pagaria muito mais — salienta Amir Somoggi, especialista em marketing e gestão esportiva.
Portinho acrescenta:
— Essa alíquota de 5% incide sobre a receita, e não sobre o lucro. É um modelo parecido com o setor das incorporações imobiliárias, e está em um patamar bem próximo do que os clubes como associação civil pagam hoje, o que é sedutor para a transformação. Não tem aumento de carga tributária para os clubes, que se virassem uma S/A normal teriam de pagar 34% sobre os lucros. Por isso, entendemos que a SAF se torna mais sedutora ao investidor.
Há, ainda, uma mudança na alíquota depois de cinco anos. Nas primeiras cinco temporadas, as SAFs pagam 5% de impostos. Depois deste período, cai para 4%, mas o valor da venda de atletas passa a contar no montante das receitas que serão tributadas, o que não ocorria até então.
— Se pegar uma venda de R$ 40 milhões, o governo não vê um tostão hoje. Mas, depois de cinco anos, vai arrecadar sobre esses 4%. É uma contrapartida da SAF, que oferece tributações específicas, mas reverte parte desse dinheiro para ser usado no país, seja com segurança, com educação — detalha Carlos Portinho, relator do projeto de lei no Senado.
Outro ponto de diferença da Sociedade Anônima do Futebol para as demais modalidades de empresas diz respeito ao pagamento das dívidas. A SAF tem a obrigação de pagar os credores em até 10 anos. Nos primeiros seis, 70% das dívidas cíveis e trabalhistas precisam ser quitadas, mas é possível renovar por mais quatro anos para concluir os pagamentos. Além disso, há vantagens para que as dívidas sejam negociadas.
— A SAF é uma situação para tentar ajudar os clubes. Eles podem entrar em recuperação judicial, por exemplo. O que muda, na prática, é que facilita para pagar aos credores. Com a recuperação judicial, todos os valores vão para um monte financeiro e é feito um projeto de pagamento por quem está administrando. É uma forma de facilitar os pagamentos por parte das empresas devedoras. Os clubes não tinham esse benefício — relata Domingos Zainaghi, advogado especialista em direito desportivo.
É importante lembrar, no entanto, que há riscos como em qualquer empresa. O advogado Eduardo Carlezo, que está envolvido na transformação de clubes como o Atlético-GO em SAF, ressalta a importância de gestões responsáveis para que os clubes não entrem em falência:
— Tenho uma posição pouco romântica e muito prática sobre isso. Temos vários clubes brasileiros em situação falimentar. Se fossem empresas, deveriam falir. Devemos ficar passando a mão e deixar que eles rolem dívidas ou eles precisam encarar isso a sério? Lógico que passando para esse modelo de SAF, vão estar sujeitos à falência. É um risco, mas é meritocracia. Não podemos continuar da forma como estamos, com os clubes acumulando dívidas sem fazer nada. Esse modelo tem bônus e ônus, e o ônus pode ser que algum deles, um dia, tenha falência decretada.
Para evitar que os clubes deixem de existir em casos extremos, a lei da SAF obriga as instituições a manterem pelo menos 10% das ações da SAF para preservar o patrimônio imaterial, como símbolo, hino e história das equipes. Assim, mesmo que sociedade não dê certo, as ações podem ser renegociadas e o clube se mantém.
Um estudo da consultoria Ernst & Young, divulgado em janeiro deste ano, mostrou que 96% das 202 equipes da primeira e segunda divisões das ligas da Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália são entidades privadas. No Brasil, o caminho ainda é longo. Mas, não esqueça, você ainda ouvirá falar muito das SAFs no nosso futebol.