Ele só tem 19 anos, vive fazendo cara de chorão, mas é categórico em dizer que não sente pressão. E Gabriel Fernando de Jesus tem feito questão de demonstrar que não é mera “frase feita” de boleiro.
No Palmeiras, marcou 28 gols e ganhou o Brasileirão e a Copa do Brasil. Na Seleção, vestiu a 9 e meteu cinco gols em seis jogos. Na Olimpíada, marcou três vezes e botou o ouro no peito. No Manchester City de Pep Guardiola, estreou com três gols em três partidas. Um centroavante nato, jovem e com a capacidade de se adaptar como um camaleão.
– Claro que tenho sentimentos, mas sou frio e isso me ajuda a lidar com a pressão. É algo muito normal e natural. Não posso ser tímido – declarou nas primeiras entrevistas após assinar com os Citizens.
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Mas não é só de frieza e talento que tornam as mudanças tão simples para Gabriel. Ele também é sustentado por outro tripé: as origens, a família e a “cabeça boa”. Criado ao lado de três irmãos pela mãe Vera Lúcia no paupérrimo bairro Jardim Peri, na zona norte de São Paulo, Jesus aprendeu desde cedo que sem perseverança e coragem jamais vingaria.
– É um jogador diferenciado, muito centrado e que tem a família por perto. A mãe do Gabriel está sempre próxima. Ele só tem a melhorar. Não se deslumbra com nada – avalia Cléber Xavier, auxiliar técnico de Tite na Seleção Brasileira.
Convite para jantar com Guardiola e o "irmão" Fernandinho
Não é em vão que tatuou “JD Peri” no antebraço e levou a mãe e o irmão Felipe para morar com ele em Manchester. Ter a família próxima o faz sentir-se em casa, não importa onde o GPS sinalize. Outro pilar para a rápida adaptação é o técnico Guardiola.
Após ligar para o atacante para convencê-lo a jogar no City, o espanhol o convidou para jantar na sua primeira ida à cidade. Dividiu a mesa com o agora “irmão mais velho”, o volante Fernandinho, que abraçou o novato e tem sido a referência dele para superar a barreira do idioma, adaptar-se à cultura local, fora de campo, e ao rigor tático e marcação dura nas quatro linhas.
– Estou aqui para ajudá-lo. Ele quer aprender muita coisa, como a língua inglesa. Já está tentando falar algumas palavras. Nos treinos, fica dizendo: “Good morning e how are you? (Bom dia, como você está?) – contou Fernandinho à imprensa britânica.
O volante também tem sido confidente de Jesus na Seleção Brasileira. Após fechar contrato com o City até 2020, em um negócio de 32,75 milhões de euros (mais de R$ 120 milhões), Gabriel sabatinou Fernandinho sobre como é a vida na Inglaterra.
– Fiquei muito confortável com tudo o que (Fernandinho) me disse. Ele é alguém que é muito importante para a minha chegada – disse o atacante, que também pediu conselho para colegas de Palmeiras, como Zé Roberto, 42 anos, que jogou na Europa.
Nas primeiras entrevistas em Manchester, Gabriel foi elogiado pela diplomacia e coerência no discurso. Mas quer falar mais. Tanto que pediu, poucos dias após desembarcar, a indicação de um professor particular para aprender inglês.
O atacante também quer interagir mais com os fãs – criou no fim do mês passado uma conta no Twitter, que já soma mais de 81 mil seguidores. Em campo, porém, Gabriel não precisa de tradutor. Os três gols em três jogos tiveram repercussão imediata.
O tabloide The Sun o definiu como “Doce Jesus”. Para o Manchester Evening News, o camisa 33 virou o “salvador”. O jornal Mirror sentenciou: “Nasce uma estrela”. A impressão positiva foi endossada também pelos novos companheiros de time:
– Às vezes é difícil para um atacante chegar à Premier League. Mas o que tenho visto nos treinos e jogos é que ele não se importa com isso. Quer a bola, tenta. Terá um grande futuro – afirmou o lateral argentino Pablo Zabaleta ao Mirror.
