O advogado paranaense Christiano Puppi, 32 anos, era até meados deste ano o diretor nacional de futebol da Secretaria Especial do Esporte. Ajudou na formulação da Lei do Mandante, que alterou a forma de negociação dos direitos de transmissão.
Christiano também colaborou com o senador Carlos Portinho (PL-RJ), na formulação do projeto de lei das SAFs, as sociedades anônimas do futebol. Nesta semana, o debate, central na transformação do futebol brasileiro, entrou na pauta com a compra de 90% das ações da SAF do Cruzeiro por Ronaldo Fenômeno. Por isso, a coluna foi ouvir Christiano e buscar traçar o horizonte que se avizinha para o nosso futebol. Confira:
A SAF é a revolução mesmo?
Não sei se é. Há alguns fatores que precisamos apontar para o sucesso das SAFs, como a presença do governo, da CBF, dos clubes, entendimento do Judiciário. É preciso fazer que dê certo. Se não der, deixaríamos de dar cinco ou 10 passos à frente e voltaríamos 20 ou 30 casas. Seria o fim do futebol brasileiro, o caos completo.
Qual o grande mérito da Lei das SAFs?
A impossibilidade do calotaço. A SAF começa sem dívida. Mas ela começa a pagar ao clube através da centralização de execução de penhora, usando até 20% da sua receita, algo parecido com que havia nas concordatas. Em seis anos, a SAF precisa pagar até 60% da dívida, para ser renovado o prazo por mais quatro anos. Se não consegue pagar em seis anos, a SAF passa a ser subsidiária das ações de demanda. Ou seja, pode ser arrolada junto na Justiça pelos credores.
O ponto da tributação especial também seria outro trunfo, não?
Sim, a tributação passa a ser de 5% nos primeiros quatro anos. Depois, passa a 4%, já entrando venda de atletas. Acredito que um primeiro passo para a reforma tributária tenha sido dado dentro das SAFs, por ter se criado uma tributação única, deixando para o governo decidir qual será a partilha interna, ou seja, o que será destinado para cada imposto cobrado. Aqui um ponto a ser valorizado. O clube-empresa, criado na Lei Zico, saía de carga tributária de 30%. A associação esportiva, os clubes, pagam hoje 8%. As SAFs largam de 5%. Ou seja, a lei é um estímulo a toda a industria do futebol, que corresponde a 0,7 do PIB. Era preciso criar condições para que o futebol parasse de pedir coisas ao Estado e passasse a buscar no mercado parceiros ativos, capazes de darem credibilidade ao nosso futebol para concorrer lá fora.
O Cruzeiro virou o trampolim que a SAF precisava?
Sem dúvida. Falo que existem quatro categorias de clubes para adoção da SAF ou de modelos distintos de gestão: o pequeno recém criado, como o Cuiabá, que dá segurança ao investidor; os endividados, caso do Cruzeiro, Botafogo, Paraná; o terceiro grupo tem os clubes médios saneados, com repercussão, são esses os potenciais novos ricos, casos do Athletico, do Fortaleza; prevejo que os clubes equilibrados serão os novos ricos; o quarto grupo, nos quais as SAFs não entrariam neste momento, são os gigantes, que se equilibram financeiramente, mas as disputas políticas internas não permitiriam a chegada de investidores. Imagina um xeque árabe comprando o Grêmio? Ou um magnata russo, o Inter? Impossível, com tantos grupos políticos debatendo no Conselho.
Quanto tempo levaremos para que essa realidade das SAFs se expanda?
Creio que não terminaremos junho sem, ao menos, seis SAFs na Série A. Botafogo deve virar, Cuiabá já virou, Athletico já tem todas certificações. Fortaleza e América-MG já caminham para isso. tem o Atlético-GO. O RB Bragantino é um modelo diferente, mas creio que passe para SAF. Como os clubes que subiram pensam esse processo? O Juventude, que ficou, o que pensa? Tem u potencial imenso. É um caminho sem volta.
O fato de o Cruzeiro, um clube de massa, ter virado SAF pode ser um marco?
Você definiu bem. O Cruzeiro foi um marco, pela compra feita por nosso maior atleta dos anos 1990 e 2000, um jogador com representatividade no Exterior, relacionado com o mercado de negócios. O Ronaldo foi a senha para um clube do tamanho do Cruzeiro fazer o primeiro processo de transformação. Ronaldo não coloca dinheiro fora, não queima nota de R$ 100. Ele é mais o garoto-propaganda de um fundo do que o grande investidor, tem muita gente aportando dinheiro por trás dele.
E o risco de entregar seu clube? Pode ser que o investidor, no meio do caminho, desista e deixe um rastro de destruição.
Esse é um ponto fundamental, quem você vai chamar de parceiro? Para quem vai dar a chave de sua casa? Dará para um investidor relacionado a esse mundo do esporte, com sucesso no entretenimento, bem relacionado no mercado? Ou dará para um aventureiro?
A faca é de dois gumes, o clube precisa fazer essa análise, assim como os órgãos de controle do futebol, um órgão de controle do governo federal, do ministério da Justiça, que é quem combate a lavagem de dinheiro que poderia vir a ocorrer. Talvez seja o caso de colocar uma autoridade pública de governo para fazer o filtro de investidores. Se der um tiro errado, a revolução pode ir por água abaixo.