O tradicional domingo de futebol tem um aspecto especial neste 9 de maio. Mesmo que a rodada privilegie Grêmio e Inter, que não estarão em campo pelo Brasileirão Feminino, isto não significa que as todas as Gurias da Dupla irão comemorar o dia ao lado das mães. A data também é oportuna para provocar outras reflexões: o momento em que realizar o sonho da maternidade, pode interromper o sonho de ser jogadora.
"O segundo domingo de maio é consagrado às mães, em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana”. Assim institui-se o decreto 21.366, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, que em 5 de maio de 1932 oficializou o Dia das Mães no Brasil.
A data, que oficialmente já está no calendário há quase nove décadas, não é sinônimo apenas de comemoração. Responsabilidade, medo, angústia, mudanças, são alguns dos desafios que surgem em meio à emoção de gerar uma nova vida. Em diversas profissões, a gravidez também pode significar adiar sonhos.
Tricampeã gaúcha com o Grêmio, Carla Tatiane da Silva Antônio, mais conhecida como Carlinha, se aposentou dos gramados há pouco mais de cinco meses. Mesmo sem entrar em campo, a ex-atacante segue no clube ao lado das companheiras, agora como funcionária. Hoje, aos 36 anos, ela recorda como a maternidade escreveu um novo rumo na sua carreira.
Campeã com o Grêmio pelo Gauchão em 2000 e 2001, Carlinha soube da gravidez no ano seguinte, seis meses após o clube ter encerrado as atividades da modalidade. Na época, ela havia recebido uma proposta de um outro time, mas os planos mudaram.
— Eu estava com uma proposta de ir para o Palmeiras. Mas, em seguida, descobri a gravidez e acabei não indo. Foi bem difícil. Eu achei que não iria mais voltar a jogar. Naquele tempo, o futebol (feminino) não era tão profissional como é agora. Mas eu nunca desisti, sempre tentei jogar, fui para o salão (futsal). Sempre busquei participar de jogos para que assim, um dia, alguém pudesse me ver de novo — contou a ex-jogadora à GZH.
Com a maternidade, foram mais de dois anos longe dos gramados. A profissionalização da modalidade, que ainda não era uma realidade, obrigou Carlinha a buscar outras alternativas. — Naquele tempo, eu ainda tinha a minha mãe, hoje eu não tenho mais. Ela me ajudou bastante. Eu era muito nova e tive que sair para trabalhar para poder me sustentar — relembrou.
Com a filha ainda pequena, ela conciliava o trabalho como empregada doméstica e o futebol. Depois do futsal, a oportunidade de voltar a calçar chuteiras de campo veio em times amadores. Em 2016, conquistou o estadual com o Canoas/Duda. No ano seguinte, recebeu o convite de retornar ao Tricolor, quando o clube retomou com a modalidade. Atualmente é a única jogadora a ser tricampeã gaúcha pelo Grêmio (2000, 2001 e 2018).
Acredito que os clubes poderiam ver essa situação com mais atenção. Se tornar mãe é o sonho de quase todas as meninas, ter uma família, mas acaba sendo adiado pela questão de ser atleta.
CARLINHA
Atacante aposentada do Grêmio
As vitórias, não só dentro de campo, são motivos de muito orgulho, mas também de reflexão. A realidade da profissionalização do futebol feminino, com as jogadoras podendo se dedicar exclusivamente ao ofício é um grande passo. Mas é preciso auxílio para que as atletas possam realizar outros sonhos, como o caso da maternidade.
— Agora está bem melhor em comparação àquela época. Mas é complicado para as meninas que querem ser mães. Elas não pensam em ser no momento por medo de acabar o contrato e serem mandadas embora, ou o clube mesmo não apoiar. Acredito que os clubes poderiam ver essa situação com mais atenção. Se tornar mãe é o sonho de quase todas as meninas, ter uma família, mas acaba sendo adiado pela questão de ser atleta — afirmou a ex-jogadora.
— O conselho que eu dou é não desista. Não desista do seu sonho, não desista de ser mãe. Vai ser difícil em qualquer situação, em qualquer trabalho. Ser mãe me deu mais força para eu lutar pelo sonho. Um dia, tudo vai acontecer — destacou.
Dia das mães em dobro
Em 2021, o Dia das Mães ganhou um motivo a mais na casa da Carlinha. Além de mãe, ela também já é avó da primeira neta, a pequena Ana Ísis, de apenas dois meses, filha de Diully, de 17 anos.
— Estou bem feliz. No início, também foi um choque. Mas com o tempo, a gente vai assimilando melhor e agora é só alegria — revelou.
A chegada da caçula também resgata um sonho antigo da ex-atacante, em manter o futebol na família.
— A minha filha não nasceu com o dom da mãe (risos). Eu tentei ensinar para ela quando era pequena, mas não teve jeito. Preferi não ficar forçando. Agora, espero que minha netinha jogue futebol — afirmou.
Amor que ultrapassa fronteiras
Ir em busca de um sonho, muitas vezes, significa sair de casa, mudar de cidade, de estado e até mesmo de país. Lutar pelo sucesso na profissão impõe estar longe da família por algum tempo, se tornar ausência nas datas comemorativas e nos tradicionais almoços de domingo. A saudade e a distância também tornam-se adversárias a serem vencidas.
Em 2021, Porto Alegre se tornou a casa de duas novas estrangeiras. Contratadas pelo Inter nesta temporada, Wendy Carballo e Ximena Velazco, ambas do Uruguai, chegaram com cartazes de peso no estádio Beira-Rio. As atletas relataram à GZH como estão se adaptando longe do país e compartilharam registros especiais com as mães antes da pandemia do novo coronavírus.
Aos 18 anos, Wendy é considerada uma das promessas do futebol feminino uruguaio. A atacante que começou a carreira no Arachanas de Melo, soma no currículo passagens pela seleção do país desde as categorias de base até a principal. Há três meses na capital gaúcha, essa será a primeira vez que ela estará longe da mãe Cintia Carballo.
— É complicado porque sempre passamos o dia das mães juntas. Este ano, teremos que passar separadas. Sinto muita falta, espero que ela possa passar muito bem — revelou a atacante.
Para o orgulho da mãe, mesmo com o pouco no clube, a atleta já está conquistando a titularidade no time de Maurício Salgado. Em cinco jogos, entrou em três e foi titular em uma partida. Além de já ter marcado seu primeiro gol com a camisa colorada.
— Queria muito desejar um feliz dia. Sobretudo, agradecer pelo apoio, por sempre estar comigo, e também dizer que sinto muito sua falta e que a amo muito — declarou.
Da mesma seleção uruguaia vem a capitã Ximena. A meio-campista foi a última contratação colorada para a disputa do Brasileirão Feminino. Aos 25 anos, soma passagens por Nacional e Peñarol, os títulos dos Campeonatos Uruguaios de 2018 e 2019, e já foi eleita a melhor da posição na competição nacional.
Os quase 800 km do país de origem e a situação da pandemia estão sendo superados com a ajuda da tecnologia. Desde a chegada no Sul do Brasil, em abril, o contato tem sido realizado através de videochamadas.
— Sem dúvida que devido a distância é muito complicado. A gente tem um pouco mais de contato por ligações, mas não é a mesma coisa. Vai ser um dia meio complicado, mas ela sabe o quanto a amo, que sempre estarei com ela — afirmou a atleta, que deixou uma mensagem para a mãe Fabiana Nuñez.
— Aproveito, especialmente neste dia, para fazer uma saudação a ela. Desejar um feliz dia, que apesar da distância, agradecer por ela sempre estar comigo. Que passe um dia lindo, a amo muito — finalizou.