Ainda jovem, em São Paulo, Marcos Falopa se encantou com o filme Lanceiros de Bengala. A produção, ambientada na Índia, retratava as batalhas de uma tropa da cavalaria britânica em lugares hostis. Desde então, o místico país asiático ficou no imaginário do paulistano, que, mais tarde, viria a se tornar diretor técnico e treinador.
Aos 67 anos, mais de 40 deles dedicados ao futebol, Falopa acredita ter no sangue o espírito desbravador. Em reportagem publicada pela revista da Fifa em 2008, o brasileiro é descrito como um nômade. E não à toa. Afinal, esteve a trabalho — seja disputando jogos, treinando ou ministrando cursos — em cerca de cem países. Entre eles, a Índia, é claro, onde trabalhou em 2013. Enfrentou terremoto, furacão e ditadura militar. E por quê? O próprio treinador explica:
— Para se aventurar, conhecer e desenvolver o futebol, além da necessidade de mercado e pela vontade de ajudar.
Tudo começou na década de 1970. Após tentar a carreira como jogador — chegou a ser volante do antigo Saad (da cidade de São Caetano) —, começou a cursar Educação Física. Quando fazia estágio na Portuguesa, foi descoberto pelo lendário técnico Otto Glória.
— Ele me disse: "Tu não vai ser preparador, vai ser treinador e conhecerá o mundo" — recorda Falopa.
Não demorou para que fizesse a primeira viagem a trabalho. Em 1976, como um dos representantes da Confederação Brasileira de Desportos (a CBD, precursora da CBF), ministrou curso nos Estados Unidos. Voltou e assumiu como auxiliar técnico do Marília, time do interior de São Paulo. Indicado por Otto Glória a um empresário, em 1979 arrumou as malas e foi para o Catar, na época um destino desconhecido dos brasileiros.
— Um professor me falou: "O que tu vai fazer? Lá só tem petróleo". E, realmente, era tirar leite de pedra, não tinha futebol. A gente teve que montar as coisas. E agora, você vê, vão organizar uma Copa — comenta.
Depois disso, Falopa não parou mais de rodar o mundo. Trabalhou em clubes e seleções nos quatro cantos do planeta. Na África, treinou um clube no Camarões. Lembra que quando acabava o jogo, cortava a selva com o time em um ônibus escolar (daqueles que vemos em filmes). Acredita até ter consumido alimentos exóticos.
— Uma vez, vi um cara com dois macacos. Ele disse que a carne era uma delícia. Depois das partidas, nos levavam para o que chamavam de banquete. Talvez tenha comido algum macaco por lá. Brinco que talvez por isso eu pulava tanto nos treinamentos (risos).
Na Europa, morou na Itália, onde participou de um projeto com refugiados e fez o curso de técnico da Uefa. A maior dificuldade, porém, foi encarar um terremoto. Também estudou na Espanha, a convite da confederação de futebol local. No Japão, sagrou-se campeão com o Nagoya Grampus. Na Copa de 1990, atuou como observador técnico da Fifa. E, mais tarde, nomeado como instrutor técnico da entidade, função que exerceu por 19 anos. Só nas américas Central e do Norte, circulou por 35 países para desenvolver o futebol. Seu livro de 50 páginas, O jeito brasileiro de jogar futebol, foi publicado e distribuído pela Concacaf às entidades filiadas. Em cursos de cinco a 15 dias, ministrava aulas e distribuía equipamentos de jogo. Comandou a seleção de Barbados e, por curtos períodos, as equipes nacionais de Cuba e São Cristóvão e Nevis.
— Futebol é igual em todo lugar, a bola é redonda. Em todo lugar tem talento, claro que uns mais e outros menos — opina.
Ainda trabalhou no Bahrein e Emirados Árabes e deu curso em Guiné-Bissau. Na seleção da África do Sul, de 2002 a 2004, atuou como diretor técnico e treinador. Também ministrou aulas do Programa Futuro I e Futuro II, da Fifa, na Oceania, em países diminutos como Samoa, Vanuatu e Tonga. Na federação nacional de Omã, atuou na formação de atletas. Na Índia, precisou tomar cinco vacinas para estar apto a treinar um time do país. Com a seleção de Myanmar, foi campeão da Chalenge Cup, competição com equipes do sudeste da Ásia. Nesse país, viu de perto os efeitos da ditadura militar.
— O exército começou a sumir com os caras — revela Falopa.
Certa noite, recebeu ligação de um jornal italiano, que buscava informações sobre a situação no país. O técnico disse que não podia falar, já sabendo que poderia estar com o telefone grampeado. No outro dia, foi procurado por militares para saber como estava a situação da equipe. Percebendo a abordagem diferenciada, disse que havia sido procurado por um jornal esportivo para comentar sobre a seleção.
— Lógico que eles sabiam que eu tinha recebido a ligação — recorda.
Ainda em Myanmar, resolveu rebatizar seus jogadores pelas características físicas. O calvo virou Zidane, o cabeludo, Ronaldinho Gaúcho. O time era completado por Cafu, Kaká e Sócrates. Outra dificuldade é que não podia fazer amistosos. A saída era jogar contra o time do exército. E nas Eliminatórias, não tinha a permissão para jogar em casa _ tinha de atuar na Indonésia ou na Malásia.
A parte de psicologia, de motivação, aprendi com os americanos. No Japão, aprendi disciplina, a respeitar os horários. E na Birmânia (Myanmar), aprendi a meditar.
MARCOS FALOPA
Treinador
Casado pela segunda vez, o treinador tem como companhia de aventura a atual mulher, Ana Luiza. Os dois filhos, Américo e Júnior, também acompanharam o pai em muitas viagens. Agora adultos, cada um seguiu a própria trajetória, mas as andanças pelo mundo ajudaram, principalmente, na questão do idioma — ambos são fluentes em inglês.
Falopa conta que os anos desbravando os cinco continentes serviu para fazer um pé-de-meia, para tornar-se poliglota (fala inglês, francês, espanhol, italiano, português e arranha o árabe) e, principalmente, para estudar e aprender com as diferentes culturas.
— A parte de psicologia, de motivação, aprendi com os americanos. No Japão, aprendi disciplina, a respeitar os horários. E na Birmânia (Myanmar), aprendi a meditar.
Atualmente, o brasileiro está vinculado à seleção das Ilhas Virgens Britânicas, uma colônia inglesa com cerca de 25 mil habitantes situada no Caribe. Lá, o futebol é apenas o quinto esporte, atrás da vela, atletismo, basquete e críquete.
— É duro achar jogador. Tem um campeonato nacional, mas os times são amadores e o pessoal vem de outras ilhas para jogar — explica o treinador, que precisou deixar o território por causa do Furacão Irma.
O ciclone tropical devastou as Ilhas Virgens Britânicas e espalhou os jogadores da seleção, que buscaram abrigo nos Estados Unidos, na Jamaica e na Guiana. E fez, inclusive, o treinador repensar a vida. Durante a passagem do fenômeno, ele, a mulher e o cachorro Fly precisaram ficar por seis horas trancados em um banheiro, enquanto a força do vento ameaçava arrombar as portas e janelas de sua residência. Depois, acabou resgatado por tropas inglesas.
Devido ao pânico provocado pelo furacão, o treinador não pensa em voltar ao Caribe. Deseja uma nova oportunidade no Brasil (já foi supervisor do Santos e trabalhou no Palmeiras, entre outros clubes).
— Quero ficar um bom período por aqui. Já joguei partidas difíceis, mas essa (Irma) foi a mais difícil da minha vida — conclui Falopa, um legítimo andarilho da bola.