Em pouco mais de um ano, Almir dos Santos Júnior saiu do anonimato nas provas de salto em altura e entrou no radar dos principais nomes do salto triplo.
Mais nova sensação do atletismo brasileiro, o mato-grossense radicado em Porto Alegre desde 2009 – quando passou a treinar na Sogipa a convite do técnico José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca – é o atual líder do ranking mundial das provas realizadas em pistas cobertas.
Agora, ele se prepara para a primeira grande competição internacional de sua carreira, o Mundial Indoor de atletismo, que será disputado de 1º a 4 de março em Birmingham, na Inglaterra.
A trajetória em 2018 é mais do que promissora. Subiu no topo do pódio em quatro provas em que participou, duas nos EUA e outras duas na Europa.
Na mais importante disputa, no Meeting Indoor de Madrid, no último dia 8, superou o português Nelson Évora, ouro nos Jogos de Pequim 2008, e o cubano Pedro Pablo Pichardo, que tem a quarta melhor marca da história do salto triplo – 18m8cm, registrada em 2015.
Ao exibir uma maturidade incomum para um jovem de 24 anos, Almir não demonstra deslumbramento com sua rápida ascensão na modalidade. Mas reconhece que sua evolução vem impressionando nos círculos do atletismo:
– Não é um coisa normal. Até Madri, ninguém me conhecia, mesmo no meio do salto triplo. Quando as pessoas descobrem que só tenho um ano de treinos no salto triplo, é uma coisa assustadora.
O atleta já mira um bom resultado no Mundial – o que, para ele, seria disputar a final da prova –, mas o foco está voltado para 2020, nos Jogos de Tóquio.
– Quando migrei para o salto triplo, a meta era participar de uma Olimpíada. Agora isso já virou uma realidade – afirma.
Na sexta-feira (16), Almir recebeu ZH para uma entrevista na sede do clube. Confira trechos da conversa.
Em que momento você percebeu que tinha potencial para se destacar no salto triplo?
Foi muito natural. A partir do momento em que a gente mudou (a especialidade de salto), as coisas começaram a acontecer ao natural. Nos treinos, comecei a ver que poderia ter um futuro nessa prova. Fui competir em três provas (salto em altura, em distância e triplo) em São Paulo, nos Jogos Abertos do Interior (em 2016). Competi com os melhores do Brasil e ganhei deles, só perdi para o Jean (Casemiro, então líder do ranking nacional do salto triplo) por um centímetro. E fiz uma marca expressiva, 15m89cm. Por mais que eles estivessem voltando de férias, e eu também estava, o fato de eu não treinar especificamente para aquela prova mostrou que tinha um grande potencial.
Mas essa mudança trouxe incertezas? Porque você já tinha 22 para 23 anos, não era mais um guri que começava no atletismo...
Sim, ficava aquela dúvida: "Será que a gente vai realmente conseguir?". Foi uma mudança bem radical. Eu não tinha mais tempo para perder. Eu estava saindo de uma prova muito técnica, que era o salto em altura, para o triplo, uma prova de porrada. Você sai de saltar para cima e passa a saltar para frente.
Mas você imaginava que conseguiria resultados tão importantes em curto espaço de tempo?
Não. O foco sempre foi 2020 (Jogos Olímpicos de Tóquio). A gente queria trabalhar com calma para 2020. E é o que temos feito, na verdade. As coisas têm acontecido de forma natural, não estamos acelerando o processo para ter resultado. Isso é o mais positivo. Muito treinadores falam que tenho cometido erros técnicos, que ainda tenho muita coisa para aprender no triplo. E eu e o Arataca ficamos muitos felizes com isso. Chegamos a um patamar legal, mas realmente temos muito coisa para melhorar ainda.
Com essa sua rápida ascensão na prova, você já mira o recorde brasileiro, que é de 17m90cm, de Jadel Gregório? E até mesmo superar os 18 metros, o que poucos triplistas no mundo conseguiram?
