A contratação do ídolo do futsal Falcão jogou holofote sobre o projeto de futebol 7 que tem sido desenvolvido no Grêmio. Seja torcedores gremistas, ou pessoas envolvidas com o esporte no centro do país, os olhares se voltaram para o que está acontecendo em Porto Alegre. A questão é que, apesar de ganhar projeção agora, a modalidade não começou a contar com a participação da dupla Gre-Nal de uma hora para a outra.
Há no mínimo cinco anos os dois clubes da Capital gaúcha participam de torneios nas gramas sintéticas. A diferença está no processo de profissionalização pelo qual passaram as competições, colocando os clubes do Rio Grande do Sul no epicentro do esporte nacional.
A presença de atletas de renome, vindos de outras modalidades, não é uma novidade. Em 2014, por exemplo, ex-jogadores colorados passaram a disputar campeonatos usando o nome do clube.
— A gente armou um time de ex-boleiros para jogar pelada durante a semana. O dono da quadra de futebol 7 virou nosso amigo, e nós pedíamos para ele arranjar adversários para a gente. Era eu, Diogo, Marcelo Labarthe, Rodrigo Paulista, Leandrão, Caíco... Era uma galera do futebol de campo. Nós ganhávamos fácil. Até que um dia, ele perguntou por que a gente não começava a competir. Conversamos com o presidente da Federação e, como havíamos jogado no Inter, montamos um time do Inter. Mas a camisa não era a oficial, era de brincadeira. E nós ganhamos a Série B do Brasileiro, fomos campeões estaduais. Tudo isso sem treinar — revela o ex-volante Claiton, atual treinador do Grêmio Bagé.
Nesta mesma época, aos mesmos moldes, um time passou a defender as cores do Grêmio. Entre os ex-atletas tricolores, estava o ex-atacante Rodrigo Mendes, que hoje ocupa o cargo de presidente da Federação Internacional de Futebol 7 (Fif7). Porém, a estrutura era bem diferente de agora.
A gente armou um time de ex-boleiros para jogar pelada durante a semana
CLAITON
ex-volante do Inter, que formou a equipe colorada
— Eu comecei em 2015, em um time do Bairro Itu, para jogar as competições que existiam na época. Fui contratado pelo Grêmio, fomos campeões da série especial e, a partir dali, fui chamado para jogar no Inter, em 2017. Inter e Grêmio sempre existiram no futebol 7. Eu joguei no Grêmio na época em que ganhávamos só uma ajuda de custo. Mas esse novo Grêmio que surgiu é em virtude do Fernando — sentencia o pivô Maycon Pacheco, atual capitão colorado — Eu tenho uma profissão, sou advogado e servidor público. Então, trato como hobby, mas acredito que estamos bem perto da profissionalização. O clube nos dá a permissão para jogar com o fardamento, mas não temos investimento. Precisamos buscar a ajuda de patrocinadores, de empresários que gostam do futebol 7. Mas não temos salário, carteira assinada ou algum tipo de contrato — comenta ele.
Profissionalização
Atuando como licenciado do projeto gremista, o empresário Fernando Matos entrou no mundo do futebol 7 em 2018, quando formou um time chamado BCF (Bola, Casa e Futebol), que teve origem em uma brincadeira de trabalho. Dono de um canil que vende cães de raça, Matos organizava torneios internos entre os funcionários e percebeu que ali estava um novo nicho para investir seu dinheiro.
— O meu colega de empresa contratava amigos que jogavam profissionalmente para nos enfrentar. Aí eu resolvi trazer o Pé Fino e o Oreba, que são ícones da modalidade. Ele não conhecia os caras e nós ganhamos o título. Gostei tanto da resenha dos guris, que me falaram bastante sobre as competições e me apresentaram outros jogadores, que resolvi montar um projeto para competir mesmo — descreve ele.
Depois de sua equipe conquistar torneios pelo interior do Estado, veio o convite para ceder seus atletas ao time que representaria o nome do Grêmio na Copa do Brasil. O desempenho foi acima do esperado: um segundo lugar.
Eu já vivi muitas coisas boas no futebol 7, com títulos e prêmios individuais, mas igual ao que estou vivendo, posso falar que nunca teve
WESLEY NEIVA
jogador contratado pelo Grêmio
— Jogamos toda a competição, enfrentamos equipes de camisa, como Coritiba, Athletico-PR e Chapecoense e perdemos o título nos “shoot-outs” (equivalente a pênaltis). Depois fui ver que o Grêmio era representado apenas de maneira informal. Fiz um projeto, falando em elevar o nome do clube na modalidade e entreguei aos dirigentes gremistas. Eles aprovaram e nós assinamos uma parceria por dois anos, podendo renovar por mais tempo — conta o empresário.
