Em suas entrevistas, Eduardo Coudet fala 70% em um espanhol ágil, 25% em um portunhol desajeitado e uns 5% próximo ao português. Nas últimas semanas, o argentino tem dito que a Libertadores gera uma "ilusión" para o Inter. Não se perca na tradução nem no sotaque dele ao falar sobre a "Liberta". A ilusão no contexto trata-se de afirmar que há uma esperança palpável de ser tri da América. Quer dizer que a eletricidade de quem vai na noite desta terça ao Beira-Rio também é a mesma dele e de seus jogadores. Isto é, que a ansiedade demonstrada pelo torcedor ao esgotar, em poucos minutos, os ingressos para o jogo das 19h também permeia o seu vestiário. E tudo isso por que um empate diante do Bolívar basta para ir à semifinal e manter a "ilusión" viva.
Nos arredores da Padre Cacique, o ar está diferente daquele respirado contra o River Plate e nos 3,6 mil metros de altitude do confronto de ida. Porque diante de um dos gigantes do futebol sul-americano havia a tensão de reverter um quadro desfavorável. A classificação inflou a autoestima colorada. Agora, após prender a respiração para ir a La Paz, há uma espécie de risonha expectativa diante da vantagem de 1 a 0 conquistada na semana passada. Uma chance de mostrar sapiência em tempos bicudos. A consequência é que, também, há mais a perder do que no embate anterior.
Ao bater o River no tempo normal e em uma longa disputa de pênaltis, um entusiasmado Coudet se saiu com essa.
— Estamos muito ilusionados — destacou.
Ilusionados não é, no caso, sinônimo de iludidos. Quer dizer que os colorados estão fascinados, animados, entusiasmados com o título da Libertadores a uma distância tão curta. Por isso, um mar vermelho de 50 mil pessoas estará presente.
— Estamos ansiosos. Temos uma vantagem na nossa casa. Temos que ir com a cabeça erguida e ter confiança máxima, sangue nos olhos para vencer a partida. Não podemos perder o foco — resume o atacante Wanderson.
Para ilusionar, é preciso ter ou ser um ilusionista. O Inter tem o seu. Ele atende pelo nome de Alan Patrick Lourenço, o Alanpa, na linguagem das arquibancadas. Diferente da "ilusión" e do "ilusionado" de Coudet, o ilusionista adjetivador do camisa 10 tem sentido dúbio. Para os adversários, cabe o significado de ser aquele com quem se deve ter um pé atrás, que vai causar uma ilusão, que engana com um movimento de corpo, que quer tirar vantagem da marcação. Para os colorados, é uma espécie de feiticeiro da bola. Um meia que acha o passe impossível. Um armador capaz de antever a jogada. Uma das grandes razões para o pulso colorado estar acelerado nos últimos dias de agosto.
Se o Inter está numa situação favorável, boa parte da responsabilidade é dele. Talvez, sem Alan Patrick, a torcida do Inter teria de se contentar em ver as quartas de final apenas pela televisão. A conturbada fase de grupos teve gol de empate na estreia com o Independiente Medellín. A vitória suada contra o Metropolitanos, na Venezuela, teve outro gol e uma assistência dele. O pontinho contra o Nacional veio em um golzinho do meia. Dos 12 pontos somados no Grupo B, ao menos cinco saíram diretamente dos seus pés.
Nos mata-matas, a situação se repetiu. Contra o River, uma assistência e um gol. Na ida das quartas de final, adivinha de quem foi o passe para Enner Valencia decidir o jogo em La Paz?
É toda essa "ilusión" que o "ilusionado" Coudet fala quando o assunto é a "Liberta". Resta ao Inter não ficar perdido na tradução na noite desta terça.
Classificação terá significado histórico e financeiro
Uma vitória significa matar a saudade de uma semifinal da Libertadores. São oito anos sem chegar tão longe no torneio. A última vez aconteceu em 2015, quando perdeu para o Tigre, após vitória em Porto Alegre e derrota no México. Além da eliminação para os mexicanos há oito anos, o clube chegou a essa etapa outras cinco vezes na história. Em 1977 e 1980 (quando havia uma segunda fase de grupos antes da final), em 2006 e 2010 (anos dos títulos) e 1989.
Existem ainda razões importantes que vão além da glória esportiva. O avanço ajudará as combalidas finanças coloradas. O empate ou a vitória têm um preço. Valem 2,3 milhões de dólares (R$ 11,2 milhões), o equivalente a uma folha salarial do clube. Nas duas etapas anteriores, foram embolsados 6,8 milhões de dólares (R$ 31 milhões).