Depois de 27 anos de Inter, sete deles no comando da preparação de goleiros do elenco profissional, Daniel Pavan foi um dos quatro funcionários demitidos no final de mês de julho em uma ação justificada pela direção por uma remodelação no departamento de futebol. O profissional, que evitou entrevistas logo de sua demissão, contou em conversa com GZH detalhes de seu desligamento, também sobre a repercussão de sua saída e da relação que construiu em quase três décadas de Beira-Rio, caso do goleiro Alisson, que lhe ligou assim que soube a demissão. Confira a conversa:
Como você recebeu a informação da demissão depois de 27 anos de clube e durante disputas de Brasileirão e Sul-Americana?
Foi um baque grande, uma surpresa enorme. Não esperava até pelo trabalho que vinha sendo realizado. Com certeza alguns goleiros meus já cometeram falhar, mas era um trabalho de mais acertos que erros. A gente estava construindo um trabalho de muitos anos. Surpreendeu, eu não esperava, até pelo momento. Era uma virada de turno do Brasileirão, faltando uma semana para um jogo importante de Sul-Americana. Fiquei muito triste por ser tanto tempo de clube. O que mais expressa o momento foi surpresa.
Qual foi o argumento dado? Quem da direção conversou com você?
Foi o William Thomas (diretor executivo). Ele me chamou e passou que era uma decisão institucional, que não tinha a ver com a comissão técnica nem de algum aspecto técnico, que era o momento de oxigenar algumas áreas, que eu estava há muito tempo. Na minha visão, estar há bastante tempo é positivo, ninguém fica tanto tempo no Inter sem entregar trabalho, resultado, profissionalismo e conduta. O que mais me surpreendeu foi o momento da temporada. Fiquei chateado e surpreso, mas quero deixar claro que respeito a direção. Não saio com nenhuma mágoa do clube. São mais de 20 anos de Inter e não é por um momento que apaga minha história no clube.
O Inter barrou que outros treinadores trouxessem preparadores de goleiros por confiar em você. O Ramírez chegou a propor isso, também se levantou esse assunto durante a negociação com o Mano.
Quando veio o Medina, ele também queria trazer um preparador e a direção me bancou. Na vinda do Mano, se falou que ele queria trazer um preparador de goleiros, mas é a primeira vez que vou falar isso até. Quando estava negociando com o Inter, o Mano me ligou, a gente já tinha trabalhado na base, para dizer não queria trazer nenhum preparador de goleiros e que me queria na comissão técnica. Até conversamos sobre algumas coisas que estavam acontecendo no clube. A saída não tem nada a ver com o Mano. Foi uma decisão da direção.
Muitos treinadores questionaram se tua saída não tinha relação com a permanência de Daniel como titular mesmo com algumas falhas. Você era o responsável por definir o goleiro titular?
Claro que há conversas entre técnico e preparador de goleiros, essa é uma relação aberta, mas a decisão final sempre é do treinador da equipe. Ele é quem define quem vai jogar. Já aconteceu muitas vezes, em outros momentos, de eu querer trocar e o técnico não fazer por querer determinado goleiro. Sobre o Daniel, que foi a pergunta, eu saí faz três jogos e ele segue titular. Isso prova que a decisão não era só minha, quem queria era o Mano. Se fosse apenas minha, o Daniel teria saído após a minha demissão.
Daniel fez duas boas atuações contra Atlético e Melgar após a sua saída. Nas redes sociais algumas pessoas ligaram isso a sua saída. É possível mudar a condição de um goleiro em uma semana ou ainda era resultado do teu trabalho?
Com certeza, não se muda em uma semana. Se demora muito tempo para formar um goleiro. Trabalhei com o Daniel seis ou sete anos. A formação de um goleiro leva muito tempo e o Daniel cometeu um ou outro erro, mas teve muitas boas atuações. Ele foi eleito melhor em campo por vocês várias vezes. Ano passado ele era o goleiro com o maior número de defesas difíceis até se machucar, na Sul-Americana foi o goleiro com mais defesas na primeira fase
O que o Daniel irá evoluir daqui para frente é que ele é um goleiro com pouca experiência de jogo, de baixa minutagem. Antes de começar a jogar, a gente já falava que dando a oportunidade do Daniel errar, sem ser queimado, sairia dali um grande goleiro. Isso está acontecendo. Ele tem melhorado e tem uma personalidade forte para superar as críticas.