Com o contrato firmado, sem que o Grêmio investisse um único real, Matos passou a colocar dinheiro do próprio bolso para montar uma estrutura de dar inveja a muitos clubes do Interior. Localizada na zona sul de Porto Alegre, a sede possui salas administrativas e para palestras, equipamentos de musculação e para tratamento de lesões. Além disso, claro, foram contratados jogadores de renome da modalidade. Entre eles, quatro que vieram de clubes do Rio de Janeiro, com passagem pela seleção brasileira: os meias Iago Soares e Luan Mestre, e os alas Rafa Neguinho e Wesley Neiva.
— Eu conheci o projeto através dos rapazes do Rio. Eles receberam o convite no final do ano passado e, por causa deles, eu vinha acompanhando. Acho que o Brasil todo tem acompanhado o desenrolar do projeto aqui. Eu já vivi muitas coisas boas no futebol 7, com títulos e prêmios individuais, mas igual ao que estou vivendo, posso falar que nunca teve. O que está acontecendo é único. É profissional de verdade — comenta Neiva, que recentemente foi chamado para representar o Brasil na Copa América, nos dias 7 e 9 de dezembro.
Alegando motivos de segurança para sua família, Matos prefere manter sob sigilo a quantidade de dinheiro que foi investido no projeto. Mas revela que, atualmente, mantém cerca de 50 pessoas recebendo salário mensalmente, entre atletas, profissionais da comissão técnica e uma equipe de comunicação.
Do outro lado da rivalidade, o cenário é bem diferente ainda. Apesar de ter a liberação do Inter para usar o nome do clube e treinar no Parque Gigante antes da pandemia, o time colorado não conta com um investidor, e precisou ir atrás de três patrocinadores, que ajudam a manter um time semiamador.
— Todo o investimento é voltado para a estrutura e suporte para os atletas e comissão técnica nas competições. Estamos abaixo do padrão médio de investimentos em relação a equipes do cenário nacional. Contudo o planejamento para 2021 é justamente fortalecer, fomentar essa necessidade, buscando mais parceiros e apoiadores adeptos do clube e da modalidade — avalia Jocimar da Costa, coordenador do Inter Futebol 7.
Futuro do esporte
O grande salto da modalidade parece estar sendo dado nesta temporada. Como haviam muitos torneios sendo organizados ao mesmo tempo, a Futebol 7 Brasil centralizou a organização das competições em 2020 e passou a ser a única entidade filiada à Fif7.
— Somos uma empresa privada. Chegamos a trabalhar em parceria com as federações e sempre tivemos dificuldade de lidar com o amadorismo presente nestas entidades. Então, resolvemos seguir sozinhos, nos desvincularmos das federações e não aceitamos atletas que disputam as outras competições. Todos os grandes clubes migraram para jogar conosco. Temos o Campeonato Gaúcho como referência para os outros Estados. Ele é o modelo de como vamos desenvolver os Estaduais. Hoje, temos 15 Estados e queremos chegar aos 27 no ano que vem — revela Hugo Loureiro, CEO do Futebol 7 Brasil, sediada em Curitiba.
Neste momento, está ocorrendo o estouro da bolha da modalidade
HUGO LOUREIRO
CEO do Futebol 7 Brasil
De acordo com o dirigente, oito clubes se destacam a nível nacional pelos seus investimentos: Figueirense, Coritiba, Chapecoense, São Paulo, Corinthians, Ponte Preta, Vasco e, mais recentemente, o Grêmio. Destes, a maioria mantém uma folha salarial que varia entre R$ 20 a 25 mil. Outros dois, passam de R$ 50 mil. Porém, o caso tricolor é o único que supera esta marca.
— Neste momento, está ocorrendo o estouro da bolha da modalidade. Estão embarcando gestores profissionais nos clubes, que antes eram amadores. O Grêmio foi quem deu o passo mais forte e mais rapidamente. O Corinthians está aprovando um projeto de R$ 1 milhão, pela lei de incentivo, mas o Grêmio foi o pioneiro. Com isso, todos os atletas de ponta olharam para aí e se interessaram por migrar para uma estrutura que não havia no país. Este pioneirismo tem muito a ver com o CEO deles, que entendeu o posicionamento da marca. Ele enxergou que se o Grêmio não profissionalizasse, não iria conseguir competir com os outros e deixou de ser uma equipe amadora organizada para ser profissional — conclui Loureiro.