Isso até agora era uma coisa de outro mundo. É claro que a gente sempre tem aqueles objetivos plausíveis e aqueles que a gente pensa: "Nossa, quem sabe, um dia, possa chegar nisso". Tenho mostrado evolução na prova, o que é importante, mas tenho muita coisa para melhorar ainda. Acredito que isso possa ser uma meta, sim, mas não a curto prazo. Como falei, tem de ser uma coisa natural.
E o que será preciso para evoluir ainda mais no triplo?
Uma coisa importante que tive agora é constância. Não é saltar uma vez bem, é saltar e manter aquele patamar. É ter regularidade. E isso foi o mais importante para mim nessa provas. Não foi chegar lá e acertar um salto de 17m35cm com os melhores do mundo e ganhar a prova. Foi a regularidade. Foi ter acertado 17m19cm (na mesma prova de Madri), um salto em que não tive um bom jump (última fase do salto triplo, quando o atleta projeta o corpo para a caixa de areia) e, mesmo assim, errando, consegui um boa marca. Foi abrir a série saltando 16m96cm, por exemplo. Neste ano, em três competições, já consegui seis saltos acima de 17 metros.
Caso você consiga corrigir essas falhas técnicas no salto, que marca você acredita que poderá chegar em breve?
Nesse salto de 17m19cm, em que errei no jump, que é a minha melhor fase. Sem dúvida, teria sido um salto de 17m60cm (marca que garantiria bronze nos Jogos do Rio 2016). Na última competição (na França), eu tive um fault (tentativa invalidada por pisar na tábua), e o pessoal que estava na pista disse que, por baixo, teria sido um salto acima de 17m70cm. Isso mostra que tenho coisas para acertar, mas que estou no caminho certo.
Você percebeu que seus adversários já estão o enxergando de forma diferente?
Na verdade, isso mudou em Madri. Até então, ninguém me conhecia. Quando cheguei lá, era um guri que havia acertado um salto acima de 17 metros. Isso acontece muito com outros atletas. Mas em Madri já foi diferente. Eu saltei de igual para igual com os caras. Não me apavorei, eles não levaram o salto no nome. É bem difícil chegar na primeira vez e bater de frente com esses caras. Principalmente por serem meus ídolos. Eu vi muitos vídeos deles, especialmente do Évora, que tem um salto muito técnico, e do Pichardo, por ter um jump incrível.
Você costuma assistir vídeos de outros atletas quando está em casa? Você não desliga?
Não... Claro que comecei a acompanhar mais quando migrei para o salto triplo. Acredito que a gente tenha de viver isso, né. São os detalhes que podem fazer a diferença. E eu aprendo muito vendo, estudando, consigo assimilar técnicas assistindo a esses vídeos e levando para a pista. Até porque gosto de trazer novidades para o Arataca. Até na verdade foi vendo o Pichardo que aprendi a fazer o jump.
E como foi a reação do Évora e do Pichardo depois que você ganhou a prova? O que eles disseram?
O Pichardo ficou bem chateado, não gostou muito. Eu até fui cumprimentá-lo, ele só deu um soquinho (faz o gesto unindo as duas mãos) e foi embora. O Évora foi mais receptivo, conversei mais com ele. Ele me deu parabéns e disse para eu continuar, que tenho futuro. Até depois o encontrei em treino na pista e conversamos mais. O Pichardo, não muito. Os cubanos são mais marrentos (risos)...
Você já se considera favorito a subir no pódio no Mundial Indoor?
Não, de forma alguma.
Sério mesmo?
Sério. O meu objetivo é ser finalista da prova. A partir do momento que se chega à final de um Mundial, todos têm a mesma chance. Estou focando nisso. Eu não penso neles (adversários), nos resultados. Penso naquilo em que trabalhei e no que eu posso fazer. Então, não sinto essa pressão de estar entre os melhores do mundo. Eu tenho me dedicado muito, só penso em ter tranquilidade para aproveitar essa oportunidade da melhor forma possível. Eu me vejo mais apto para brigar na competição, mas os favoritos são eles.