Por que o Daniel demorou tanto para virar titular?
Não recebeu oportunidade antes porque tínhamos outros goleiros experientes e também porque o Inter trocou muito de treinador nesse período. Sempre que chega um treinador novo, o mais normal é querer o goleiro experiente. Em alguns momentos, tínhamos que disputar uma Pré-Libertadores, outros jogos importantes no começo do ano. O treinador chega querendo logo consolidar o trabalho, então ele opta pelo mais experiente. Colocar um goleiro jovem é mais difícil que outra posição. Claro que houve conversas, falei que tínhamos um goleiro promissor, mas eles optaram por não arriscarem naquele momento.
Qual legado você deixa?
Quando o Inter vendeu o Alisson contratamos dois goleiros experientes, o que era importante no momento que estava saindo o titular da Seleção Brasileira e os meninos ainda eram jovens para assumir a responsabilidade. O legado deixado é que o Inter tem os quatro goleiros do grupo formados na base. O clube não precisa se preocupar com goleiro pelos próximos 10 anos, isso por si só já é um legado.
Falando em legado, o que representa ser o preparador de goleiros que formou Alisson, titular da seleção brasileira e considerado um dos melhores do mundo na posição?
Isso é um orgulho muito grande, é uma bandeira do meu trabalho. Temos uma relação muito próxima até hoje, ele me ligou no dia que eu fui demitido. Nós conversamos bastante, ele estava muito chateado, até brabo com o que aconteceu. Nos 12 anos que ele esteve no Inter, de oito a nove foram comigo. Temos passagens importantes, a nossa trajetória no clube se mistura. Subimos juntos para o profissional, ele virou titular comigo também. A primeira convocação dele para a Seleção foi comigo, eu que dei a notícia. É um orgulho muito grande e que carrego comigo para o resto da vida. Mas mais importante que isso é a amizade nossa e o reconhecimento que ele tem por mim.
O Marquinhos recusou assumir o posto de preparador de goleiros após a tua saída por ter sido indicado a trabalhar no clube por ti. Como recebeu isso?
O Marquinhos foi um mestre para mim. Ele foi meu professor, meu mentor. Ele era o treinador da categoria principal quando eu comecei na base e foi um cara que me adotou. Quando o Durgue Vidal foi trabalhar com o Odair (Hellmann), o Marquinhos estava sem clube e eu o convidei para ser meu auxiliar no Inter mesmo sabendo do currículo dele. A contratação dele foi um pedido meu para a direção não para ser o meu auxiliar, mas meu confidente, meu mentor e meu orientador por se tratar de um profissional de grande competência. A gente tinha um entrosamento muito bom. Demonstrou toda a gratidão que eu tive com ele e que ele tem comigo de saber que tem coisas mais importantes na vida que apenas o profissional e financeiro.
Sobre o futuro, os treinadores cada vez mais optam por levaram muitos profissionais para os clubes. Pensa em trabalhar diretamente com um técnico ou voltar a ser funcionário permanente de uma equipe?
Estou recém me desvinculando do Inter, acabei de assinar a rescisão. Mas neste momento da temporada é de um mercado fechado em relação às comissões técnicas. Estou bem tranquilo em relação a isso, usando o tempo para estudar um pouco, me reciclar, me preparando para ir a alguns lugares ver treinamentos, coisas que no dia a dia não se consegue. O futuro vou ver, daqui a pouco posso me encaixar com algum treinador que já trabalhei ou clube mesmo para a comissão permanente. Recebi alguns contatos, mas não evoluiu. Creio que com o passar do tempo o mercado irá se mexer e então verei o melhor caminho a seguir.