Passado um ano do acidente da Chapecoense, a incerteza é uma fiel companheira das famílias das vítimas. Além de lidar com o luto da perda, os familiares batalham em busca de indenizações que até agora não vieram.
A mais polpuda delas seria do seguro da aeronave. A apólice, no valor de US$ 25 milhões (pouco mais de R$ 80 milhões), seria dividida entre as famílias dos 64 brasileiros mortos, mais os quatro sobreviventes. Para cada um, o montante seria de US$ 367.647,05 (R$ 1.184.290,17). Mas as famílias ainda não viram a cor desse dinheiro.
De acordo com os familiares, a seguradora e a resseguradora (devido ao alto valor da apólice, duas companhias foram contratadas para fazer o seguro) apresentam os mais variados argumentos para não pagar o valor.
— Sequer tivemos acesso a uma informação exata em relação ao seguro. Há uma informação de que o valor não vai ser pago porque a apólice estava vencida, ou que existe uma limitação geográfica, ou pelo fato de ter sido pane seca. Também teria uma informação de que o avião não poderia voar sobre a Colômbia, sendo que o destino do avião era a Colômbia... Não é um contrassensso isso? — questiona Mara Paiva, viúva de Mário Sérgio e vice-presidente da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C).
Houve uma proposta da seguradora de pagamento de US$ 200 mil (R$ 643.374,85) para cada família, que não foi aceita.
— Como foi um acidente com repercussão mundial, eles ajudariam as famílias com um fundo humanitário. Só que nós teríamos de dar quitação à seguradora, à resseguradora, à LaMia e aos proprietários da aeronave. Se aparecer uma informação de que nós teríamos direito a alguma coisa a mais, perderíamos totalmente o direito de pleitear. Se nós não temos informações objetivas, como vamos dar quitação? — diz Mara.
Enquanto batalham para receber os valores a que têm direito, as famílias buscam meios de sobreviver. Segundo a AFAV-C, já há viúvas passando por dificuldades financeiras.
Após a tragédia, as famílias dos jogadores receberam um valor correspondente a 40 salários dos atletas, calculado a partir da remuneração que constava em suas carteiras de trabalho. A indenização era uma soma do seguro contratado pela Chapecoense, de 28 salários, e o da CBF, de 12. Há viúvas de atletas que contestam na justiça os valores, com o argumento de que a remuneração de seus maridos era bem maior, contando direito de imagem e premiações.
Outros familiares de vítimas dizem ter recebido valores quase simbólicos. São os referentes a prestadores de serviço do clube. O médico e o preparador físico, por exemplo, não eram contratados no regime da CLT. A Chape argumenta que todas as famílias receberam algum tipo de auxílio.
O clube foi acionado, até aqui, em 12 processos trabalhistas e sete cíveis (três deles pedindo exibição de documentos e quatro pleiteando indenizações). Após um primeiro momento difícil, em que parte dos familiares protestaram com veemência contra o tratamento dispensado pela Chape às famílias, nos últimos meses abriu-se um canal de diálogo.
— Primeiramente, temos de respeitar a dor e as ausências das pessoas que não estão mais aqui. Temos participado de um grupo de trabalho e estamos chegando ao quarto encontro com as associações de familiares das vítimas — destaca Fernando Mattos, diretor de comunicação da Chapecoense.
Além da AFAV-C, que presta assessoria jurídica e atua na busca dos direitos das famílias, há a Associação Brasileira das Vítimas do Acidente com a Chapecoense (Abravic), que dá assistência financeira e psicológica. Mara concorda que o relacionamento com o clube evoluiu:
— O clube abriu uma linha de comunicação. Começamos a conversar a respeito das famílias. Até então, a relação foi muito difícil, eles se sentiam responsabilizados só por famílias de jogadores. Como a nossa associação fala de todas as famílias, indistintamente, nós exigimos deles que nos ouvissem e entrassem conosco nesse movimento de ajuda. Ir atrás das informações do seguro, das investigações, para que pudéssemos levantar informações.
Recentemente, o Ministério Público Federal de Santa Catarina (MPF-SC) concluiu que a Chapecoense não foi negligente ao contratar a LaMia para fazer o transporte da delegação. A AFAV-C afirma que irá submeter a conclusão do MPF-SC à análise de seu corpo jurídico. As investigações conduzidas na Colômbia e Bolívia ainda não foram encerradas.