Se eu tivesse levado uma câmera, diriam que era armado. Mas aconteceu mesmo, juro. Foi uma quarta-feira, poucos dias depois da vitória do Inter sobre o Cuiabá. Estava no mercado que fica do outro lado aqui da RBS, na fila do açougue, comprando a carne para o churras do meu time de futsal. Seria o próximo a ser atendido. Eis que um cara loiro, alto, trajando camiseta e bermuda, olha e diz:
— Pô, não sabia que isso aqui era pesado no açougue. Achei que era no caixa (porque outros itens, como frutas, são pesados no caixa mesmo). Será que tu me deixa passar na frente? É só isso aqui mesmo e já está rolando uma fila lá.
Claro que permiti. Primeiro, porque não queria atrapalhar o cara. Também porque, realmente, ia ser formada uma fila, e isso atrasaria todos. Além disso, também achei que aquele item era pesado no caixa.
O item: um pedaço de salame. O cara que não pesou: Alemão.
O centroavante do Inter, goleador da equipe no Brasileirão, estava no mercado do bairro Menino Deus comprando um salame por volta de 19h. Quase um exagero de "vida real".
Mas é que Alemão é "vida real" mesmo. Em dezembro de 2021, foi anunciado quase sem alarde como reforço do Novo Hamburgo para o Gauchão. Em 16 de fevereiro, sofreu uma lesão em partida contra o Guarany de Bagé e ficou de fora do restante do Estadual. Dois meses depois, começava a cair nas graças da torcida do Inter ao fazer o gol da vitória sobre o Fortaleza, na despedida de D'Alessandro, em um Beira-Rio lotado. Atualmente, é o mais aplaudido entre os atletas colorados quando tem o nome anunciado no telão. Será que em dezembro do ano passado ele pensava que alguns meses depois estaria vivendo esse momento?
— Não imaginei. Tão rápido assim, não. Acho que fiz um bom Gauchão até me machucar. Mas pensava que seria suficiente para pegar uma Série B, com sorte. Mas nunca que estaria vivendo tudo isso. Além de tudo, jogando pelo time que minha família toda torce. Agradeço a Deus e sigo valorizando as mesmas coisas de sempre — respondeu o centroavante, em entrevista concedida a GZH no CT Parque Gigante.
Mas não foi apenas obra do acaso. Alemão é empresariado por uma tia, que trabalha com outros jogadores. Depois das boas partidas no Estadual, chegou a ser especulado em outros clubes, inclusive no Grêmio. Mas foi a proposta colorada que balançou. Ele garante que, quando soube da oferta, não perguntou nem mesmo o salário:
— Foi um sentimento diferente. Algo do tamanho do Inter era até inesperado.
Alemão temia que ocorresse consigo o que via em outros colegas. Quando termina o Estadual, vai para uma Segunda Divisão regional. Ou, ainda pior, precisar ir para o futebol amador. Mas o destaque que teve lhe garantiria um contrato melhor. O problema é que saltar para a elite brasileira não seria simples.
Ele sofreu no começo da Série A. Acostumado a jogar em partidas com companheiros e adversários de nível inferior, precisou de um período de adaptação no Brasileirão. O estilo dedicado, de ser quase um zagueiro jogando de atacante, no sentido de ser combativo, incomodar os defensores, dar a vida, tirava condição física. Alemão só conseguia jogar um tempo. Depois, cansava.
— É difícil jogar a Série A. O tempo é outro. Tem de estar sempre ligado, cuidando o entorno, porque um domínio errado por meio centímetro já te tiram a bola — explicou.
Esse jeito de jogar, aliás, foi um dos itens que levou a uma comparação quase inevitável. Até porque o outro atleta também veio de clubes menores, jogou na várzea e estava no interior catarinense. E era um centroavante goleador, carismático e vencedor. Na última semana, tudo ficou ainda maior porque Alemão tentou uma bicicleta, uma marca registrada de Leandro Damião.
— Acho muito legal essa comparação. Ele é um ídolo nosso, colorado. Isso me deixa muito feliz. Comentou no Twitter, me deu força, disse para seguir tentando que na próxima ia entrar — orgulhou-se Alemão.
O que falta para se juntar ao 10º maior goleador da história do Inter é ser campeão. Damião jogou no período vencedor, marcou gols nos bi da Libertadores e da Recopa, jogou na Europa e foi para a Seleção. O futuro de Alemão é mais complicado no sentido de convocação e, apesar do sobrenome polonês, Zurawski, sua cidadania europeia está encaminhada via Itália. Ainda não tem janela aberta para que comece a especulação sobre uma possível saída. Mas e a respeito de títulos? Fica para 2023 ou dá tempo ainda no Brasileirão?
— Dá tempo! O Palmeiras não é imbatível. É uma disputa rodada a rodada. Precisamos fazer uma final em cada jogo. Temos a melhor campanha do segundo turno, mas não vai valer de nada se não continuarmos assim. Precisamos tirar oito pontos. Na verdade, seis até a última rodada, que tem confronto direto em casa.
É com essa gana de título que Alemão sonha em ser campeão pelo Inter. Que, na verdade, seria o complemento para o sonho que está vivendo. Nesta quarta-feira, tem o Bragantino pela frente. Mais um passo na busca do Tetra. Com o peso da profissão e a simplicidade de quem compra salame no mercado do bairro. E esquece de pesar no açougue.
Três perguntas para Alemão
Mano disse, recentemente, que notava uma evolução no teu desempenho. Que agora aguentavas mais tempo em campo. O que precisou corrigir?
No começo, fazia muitas coisas erradas em campo, que me desgastavam muito, como correr demais com a bola. O centroavante, quando está sendo pressionado, vai ser uma zona de saída. Precisa estar bem. Mano me ensinou isso, que teria que dominar a bola e tocar. Não girar e ir para a frente de qualquer jeito. Ajudo mais assim. Precisa melhorar a inteligência de jogo.
Teve algum trabalho especial para isso?
Antes não, por causa da sequência de partidas. Agora, com a semana cheia, estamos conseguindo fazer coisas específicas, como finalização, cruzamento. No período de jogos, não tinha como. Era no treino geral mesmo.
Quem te ajudou nesse processo de adaptação à Série A?
Os jogadores mais experientes, como Edenilson, De Pena, Gabriel, Mercado falaram mais. Mas todos deram dicas de comportamento e experiência em campo.