O silêncio era regra quando Jaqueline e Sandra encontravam Adriana e Mônica durante a Olimpíada de Atlanta, em 1996. Não havia qualquer intimidade entre as duplas que fizeram história ao disputar a final toda brasileira do vôlei de praia.
— Existia só uma cordialidade, de cumprimentar com educação. Mas elas eram adversárias, a gente não ficava muito de conversa — admite Jaqueline, a Jackie Silva, campeã daqueles Jogos ao lado de Sandra.
— A gente até falava um pouco com a Sandra, mas a Jaqueline era um pouco mais distante. Nosso sentimento também era de ter algo totalmente profissional, então isso nunca foi algo que nos deixou ressentidas — conta Adriana Samuel, parceira de Mônica.
Imagine o climão, portanto, quando a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) hospedou todo o vôlei de praia em uma casa próxima a Atlanta antes do início dos Jogos. Havia o cuidado das duas duplas brasileiras não treinarem no mesmo horário e a distância nas relações era evidente.
— Não tinha nada a ver treinar juntas, por exemplo. Eram adversárias mesmo. A gente batia bola mais com os meninos — lembra Adriana.
Mesmo que existisse alguma frieza na convivência, Jaqueline e Sandra não viam nas compatriotas as principais adversárias olímpicas. A história da parceria de ouro havia iniciado em 1993. Jackie, experiente levantadora do vôlei de quadra nos anos 1980 que, depois, fizera carreira nas areias dos Estados Unidos, animou-se com a inclusão da modalidade nos Jogos. Mas precisava de uma parceira brasileira. Encontrou a jovem Sandra. Não demorou para que se destacassem como a principal dupla do Brasil. A competição na Olimpíada, calculavam, seria contra as americanas.
Já Adriana e Mônica eram fortes no circuito brasileiro. Adriana reconhece que havia uma disparidade:
Não tinha nada a ver treinar juntas, por exemplo. Eram adversárias mesmo. A gente batia bola mais com os meninos.
ADRIANA SAMUEL
Sobre a relação com Jackie/Sandra
— Elas estavam realmente acima. Nós estávamos muito felizes de chegar à final.
Antes da decisão, porém, havia muito caminho a se trilhar. Assim que a Olimpíada começou, Jackie e Sandra alugaram outra casa, esta próxima da arena do vôlei de praia, onde se hospedaram com seu treinador. A campanha foi avassaladora, passando sem muitas dificuldades pelas adversárias.
O primeiro embate entre as duplas brasileiras viria na quarta rodada, e Jackie e Sandra confirmaram o favoritismo ao vencer com sobras por 15 a 4.
Adriana e Mônica, a essa altura, já haviam batido uma das duplas americanas, algo que as colocou em situação privilegiada. Mesmo com a derrota, tinham a chance de disputar a semifinal, em que bateram as australianas e viram as compatriotas atropelarem o outro time dos Estados Unidos. Estava confirmada a decisão tupiniquim.
A gente demorou um pouco para se acostumar com aquilo. Passamos toda a preparação e a Olimpíada com as adversárias sacando em mim.
JAQUELINE
Sobre a estratégia das adversárias de mudar o destino do saque na final olímpica
Daí veio o inusitado. O Comitê Olímpico do Brasil (COB), preocupado com a possibilidade de alguém apontar privilégios a Jaqueline e Sandra por se hospedarem em local diferente das adversárias, pediu que as futuras campeãs olímpicas dormissem na vila na noite que antecedia a final. Contrariadas, se instalaram no mesmo apartamento que as rivais (atletas do vôlei de quadra também estavam hospedadas ali). Jackie sugeriu à parceira que acordassem bem cedo, para nem ter que cruzar com as adversárias no dia da final. Quando Adriana e Mônica despertaram, as oponentes já tinham partido.
O reencontro foi na areia e contou com uma surpresa. O placar dilatado do primeiro confronto fez Adriana e Mônica repensarem a estratégia. Por conta da habilidade de Jaqueline nos levantamentos e a potência de Sandra para atacar, todas as adversárias da dupla costumavam sacar em Jaqueline, para que ela recepcionasse, o que forçava Sandra a levantar e a própria Jaqueline a atacar. Mas Mônica sugeriu que o saque fosse em Sandra. E, ao menos durante o primeiro set, deu certo.
— A gente demorou um pouco para se acostumar com aquilo. Passamos toda a preparação e a Olimpíada com as adversárias sacando em mim — lembra Jaqueline.
Ainda assim, Jackie e Sandra levaram o primeiro set por 12 a 11. No segundo, mais habituadas, fizeram valer sua superioridade com um 12 a 6.
Terminada a decisão, as brasileiras pareciam ter deixado para trás qualquer traço de animosidade. O momento histórico do primeiro ouro do esporte feminino do país e de uma final disputada só por atletas daqui era maior. A comemoração foi efusiva e uniu aos quatro.
— A prata teve um gosto especial muito porque a gente teve a chance de ouvir o nosso hino, o que só foi possível porque perdemos para outra dupla do Brasil — conta Adriana.
A cena do quarteto sorridente no pódio de Atlanta se repetiu em homenagens recebidas em 2016, quando o feito completou 20 anos. Já longe das batalhas nas areias, as quatro lembraram aos risos das caras fechadas daqueles tempos e da "fuga" de Jackie e Sandra da vila ao nascer do Sol, em um dos dias mais marcantes da história do esporte brasileiro.