Sobre um colchão estirado na varanda e um punhado de almofadas, Alan Ruschel descansava na tarde abafada de domingo após comer o primeiro churrasco desde o acidente que sofreu com os companheiros da Chapecoense, na madrugada de 29 de novembro. Depois de uma recepção surpresa de familiares, vizinhos, amigos e gente que nem conhecia, foi o primeiro dia do lateral em casa, no centro de Nova Hartz, cidade de 22 mil habitantes em que o lateral cresceu.
Ao longo do domingo, Alan recebeu os abraços dos irmãos (e as piadas também, como o fato de ele estar degustando um picolé ao invés de cerveja para espantar o calor de 34ºC), os mimos dos pais, o carinho da noiva e atendeu as visitas que, de tempo em tempo, batiam à porta para rever o camisa 89. Ele também atendeu a imprensa. Leia a entrevista:
Como é estar de volta em casa?
Não tem sensação melhor, né? Quando eu soube do acidente, tu tem uma mistura de sentimentos. De felicidade por estar vivo e de perda, de luto, perdi vários amigos. E agora chegar em casa e sentir o calor da tua família... São coisas simples, que a gente não dá muita bola. Todo final de ano faço um churrasco aqui para os amigos, mas agora é diferente. Foi emocionante ser recebido por gente até que eu não conhecia e que rezou por mim.
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Algum hábito que está com saudade e conseguiu finalmente sanar?
Eu tinha vontade mesmo disso aqui, estar aqui com meus irmãos, meu pai, minha mãe, minha mulher, meus amigos. Estar fazendo um churrasco aqui e fazer o que sempre fiz em Nova Hartz, de reunir todo mundo. A falta do carinho que eu sentia.
E o churrasco, já pode comer?
Comi, comi sim. Posso comer tudo. E os médicos ainda me indicaram comer bastante proteína, bastante carne, pra poder engordar. Emagreci 10 quilos nesses 17 dias que eu fiquei internado.
E o chimarrão?
Tomei já hoje de manhã quando acordei. Tudo se encaminhando perfeitamente bem. Retomando a vida.
Como está a recuperação?
Os médicos me pediram para caminhar bastante, porque minha fisioterapia hoje é a movimentação, caminhar, (desenvolver) a coordenação motora. Eu não perdi movimento nenhum, graças a Deus, mas por conta da lesão nas costas, tive que aprender a caminhar de novo.
E os planos de voltar a jogar?
Os médicos me deram três meses para fixar a coluna. E mais dois, três meses para ganhar massa muscular, ganhar o que perdi. Então, pretendo voltar a jogar em cinco, seis meses. Os médicos acreditam que eu consigo. Eu, com minha força de vontade, também acredito.
Vai voltar à Chapecoense?
Sim, quero voltar a jogar na Chapecoense.
Mas segue emprestado pelo Inter?
Sim. O Inter também abriu as portas pra mim, pediu pra eu voltar, disse que podia me recuperar e fazer tudo que tem pra fazer ali. Agradeço de coração, mas acho que vai ser legal eu fazer o tratamento lá na Chapecoense. Para o pessoal sentir a minha presença, a do Neto e a do Follmann também.
Em que você se apega nesse momento?
Eu me apego em Deus. Religião tem várias, mas Deus tem um só. Hoje eu sou um milagre de Deus. Eu, Follmann, Rafael, Neto e outros dois. Tive dois milagres numa mesma noite: primeiro de estar vivo, o segundo de estar andando. Porque os médicos disseram que a lesão foi muito grave. Então eu só tenho que agradecer a Deus e ao mundo inteiro que orou por mim.
Tem falado com colegas sobreviventes?
Sim, falei com o Follmann lá no hospital ainda, na Colômbia, antes de ele ir pra São Paulo. A gente conversou um pouco. Ele não quis falar do acidente. Ele não quer saber quem se foi, quem ficou. Eu respeito ele. Eu tenho uma amizade com o Follmann fora do futebol. Ele inclusive ia ser o padrinho do nosso casamento. Ia não, vai ser. E o Neto foi um cara que fiz amizade esse ano e quero levar pra vida toda. Ele é um cara divino, um amor de pessoa.
Sobre o acidente, você chegou a trocar de lugar no avião, certo?
Sim, troquei. Eu estava sentado sozinho nas últimas poltronas. E aí... (começa a chorar). E aí o Cadu (Eduardo Luís Preuss, que atuava como diretor da Chapecoense) pediu pra eu trocar, porque os jornalistas iam atrás. Eu olhei pro Follmann, ele ficou olhando pra mim. Ele me chama de Rato, e aí ele falou: "Ô, Rato. Senta aqui comigo". Daí eu peguei minhas coisas e fui sentar com ele. (choro) E ele salvou minha vida.
Lembra do acidente?
Isso foi a ultima coisa que eu lembro. Eu estava trocando uma mensagem com a Marina (noiva) no WhatsApp. E lembro que falei pra ela que não estava conseguindo ouvi-la direito, porque os guris estavam tocando um pagode, o Kempes (atacante da Chape que morreu) estava tocando um cavaco, essas coisas, e eu falei "assim que chegar na Colômbia eu te ligo". É isso que lembro.
O que fica após essa tragédia?
Fica um aprendizado muito grande, de dar valor para as coisas. A gente reclama de tanta coisa. Eu mesmo reclamava de chegar em casa cansado, assim ou assado, falava com a Marina. Eu estava com uma lesão no joelho e não conseguia jogar, daí quando voltei a jogar, estava demorando pra me firmar como titular. E ela falava pra ter calma, mas a gente que é atleta quer sempre estar jogando. Esse tipo de coisa, que são mínimas. Eu vou procurar viver mais a minha vida, porque não sei o que vai acontecer daqui a 15 minutos. Pra mim, eu ia fazer a última viagem, voltar e ia de férias. Simplesmente hoje eu estou aqui porque caiu o avião. Acho que tenho que aproveitar mais a vida, aproveitar bem e fazer o bem, que é o que o mundo precisa, de pessoas melhores. O que aconteceu poderia ter sido evitado, então, fazer o bem que não faz mal a ninguém.
Veja fotos do jogador em sua casa em Nova Hartz:
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