Há mais dinheiro do que nunca no futebol feminino na Inglaterra. Em meados do ano passado, a divisão mais alta do país — a Superliga Feminina (WSL) — tornou-se, pela primeira vez, totalmente profissional, com transmissões acertadas com a BBC. Os maiores clubes da Inglaterra, incluindo o Manchester City, o Chelsea e o Arsenal, investiram pesado em seus times femininos nos últimos anos, não só nas jogadoras que formam, mas também em transferências internacionais de destaque.
O Manchester United finalmente se juntou ao grupo: organizou seu time feminino para o campeonato da segunda divisão, no ano passado, e imediatamente começou a montar uma equipe de talentos.
As consequências foram sísmicas, não só em relação aos resultados — o Manchester City chegou às semifinais da Liga dos Campeões nas duas últimas temporadas, e a seleção inglesa acabou em terceiro lugar na Copa do Mundo Feminina de 2015 —, mas também no que diz respeito ao interesse. Mais de 45 mil pessoas compareceram à final da última Copa da Inglaterra feminina, e mais 2 milhões assistiram ao jogo ao vivo pela televisão.
Pouco ou quase nada desse crescimento chegou a Doncaster, ou, mais precisamente, Rossington, uma vilazinha nos arredores da cidade, a casa do Doncaster Rovers Belles, time que está na terceira divisão do futebol feminino inglês.
O público raramente é maior que cem torcedores. Não há câmeras de TV. No ano passado, o maior patrocinador do clube se afastou; sua renda agora não vai muito além do dinheiro das bilheterias.
E, mesmo assim, esse é o time que, indiscutivelmente, fez mais pelo futebol feminino na Inglaterra do que qualquer outro, um clube que foi sinônimo do esporte por décadas. Nos anos 1980 e início dos 1990, muito antes de os clubes profissionais mostrarem algum interesse no futebol das meninas, o Belles já era uma força notável.
Entre 1983 e 1994, o Belles jogou 11 das 12 finais da Copa da Inglaterra feminina, vencendo seis vezes. Ganhou o primeiro título da liga nacional, em 1992, e retomou a coroa em 1994, sendo vice-campeão sete vezes nos anos seguintes. Na época, suas jogadoras eram a espinha dorsal da seleção nacional.
— Em determinado momento, tivemos sete ou oito jogadoras na seleção — disse Gillian Coultard, que jogou pelo Belles por 21 anos, na época áurea, e que participou de 119 jogos pela Inglaterra. Por muito tempo, ela foi um dos cinco jogadores a jogar cem vezes por seu país. Os outros foram Bobby Moore, Bobby Charlton, Peter Shilton e Billy Wright.
— Era uma boa pergunta de trívia — disse ela, descontraída.
Doncaster, claro, tinha orgulho do Belles. Cidadezinha no extremo sul da região carvoeira de Yorkshire, o local não chama muita atenção nacionalmente, nem faz muito sucesso esportivo. O Belles mudou isso.
— Vencemos muitas vezes. A final da Copa foi televisionada. Sentíamos que estávamos representando Doncaster e o sul de Yorkshire. Mantivemos a cidade no topo — disse Coultard.
Para muitos, numa época em que o futebol feminino recebia pouco investimento e atraía pouco público, o Belles era o rosto de maior destaque do esporte.
— Elas eram o epítome do futebol feminino — disse Mike Blackham, torcedor local. Como a maioria do público do Belles, Blackham e sua esposa, Jane, têm uma conexão pessoal com o clube: uma amiga joga no time principal.
Isso mostra como as perspectivas do time se retraíram em anos recentes. Agora que há mais dinheiro no futebol feminino, há menos no Belles.
— O jogo feminino mudou. Está mais voltado para as finanças. Fomos meio que deixadas para trás — disse Edmunds.
Ao longo dos anos, Sheila Edmunds fez de tudo pelo Doncaster Belles. Meio século atrás, ela era parte do grupo de amigas que fundou o clube. Durante 25 anos, vestiu a camisa 8 do time e, por algum tempo, usou a braçadeira de capitã. Quando se aposentou, fazia o que era necessário: secretária de assistência social, socorrista, fisioterapeuta. Agora, seu título oficial é presidente e gerente-geral. Isso pode parecer um papel executivo, um cargo honorário, mas não é.
Mais ou menos uma hora antes de um jogo no estádio, Edmunds pode ser vista na cabine de madeira simples que faz as vezes de bilheteria. Atrás dela há um aquecedor, ligado no máximo para afastar o frio. Ela recebe os torcedores que vêm comprar ingresso como se cada um fosse um velho amigo.
Nos momentos mais tranquilos, ela ajuda no balcão que funciona como braço de marketing do Belles. Depois do início da partida, fica de olho no jogo ao mesmo tempo que verifica a renda do dia; é mais fácil assim, diz ela. Afinal de contas, vai ter de depositar tudo na conta do time mais tarde.
Em 2013, quando a Football Association (FA), o órgão do esporte na Inglaterra, organizou a Superliga Feminina em duas divisões, o Doncaster Belles foi rebaixado para o segundo grupo, e o time feminino do Manchester City — muito mais novo, mas aliado a um gigante da Premier League — foi promovido em seu lugar. Vic Akers, o então treinador do Arsenal Ladies, descreveu a decisão como "moralmente escandalosa".
O Doncaster foi promovido à primeira divisão em 2015, mas ficou apenas uma temporada lá, sendo rebaixado novamente. A equipe foi a vencedora da segunda divisão no ano passado, seu primeiro troféu desde 1994, mas não voltou à elite: a FA alterou os critérios, e o Belles — sem patrocinador e sem um time masculino para bancar o clube — não atendia às exigências.
— Financeiramente, não podíamos — disse Edmunds.
Todas as integrantes do time campeão, menos duas, acabaram indo para o novo time feminino do Manchester United. Neil Redfearn, o técnico, foi para o Liverpool. O Belles acabou decidindo não usar o Estádio Keepmoat, o local bonito e moderno que é a casa do Doncaster Rovers, o time masculino com o qual tem uma aliança simbólica, e se instalou no Rossington, onde as duas arquibancadas são pouco mais que alguns degraus cobertos por um toldo. Um local menor, disse Edmunds, não será tão "intimidante" para as novas jogadoras que agora compõem o time.
Em Doncaster, a fama do Belles resiste, assim como a afeição e o carinho dedicados ao time. Edmunds, por exemplo, é tão famosa na cidade que, há alguns anos, quando foi homenageada em Londres por sua contribuição ao esporte, o jornal local lhe prestou a maior homenagem: referiu-se a ela apenas por seu primeiro nome.
Blackham, que treina o time local de juniores, acha que, enquanto os meninos sonham com o estrelato da Premier League, as garotas têm uma ambição diferente.
— Elas não falam em jogar no Manchester City, no Chelsea ou no Arsenal. Querem jogar no Belles — afirmou.
Há certo pesar com a diminuição do status do clube, mas não há ressentimento pelo fato de as autoridades do esporte terem falhado com o mais famoso time feminino.
— Essa Era já acabou. Não queremos que as pessoas se esqueçam dessa história, porque muita gente se dedicou a isso, mas não vivemos no passado — disse Edmunds.
*Por Rory Smith.