Em tempos de paz, Mano Menezes brinca com sua fama de retranqueiro. Em fases turbulentas, a pecha o incomoda. Há uma terceira situação em que o rótulo fica em segundo plano. A defesa sólida de um passado recente se liquefez em algum momento entre o fim do Brasileirão e o início desta temporada, resultando no que se viu no Beira-Rio na noite de terça-feira. Diante do CSA, o Inter sofreu gol, ouviu ruidosas vaias e suou em bicas para vencer o confronto de ida da terceira fase da Copa do Brasil por 2 a 1.
A diferença defensiva, na frieza dos números, não é tão gritante quanto a insatisfação do torcedor. No ano passado, sob o comando de Mano, o time sofreu 0,75 gol, em média, por jogo. O índice em 2023 é de 0,79. São meros 0,04 de diferença, mas a desconfiança vinda das arquibancadas no sistema defensivo é bem maior. Uma das razões está nos adversários.
Meses atrás, o goleiro colorado saía de campo sem ser vazado em duelos contra Flamengo, Palmeiras, Fluminense e Atlético-MG. Este ano, buscou a bola dentro do gol em confrontos contra Juventude, Caxias — o time levou gol nos três jogos contra o vice-campeão gaúcho —, Esportivo e CSA. A atual sequência mostra seis jogos seguidos em que o adversário movimentou o placar.
— Ano passado, o Inter foi melhor reagindo do que propondo. No Gauchão, precisou atacar. A pressão é forte e, às vezes, o jogador sente mentalmente. É mais o ambiente do que mudanças táticas. Talvez a transição pudesse ser mais rápida — avalia Wiliam Souza, analista da Metra, empresa especializada em análise do desempenho.
Na comparação das estatísticas entre a versão 2022 do Inter de Mano com o da atual temporada, a posse de bola é com números mais desiguais. Meses atrás, os jogadores colorados ficavam com a bola por 49,4% do tempo. Agora, com rivais de menor parte, o índice aumentou para 56%. O Inter, então, é atacado por menos tempo, mas tem sofrido mais gols.
Outro ponto apontado como uma possível causa da queda do desempenho defensivo é a ausência de Gabriel. Com uma séria lesão no joelho, o volante não atua desde outubro. O "Ruf Ruf" era o protetor da defesa. Sem sua presença, a comissão técnica tem encontrado dificuldades para encontrar um substituto.
— Isso mexe bastante no time. Além da qualidade, é um jogador experiente, um marcador, um líder nato. Um jogador que tem o respeito dos adversários, que consegue cobrir os dois lados — avalia Ricardo, volante/zagueiro campeão da Copa do Brasil de 1992.
Além de fazer a cobertura pelos dois lados, Gabriel era o responsável para se imiscuir entre os zagueiros quando o adversário rondava a área do Inter. Sem ele, a função passou a ser compartilhada entre os dois volantes, aumentando as tarefas defensivas de De Pena.
— Gabriel é daqueles que joga por ele e por mais pessoas — sintetiza Wiliam Souza.
A intensidade da marcação também aparece como um aspecto que influencia no momento colorado. Seja com Alemão no ano passado e com o improvisado Pedro Henrique, a equipe ganhava gatilhos de marcação pressão que eram mais precisos e rápidos do que Luiz Adriano tem entregado.
— Às vezes, o time está só com um marcador e os outros jogadores todos flutuando. Esse ano, o Inter deixa o adversário jogar, todo mundo se sente à vontade de jogar contra o Inter — argumenta Ricardo.
Nesses momentos de dificuldade, em que a bola entra no gol colorado mais do que o desejado, Mano Menezes deve sentir saudade de ser chamado de retranqueiro.
A defesa com Mano em números*
2022
44 jogos
33 gols sofridos
Média de 0,75 por jogo
Posse de bola: 49,4%
Média de cruzamentos permitidos por jogo: 16
Cruzamentos com finalização: 30,1%
2023
14 jogos
11 gols sofridos
Média de 0,79 por jogo
Posse de bola: 56%
Média de cruzamentos permitidos por jogo: 12,7
Cruzamentos com finalização: 31,4%
* Fonte: Wyscout