Você pode até achar que não, mas o esporte é bem conhecido entre os porto-alegrenses. É só falar em judô que os gaúchos estufam o peito com orgulho ao relembrar dos áureos tempos de João Derly — único judoca brasileiro bicampeão mundial. Mesmo que você não saiba os nomes dos golpes ou o tempo de duração de uma luta, já deve ter visto alguma foto, vídeo ou entrevista de um dos maiores atletas que o Rio Grande do Sul já teve. A tradição de campeão iniciada pelo judoca da categoria até 66 quilos da Sociedade de Ginástica de Porto Alegre, a Sogipa, aposentado em 2012, segue firme e forte aos cuidados de outra figura familiar entre os porto-alegrenses: Mayra Aguiar.
Aos 27 anos, a única judoca brasileira bicampeã mundial já pode ser considerada um patrimônio de Porto Alegre. Ela é uma das grandes responsáveis por não deixar o judô "morrer" no Estado e, por que não dizer, no Brasil. Com um sorriso de menina, mas o corpo de uma calejada atleta, Mayra inspira tranquilidade. Por vezes, parece não ter consciência de sua representatividade.
Serenidade, aprendi na última quarta-feira (27) ao conversar com a bem articulada judoca, no dojô do clube, é resultado de uma confiança pautada em resultados. Ao todo, são 41 medalhas internacionais em 13 anos de seleção brasileira. Quinze, quase metade delas, de ouro.
— Eu descobri por vocês (a imprensa) que tenho 14 medalhas em Grand Slams e fiquei: "Nossa, que legal! Eu tenho 14 medalhas em Grand Slams" — conta, em meio a gargalhadas.
Como citei anteriormente, Mayra é tranquilidade. Não conta seus inúmeros pódios, mas sabe da importância de cada um deles. Não atualiza dia após outro sua posição no ranking, mas entende que vive bom momento. É a sexta melhor judoca do mundo na categoria até 78 quilos e iniciou o ano com duas medalhas — prata no Aberto de Oberwart, na Áustria, e ouro no Grand Slam de Dusseldorf, na Alemanha.
Nunca almejei ser a melhor judoca brasileira da história
MAYRA AGUIAR
bicampeão mundial de judô
— Eu sempre levei as coisas mais no presente. Nunca almejei ser a melhor judoca brasileira da história. Claro que a gente quer, mas nunca projetei muito o futuro. Sempre vivi o presente. Os resultados foram acontecendo, e as coisas acabaram dando certo — declara, com sua humildade costumeira.
Ao andar pelas dependências da Sogipa, está em casa. No percurso até o tatame, parou para servir-se de um cafezinho preto, puro, e ofereceu a todos. Saudou quem estivesse pelo caminho e, se não está com pressa, faz questão de engatar uma boa conversa. Desde os 11 anos, quando chegou ao clube, faz o mesmo trajeto. Todos os dias. Aos 14, a porto-alegrense surpreendeu ao virar titular absoluta da seleção brasileira principal — de onde não saiu mais.
Fez sua estreia pelo Brasil nos Jogos Pan-Americanos do Rio 2007 e conquistou uma medalha de prata após perder a final para a ex-judoca, e atual lutadora de MMA, Ronda Rousey. Isso tudo aos 15 anos.
— Ela representa ousadia, coragem, persistência e um talento bem potencializado. Ela chegou para mim com 11 anos, criou-se com o João Derly, com o Tiago Camilo, e deu certo. Ela é uma imagem vencedora, de ousadia e de coragem. Pra mim, ela já é uma das melhores atletas do Rio Grande do Sul — afirma Antônio Carlos Pereira, o Kiko, treinador de Mayra.
Precoce, mas focada. De 2007 para cá, Mayra Aguiar cresceu, ganhou 10 quilos (já que iniciou na categoria até 70 quilos), amadureceu e construiu uma respeitada carreira nos tatames. Vai para sua quarta Olimpíada, em Tóquio 2020, e não pensa em parar tão cedo. Com um histórico de lesões e cirurgias, a judoca sabe que a idade é cruel com atletas de alto rendimento. Mas ainda tem motivações a curto prazo e, enquanto estiver feliz lutando, seguirá buscando seu maior objetivo: o ouro olímpico.
— Hoje, olhando toda a minha história, a minha carreira, eu me sinto totalmente completa e feliz. Se eu resolver que não vou mais fazer judô, vou parar realizada. Mas eu tenho meus objetivos ainda, e um deles é o ouro olímpico. Esse ano ainda tem os Jogos Pan-Americanos, e é um ouro que também me falta. É uma coisa que me motiva, mas não me pressiona — revela, sorrindo.
Mayra é tranquilidade. É a falta de pressão de estar sempre no pódio que a coloca sempre no pódio. Luta pelo amor ao esporte, ao judô e ao Brasil. A nós, cabe a torcida para que ela finalize da melhor forma possível aquilo que começou tão brilhantemente.