O grande rival do Huachipato passou por um drama similar ao vivido por Grêmio e Inter em maio. No tsunami de fevereiro de 2010, que devastou parte da costa sul do Chile, o Naval, de Talcahuano, teve o seu estádio, o El Morro, totalmente inundado e precisou mandar os seus jogos por mais de três anos em outras praças da região, incluindo o Estádio CAP, onde o Tricolor decide nesta terça-feira (4) a vaga nas oitavas de final da Libertadores.
— O nosso clube praticamente desapareceu. O estádio foi destruído e nos roubaram bolas, medalhas e uniformes. Nenhum clube nos ajudou, e tivemos que recomeçar do zero, sem dinheiro e sem material esportivo, além de lutar constantemente por recursos para reconstruir o El Morro — conta Edogimo Venegas, 66 anos, ex-jogador e atual presidente do Naval, conhecido por ter formado a base da seleção do Chile nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952, e que hoje disputa a terceira divisão chilena.
A reportagem de GZH esteve no El Morro, situado na orla de Talcahuano, às margens do Pacífico, agora remodelado e com um belo gramado sintético no lugar do campo outrora tomado pela lama.
Em 2020, após 10 anos da tragédia, o ex-meia do Naval e então administrador do estádio, Héctor Espinoza, relembrou em entrevista ao diário AS o drama do clube, que, à época, disputava a segunda divisão nacional.
— A força da água foi tão grande que as portas de metal, que se abriam para dentro, foram levadas para fora do estádio. O pórtico estava no meio do campo e no, lugar do gramado, só havia barro, lodo, água salgada, contêineres e peixes por toda parte. O nível da água estava em dois metros — relatou.
Já o Huachipato, adversário do Grêmio nesta terça, sofreu poucos danos em seu estádio, situado longe da costa. Porém, por conta dos estragos na cidade, a equipe precisou fixar sua base por 40 dias na vizinha Concepción. Além disso, o clube perdeu boa parte dos seus uniformes, saqueados durante o auge da tragédia.
Então técnico da seleção chilena, o argentino Marcelo Bielsa percorreu cidades atingidas pelo terremoto e foi um dos porta-vozes de uma campanha nacional de arrecadação de donativos chamada "Chile ajuda Chile".
— Tudo que vi é desolador. Mas estou cheio de esperança, pois as pessoas com quem falei, apesar da dor imensa, estão se reconstruindo. A conversa com as pessoas me deixou otimista. Tenho certeza de que elas vão reconstruir tudo que elas perderam — disse Bielsa, à época.
Por conta dos estragos do terremoto e do tsunami, o Campeonato Chileno 2010 foi paralisado por três semanas, e os dois clubes das regiões atingidas, o Huachipato e o Universidad Concepción, ficaram cerca de um mês sem atuar.
Além disso, o formato da competição foi excepcionalmente modificado, com a abolição do play-offs ao final de cada turno e a adoção, em caráter excepcional, do sistema de pontos corridos com todos contra todos. Ao final, o Universidad Concepción acabou sendo rebaixado, enquanto o Huachipato terminou em 6°, chegando até a brigar por vaga na Copa Libertadores.
Muito mais do que os danos ao futebol, o terremoto de 2010 teve grandes proporções na região de Concepción e Talcahuano, causando mais de 500 mortes e destruindo casas, viadutos, rodovias e ferrovias, além do desabastecimento de alimentos e produtos.
Contudo, vários chilenos relataram à reportagem de GZH em Talcahuano que o povo do país andino, ao contrário do brasileiro, está mais acostumado a lidar com tragédias naturais. Um deles foi o técnico do Huachipato, Francisco Troncoso.
— Estamos muito emocionados com o que aconteceu em Porto Alegre e desejamos aos gaúchos muita força e energia para seguir em frente e que todos tenham paz e tranquilidade o mais breve possível. O Chile está um tanto acostumado com tragédias naturais, e isso acaba gerando no povo uma força para seguir em frente — afirmou, na entrevista coletiva pré-jogo de segunda-feira (3).
O repórter Carlos Campos, do site Sabes Deportes, de Talcahuano, concorda que há o povo chileno possui uma resiliência particular para lidar com desastres naturais. Contudo, o repórter acredita que os clubes chilenos poderiam ter dado mais apoio à população atingida pelo terremoto e pelo tsunami.
— Nós, chilenos, temos de fato uma cultura de nos levantarmos diante de grandes e constantes tragédias. Já vivemos terremoto, tsunami, inundações, deslizamentos de terra, erupções vulcânicas e outros tipos de desastre. Mas o futebol aqui tende a se desconectar da torcida. E não por causa dos jogadores, mas porque os clubes hoje no Chile são empresas que, por vezes, se alienam do povo. Acredito que, em tragédias como a que ocorreu em Porto Alegre, é fundamental que os clubes mostrem empatia com as pessoas e percebam que, embora o futebol seja importante, existem questões muito mais relevantes na vida — afirma.