De peça perfeita no City à profecia do primeiro técnico
O bom desempenho fez Guardiola deixar o ídolo local Sergio Agüero – 154 gols no City desde 2011 – no banco. A decisão gerou controvérsia, e o argentino fala até em sair do clube. Para Pep, porém, Jesus não é aposta, mas convicção.
– Faltava no elenco de Guardiola quem fizesse a função de falso 9, que ele próprio inventou com Messi, ainda no Barcelona. Pep testou vários jogadores e ninguém a executou com eficiência. Então, Jesus virou a opção perfeita, pois a fazia no Palmeiras e na Seleção. É por isso que vem se adaptando rapidamente aos conceitos táticos – analisa Gustavo Fogaça, analista de desempenho e editor do blog Esquemão.
Na segunda-feira, contra o Bournemouth, pelo Inglês, a tendência é de que o brasileiro siga como titular. Sedento por jogar, o atacante confidenciou que não precisa ser escalado com cautela ou poupado, pois é jovem e não sente cansaço.
– Sabemos que ele é forte psicologicamente. Jesus é um lutador, com instinto para o gol – resumiu o técnico Pep Guardiola.
Com uma adaptação tão rápida em uma das maiores ligas do mundo, o que se pode esperar de Gabriel em um futuro breve? Primeiro técnico do guri no amador Pequeninos do Meio Ambiente, José Francisco Mamede não titubeia:
– Ele cresceu num bairro pobre e não tem medo de nada. Vai se adaptar à comida, ao frio de Manchester, a tudo. Em três anos, vai ganhar a Bola de Ouro porque Messi já estará um pouco velho – declarou, em dezembro, à agência AFP.
O otimismo soa ousado demais para um recém-chegado na Europa. Mas, na terra da Rainha, alguém duvida que o camaleão possa virar rei?
Promessa sob a tutela de Tite e Guardiola
Quando assumiu a Seleção, Tite enfatizou que queria jogadores desempenhando funções semelhantes às que fazem nos clubes, facilitando o entrosamento. Para Gustavo Fogaça, analista de desempenho e editor do blog Esquemão, o fato de Jesus estar sob o comando de Pep Guardiola, que tem estilo semelhante ao do técnico brasileiro, pode torná-lo ainda mais efetivo com a amarelinha:
– Guardiola tem características de coaching, de pegar pelo braço e ensinar coisas novas. Vai transformar Jesus em um grande jogador. O Douglas Costa soube aproveitar a chance no Bayern de Munique e evoluiu muito – observa.
Auxiliar técnico de Tite, Cléber Xavier destaca que um dos pilares da Seleção é trabalhar em parceria com os clubes. Ao frisar os conceitos semelhantes entre o técnico da Seleção e Guardiola, ele vê com otimismo a evolução de Jesus:
– Gabriel faz tarefas muito importantes no futebol moderno, como ajudar na marcação, vindo roubar a bola atrás do volante, e fazer a pressão alta e a compensação, recompondo e fechando espaços. E, no ataque, tem alta qualidade e está sempre bem posicionado.
Fogaça alerta, no entanto, que a tendência é de que, diante do bom início na Inglaterra, os marcadores o estudem e criem dificuldades:
– Ele vai ser mais vigiado, mas é um grande jogador. Além disso, encaixa-se na ideia coletiva do Guardiola, sem ter de se adaptar a conceitos em construção. Pep pinçou Jesus, que caiu como luva. Não tenho dúvida que fará a mesma função no clube e na Seleção, pois Tite e Guardiola veem nele as mesmas características.
Para Xavier, a personalidade de Jesus pode acelerar sua afirmação:
– Isso vem de casa, dos princípios e do trabalho ao longo da carreira. Também passa por entender o jogo. O Gabriel, em nenhum momento, nos passa a sensação de estar sob pressão. Encara numa boa o contato com zagueiros que jogam firme. Claro que terá fases difíceis, todos têm, mas a tendência é de que durem muito pouco – observa o auxiliar, que viajará com Tite e a comissão à Europa nos próximos dias para duas semanas de observação de treinos e partidas de jogadores da Seleção, incluindo Jesus.