Toda a Bom Jesus já sabia que Gabriel Carvalho encantaria a torcida do Inter. Talvez não esperassem que fosse tão rápido. Aos 17 anos recém completados, o xodozinho da comunidade da zona leste da Capital está consolidado como titular de Roger, é bem quisto pelos colorados e faz brilhar os olhos de seus antigos vizinhos.
A maturidade demonstrada pelo guri da Bonja contrasta com a idade. Da casca que aparenta ter em ambientes hostis à malandragem de fazer o tempo correr quando está em vantagem, Gabriel ainda não pecou pelo excesso de juventude. São 11 jogos (646 minutos, média de pouco mais de um tempo por partida) de, óbvio, nem sempre brilho. Mas nunca de pior em campo ou de falta de coragem.
Isso, certamente, é fruto das muitas tardes no Estádio do Panamá. Aquilo, sim, é pressão. Não há uma folhinha de grama para contar história no campinho encravado na comunidade, em que, nos dias de semana, carros dividem espaço com a gurizada e levantam a poeirama característica do local. No sábado e no domingo, porém, ai de quem se atreva a cruzar as quatro linhas. Ali é Copa do Mundo. Dois times, uma bola, um árbitro e uma torcida atuante. Um ambiente que faz a Bombonera parecer campeonato da igreja.
Foi naquele lugar que o caçula de 10 irmãos aprendeu o que é futebol. Só que aprendeu tão precocemente que mal teve tempo de disputar os campeonatos no time de seus parentes, o Família Portuga. É que atendeu o chamado do Inter antes mesmo de sair da infância.
A maior promessa do Celeiro de Ases nasceu um ano e um dia depois do primeiro título da Libertadores. Cresceu no meio de gente que anda de camisa vermelha. E isso seria um definidor de sua profissão. Mas antes de ser um trabalhador da bola, Gabriel era um craque. No meio de outros guris do bairro, todos mais velhos, destacava-se muito nos campinhos improvisados para além do Panamá. Alguém, um dia, teve a ideia de filmá-lo. E essas imagens chegaram a Otavio Rotunno, ex-atleta e então observador colorado.
— No treino mesmo, vi que era de outro nível. A bola colava no pé. Nem precisaria teste, podia se apresentar direto no Inter — contra Rotunno.
Gabriel tinha só nove anos. Foi para Alvorada e fez parte da última turma que ainda jogava também futsal, além do futebol de campo. E nunca saiu do clube. Ele é meio que o modelo ideal de base, segundo o gerente de transição e formação, Jorge Andrade:
— Quanto mais jovem o jogador chegar, melhor. Porque cria raízes, desenvolve o DNA do clube. Mesmo se não for gaúcho, vai virar colorado. Isso é fundamental para um guri da base que vai até o profissional. Gabriel é esse caso. Olha a identificação com o clube, a ligação.
Essa identificação, que veio de antes mesmo de chegar ao Beira-Rio (e a Alvorada), foi fundamental para que ele vestisse vermelho. Em determinado momento de sua história, o Grêmio se interessou. Queria levá-lo para o outro lado da cidade. E não veio com pouco dinheiro. Há quem garanta que a proposta era melhor do que a colorada. Mas aí pesou o coração.
E foi no time em que sonhava jogar que Gabriel consegue avançar nos desejos. Nesta data Fifa, por exemplo, está na seleção brasileira sub-20. O time disputou duas partidas contra o México, ambas em São Januário. A partir de terça-feira, junta-se ao grupo colorado para a preparação para o confronto contra o Fortaleza, marcado para 19h30min de quarta, no Beira-Rio, uma das partidas atrasadas do Brasileirão.
Essa viagem ao Rio, inclusive, foi o que impediu Gabriel Carvalho de visitar os irmãos na Bom Jesus nesse período sem jogos do Inter. Caso contrário, estaria por lá. Ele e seus pais se mudaram, mas permanecem em contato diário com os antigos vizinhos. O menino, inclusive, será a atração da inauguração do novo campo de futebol da comunidade, uma parceria da Associação de Moradores com uma empresa holandesa. A cerimônia está prevista para o final do mês.
— Gabriel é um guri do bem, diferenciado na bola desde criança. E agora segue aí, humilde, parceiro. Todo mundo já sabia que ia longe. Ele é um exemplo para a comunidade toda. De que os meninos daqui também podem realizar sonhos — diz Luiz Henrique de Lima, amigo da família e um dos líderes do Centro de Educação Ambiental da Bom Jesus, responsável pela praça que vai virar estádio.
O Gabriel do Beira-Rio não esquece do Gabriel do Panamá e da praça.
Gabriel Carvalho no Inter
- 11 jogos
- 646 minutos
- 1 gol
- 2 assistências