Gustavo Borges recém havia voltado da consagração em Barcelona, onde conquistou a primeira medalha olímpica da carreira (prata, nos 100m livre), quando Fernando Scherer roubou a cena do Troféu Brasil de 1992.
A primeira impressão daquele catarinense de cabelos loiros e esvoaçantes, que o renderam o apelido de Xuxa, era de um talento a ser lapidado. Gustavo ainda não o via como um concorrente perigoso. Mas os resultados começavam a dizer o contrário. Já naquela competição, Xuxa venceu os 50m e os 100m livres. Era o início um confronto que, apesar de duro dentro d'água, não barrou uma amizade que sobreviveu ao fim da carreira dos dois.
Nos anos 1990, Gustavo morava nos Estados Unidos e nadava pela Universidade de Michigan. Planejava cada temporada para estar no melhor nível nas competições universitárias americanas. Quando disputava as provas no Brasil, normalmente não chegava no auge. Nos anos antes do surgimento de Xuxa, vencia mesmo assim. De repente, o cenário havia mudado:
— Já tinha adversários fortes lá fora e, de uma hora para outra, surgia esse cara para me desafiar no Brasil. Com essa, eu perdi sete vezes consecutivas o Troféu Brasil pra ele.
Quando estou ao lado do Xuxa, viro o cara mais sério do mundo (risos). Nem acho que eu seja assim, mas ele sempre teve esse jeito mais piadista.
GUSTAVO BORGES
Para Xuxa, a rivalidade era um caminho para torná-lo competitivo em nível internacional. Tinha consciência de que nadar contra Gustavo era um desafio tão complicado quanto enfrentar, por exemplo, Alexander Popov, o russo que dominava as provas de velocidade da época. Ao mesmo tempo que a concorrência impulsionava os dois na piscina, se estabelecia uma relação próxima fora dela. As personalidades, muito diferentes, não eram problema. O jeito brincalhão de Xuxa contrastava com a sobriedade de Gustavo.
— Quando estou ao lado do Xuxa, viro o cara mais sério do mundo (risos). Nem acho que eu seja assim, mas ele sempre teve esse jeito mais piadista — diverte-se Gustavo.
As participações juntos em equipes brasileiras estreitaram a amizade, e os dois chegaram com tudo aos Jogos de Atlanta, em 1996. Gustavo foi bronze nos 100m livre e ainda levou a prata nos 200m livre.
— Eu chorei muito e fui abraçar ele depois da prata. Já sabia bem o que significava aquilo — lembra Xuxa.
Eu vou voltar com uma! Se eu não ganhar, roubo uma sua!
FERNANDO SCHERER
Brincando com Gustavo Borges durante a Olimpíada de Atlanta, em que o rival conquistou duas medalhas antes de Xuxa vencer os 50m livre
Mas o catarinense, a essas alturas já sem a cabeleira do início da carreira, andava decepcionado durante a Olimpíada. Nos 100m, ficou na quinta colocação. Quando passava pelo quarto de Gustavo, via as duas medalhas e brincava:
— Eu vou voltar com uma! Se eu não ganhar, roubo uma sua!
Não precisou. Nos 50m livre, Xuxa levou o bronze.
Nos anos seguintes, firmou-se de vez entre os melhores do mundo. Em 1998, terminou a temporada com o melhor tempo dos 50m e dos 100m livres. Parecia se encaminhar para triunfar na Olimpíada de Sydney. Mas veio o acaso.
Torceu o tornozelo em casa e rompeu três ligamentos há cinco semanas dos Jogos. Dificilmente reuniria condições para competir. Vieram pedidos para que tentasse disputar, ao menos, o revezamento 4x100m livre. Mesmo depois de muita fisioterapia, passava longe da forma ideal quando pulou na água para as eliminatórias.
Não nadou bem, mas o Brasil se classificou. Gustavo o chamou e pediu para abrir o revezamento na final, o que normalmente era tarefa do amigo. A lesão prejudicava a largada. A entrada em outro momento da prova poderia ser interessante porque o pulo na piscina em meio ao revezamento é mais facilitado pelo impulso dos braços. Mas Xuxa não queria. Argumentava que há anos abria o revezamento e dizia que podia melhorar o desempenho. Gustavo respondeu que, se o companheiro estava convicto, não iria duvidar. Com a formação mais frequente do revezamento, Xuxa abriu a prova e melhorou em um segundo o tempo das eliminatórias. Gustavo fechou para dar o bronze ao Brasil, junto com Carlos Jaime e Edvaldo Valério.
— O Gustavo foi decisivo naquele momento. Se eu não abrisse o revezamento, perderia o pouco de confiança que tinha — elogia Xuxa.
Em Atenas 2004, Gustavo pendurou a touca. Pouco tempo depois, foi a vez de Xuxa. Até hoje, dois dos mais talentosos nadadores da história do Brasil se encontram com alguma frequência para bater papo e relembrar as peripécias daqueles tempos.
— A gente se aposenta, mas, de alguma forma, permanece atleta. Esses encontros recuperam isso e, relembrando, a gente também rejuvenesce um pouco e dá risada daquelas histórias — conta Gustavo.