Em meio à tanta tragédia causada pela enchente, ao trauma ter de deixar a casa às pressas com a água batendo no peito, à aflição de ter perdido praticamente tudo o que tinha e da dor de ainda terem levado o pouco que havia restado, Yuri Kaiper, 23 anos, encontrou forças para se sentir grato. Ele é o jovem que, nesse desastre infinitamente maior do que qualquer outro provocado pelo seu clube do coração, pediu um autógrafo para D'Alessandro.
Em uma das visitas a abrigos que o ex-meia do Inter realizou nos últimos dias, uma cena lhe comoveu. Foi a solicitação de Yuri o que mais sensibilizou o argentino. Foi o sorriso do colorado que mais tocou o coração do ex-camisa 10.
A cena aconteceu na quinta-feira (9), no abrigo da Escola de Educação Física da Brigada, no bairro Partenon.
— Foi emocionante pra mim, gratificante pra mim, pra minha família, pro meu filho, que é recém-nascido. Perdi tudo na enchente, saí só com a roupa do corpo. Foi o que (autógrafo) confortou o nosso coração. Foi ele, veio aqui. Eu sou muito grato por tudo o que ele fez para nós, para o clube, por tudo — relata Yuri, em um misto de desabafo e gratidão.
Morador da Ilha das Flores, Yuri saiu de casa na sexta-feira (3). Levou consigo a esposa, o filho Muriel, de dois meses, e o celular. Restaram apenas os três. Logo depois de chegar, o torcedor foi a um mercado nas proximidades do abrigo. No caminho, sofreu um assalto a mão armada em que levaram o aparelho.
— Botaram o ferro na cara do meu filho, com a minha esposa. Só a cena é horrível — conta.
O casaco do Inter não era dele. Não foi com essa roupa que enfrentou a força da água para se salvar. O agasalho foi a primeira doação recebida ao deixar seu lar e tentar absorver o tamanho das perdas.
Abatido com a severidade do cenário, Yuri passa as tardes dormindo. Era o que fazia quando ouviu o burburinho do lado de fora do ginásio. A razão do alvoroço era D'Alessandro. Yuri se levantou, foi rápido e discreto ao mesmo tempo, como se aplicasse uma "la boba" para driblar as pessoas e chegar até D'Alessandro.
— Ele estava com um sorriso por ter me visto lá ajudando — contou D'Alessandro à Rádio Gaúcha.
No dia seguinte ao encontro, Yuri conseguiu um barco para ir até a sua casa. Não sobrou nada. A água ainda estava no teto. O berço de Muriel se foi. Todos os móveis se foram. O seu sustento também se perdeu.
— O berço tinha uma semana que eu tinha montado. Cena de horror. Eu só chorava dentro de casa. Tinha uma lavagem de carros. Jato, aspirador de pó, perdido tudo.
Apesar do quadro de devastação total, Yuri achou conforto no autógrafo do ídolo. Um consolo que ameniza o sofrimento desses dias de perda e que será guardado para sempre.
— Isso a gente reconstrói de novo. Quero agradecer o D'Alessandro, que é um ídolo, uma lenda. Força. O resto a gente conquista. O importante são as nossas vidas e os nossos filhos.