SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há menos de dois meses no comando da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), a ex-ginasta Luisa Parente, 46, brinca em entrevista que sua sensação é de estar prestes a completar dois anos na função.
O órgão ligado ao governo federal é responsável tanto pela aplicação de testes antidoping em âmbito nacional quanto pelas ações educativas e de prevenção nessa área.
Desde julho, o esporte brasileiro convive com uma sequência de casos de doping. Naquele mês foram divulgados os da tenista Beatriz Haddad, do nadador Gabriel Santos e de Maria Clara Lobo, integrante da seleção de nado artístico, todos pegos com substâncias proibidas pelo código da Wada (Agência Mundial Antidoping).
Haddad está suspensa de forma provisória pela Federação Internacional de Tênis. Santos levou um gancho de 12 meses da Federação Internacional de Natação e perderá a Olimpíada de Tóquio-2020. Lobo, testada fora de competição pela ABCD, também cumpre suspensão preventiva.
Nos Jogos Pan-Americanos, realizados de julho a agosto, outros quatro brasileiros foram flagrados. O resultado dos exames da judoca campeão olímpica Rafaela Silva, do jogador de vôlei Rodriguinho, do ciclista Kacio Freitas e de Andressa de Morais, do lançamento do disco, vieram a público neste mês.
Nas últimas semanas, outros dois ciclistas do país com participações olímpicas foram suspensos preventivamente, uma pela União Ciclística Internacional e outro pela autoridade brasileira.
Para a secretária da ABCD, os episódios não indicam um problema estrutural da área de prevenção à dopagem.
"Isso às vezes é aleatório. Neste ano, o número de casos no Pan foi maior, mas daqui a quatro anos pode ser inferior de novo. A gente pode aprofundar as análises e estudos em parceria com os comitês olímpico e paraolímpico para ver a possibilidade de uma outra forma de atuação, mas não necessariamente o total de casos está crescendo", afirma Parente.
Ela baseia seu argumento no número de resultados analíticos adversos (popularmente chamados de positivos) em testes realizados pela ABCD nos últimos anos.
Em 2017, foram 72 positivos num total de 5.066 exames (1,42%). No ano passado, 49 em um universo de 7.584 (0,65%). Já neste ano, até o momento o órgão realizou 6.337 testes e obteve 43 positivos (0,68%).
O último relatório divulgado pela Wada com dados compilados por países aponta que em 2016 o Brasil era a oitava nação com mais casos de doping sob sua jurisdição no mundo (55). A Itália liderava a lista, com 147, seguida por França, EUA, Austrália, Bélgica, Índia e Rússia.
"Eu também sinto um pouco essa dor [de ver um atleta pego no doping], gostaria de ver o jogo limpo a todo momento em todas as modalidades, mas esse não é um problema que afeta só o Brasil, por isso existe uma padronização de atuação feita pela Wada", diz a secretária.
Em novembro de 2016, a ABCD chegou a ser descredenciada pela agência mundial. A perda da chancela foi justificada principalmente pela demora que o Brasil levou para colocar em funcionamento seu Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem.
A entidade internacional também apontou que o país estava fora de conformidade com seu código, já que pessoas ligadas a empresas e a confederações esportivas haviam sido nomeadas para cargos na ABCD. A suspensão durou até abril de 2017.
Parente integrou o tribunal desde sua criação até assumir o posto de secretária. Ela afirma que a atuação do órgão está livre de pressões externas.
"Não tem muito como fugir do padrão estabelecido pela Wada, tanto no controle de operação quanto na área educacional e na gestão de resultados. A atuação se restringe muito tecnicamente, e a interferência política não existe aqui."
Segundo a ex-ginasta, a autoridade brasileira irá pleitear junto à Secretaria Especial do Esporte do governo mais investimento nas áreas de investigação e inteligência para atacar modalidades com recorrência de doping, como o ciclismo.
O orçamento disponibilizado para a ABCD em 2019 é de R$ 6,7 milhões, o mesmo valor de 2018. Como comparação, a Usada, agência antidoping dos Estados Unidos, trabalhou com US$ 21 milhões (R$ 87,6 milhões) no ano passado.
A secretária também defende a necessidade de dar mais transparência a dados do órgão e coloca como prioridade de sua gestão reforçar as ações educativas. Nas contas da ABCD, mais de 73 mil pessoas já foram atingidas neste ano pelas iniciativas de orientação.
"A punição quem se dá é o próprio atleta quando é negligente, se deixa influenciar ou não está no controle da vida esportiva", afirma.