"O gaúcho gosta de uma guerra", disse Erico Veríssimo em "O Tempo e o Vento".
Foi procurando travar uma guerra que Tiago Retzlaff Nunes deixou Santa Maria, há 17 anos. Quando jovem, o zagueiro "honesto" — como se define — não vingou entre os profissionais. Para seguir trabalhando no esporte, cogitou até o jornalismo, mas enveredou mesmo para a Educação Física, curso que concluiu na UFSM. Quase duas décadas depois, o técnico do Athletico-PR pode considerar que venceu batalhas em 2018. Sob seu comando, o clube conquistou o Campeonato Paranaense e a inédita Copa Sul-Americana.
Mas até alcançar essa glória, o treinador conheceu os meandros do futebol. Foi preparador físico e auxiliar antes de assumir como técnico, tendo sua primeira chance no São Luiz, de Ijuí, em 2005, onde foi campeão da Segunda Divisão. E virar treinador foi uma quebra de paradigma. Tiago, inicialmente, não acreditava que poderia exercer essa função.
— Não acreditava que o cara que não jogou poderia ser treinador. Era muito comum ver só ex-atletas nessa atividade — recorda.
O preconceito caiu em 2007. Tiago trabalhava como auxiliar do Luverdense, ao lado de Tarcísio Pugliese, que também não tinha sido um jogador destacado. No Mato-Grossense daquele ano, o gaúcho acompanhou de perto o comando de vestiário e respeito dos atletas. Caiu ali o mito, até então criado por ele próprio, que enfim criou coragem para também assumir o comando de uma equipe.
O vento que impulsionou a carreira do gaúcho surgiu nas categorias inferiores. Em 2013, assumiu a equipe sub-20 do Grêmio. Um ano depois, outro desafio, no Juventude, também com jovens. Na Serra, viveu a expectativa de assumir a equipe principal quando Antônio Picoli foi demitido, em 2015. Entretanto, o Ju resolveu apostar em Antônio Carlos Zago e frustrou o líder da base. Quase que atingido por um tornado, resolveu buscar novos ares.
Mas depois da tempestade, vem a bonança. A rajada que atingiu Tiago trouxe bons ventos. William Thomas, diretor do Athletico-PR, estava assistindo a uma partida do time sub-20 do Juventude quando a atuação da equipe lhe chamou a atenção. Mais tarde, o dirigente descobriu quem montou aquele time: Tiago Nunes.
Enquanto o convite para ir ao Paraná não chegava, o técnico consolidava cada vez mais o seu trabalho com uma boa campanha no Gauchão de 2017 com o Veranópolis. Em seguida, recebeu uma ligação de Paulo Autuori, então gestor de futebol do clube paranaense. O objetivo era de idealizar um novo modelo de jogo desde as categorias inicias, junto ao departamento de futebol e, além de fomentar novos talentos, criar um técnico com o DNA do Athletico.
— O Autuori sempre deixou claro que ele gostaria de formar um treinador que pudesse assumir a equipe principal — revela.
A chance no time profissional foi a concretização de um sonho de infância. Até porque o amor de Tiago pelo futebol vem do berço. O pai, Múcio da Silva Nunes, era jogador amador e levava o filho às partidas entre empresas. O ex-meia ambidestro, como elogiam os amigos, não sabia que tinha iniciado o grande objetivo de vida do herdeiro.
Teve na mulher, Fernanda, a força necessária para acalentar o sonho. Teve na sua família os alicerces emocionais e até financeiros para suportar uma cultura como a brasileira, acostumada a engolir técnicos.
— Se não fosse a minha esposa, eu não teria virado treinador. A gente precisa ter um suporte. É um trabalho em que somos demitidos, e as pessoas questionam a sua qualificação. Precisamos de suporte financeiro, porque muitas vezes estamos desempregados e as coisas não andam. Tive a sorte de ter as duas coisas na minha esposa e nos meus familiares, que sempre me ajudaram e, muitas vezes, acreditaram mais do que eu que era possível — admite.
A família cresceu há três anos, com a chegada da filha Luísa. Xodozinho dos Nunes, é responsável por mudar o humor do pai quando as coisas não dão certo. O treinador, que precisa motivar o seu grupo, é impulsionado diariamente pela pequena em casa.
Na infância, o garoto Tiago andava de carrinho de rolimã, soltava pipa, jogava bolinha de gude e futebol nas ruas de Santa Maria. Saía de manhã e voltava à noite, para então repetir tudo no dia seguinte. Agora, aos 38 anos, o tempo livre é ocupado com leituras. Além de ser fã de Erico Veríssimo, o treinador também admira biografias. As favoritas são as dos estrangeiros Carlo Ancelotti e Marcelo Bielsa.
O tempo passou. O vento, chegou e… virou Furacão. No começo de 2018, Tiago liderou o time sub-23 do Athletico que conquistou o Paranaense. Em seguida, substituiu Fernando Diniz no elenco principal e marcou seu nome na história com o primeiro título internacional do clube.
Aos poucos, Tiago trata de escrever as linhas do seu próprio livro para, quem sabe, virar uma das biografias que tanto lê e admira. Será que O Tempo e o Vento não pode em breve ganhar um "Furacão" como companheiro de estante nas livrarias?