O Inter viveu uma situação inédita nesta quarta-feira. Pela primeira vez, ao menos na história moderna do clube, um treino foi suspenso por protesto dos jogadores por conta de pagamentos atrasados. A atividade não foi realizada no turno da manhã, como estava prevista, e ocorreu à tarde após o assunto ter sido considerado resolvido. Segundo o presidente Alessandro Barcellos, duas das três parcelas atrasadas nos direitos de imagens dos atletas foram pagas — o que gira em torno de R$ 6 milhões. O desafio, agora, é evitar que essa crise seja refletida na sequência da temporada.
O ambiente entre dirigentes e jogadores implodiu no primeiro dia de junho. Nem o presidente nem o vice de futebol, Emilio Papaléo, estavam no CT Parque Gigante quando os jogadores decidiram que não fariam o treino no horário previsto. O próprio Barcellos reconheceu que a direção foi surpreendida pela reação. Depois, disse que a alteração no horário da atividade se deu em comum acordo.
— Não vou eu fazer juízo quanto ao direito e à legitimidade de algum tipo de manifestação. A surpresa foi que o assunto estava sendo resolvido. Estava ocorrendo ingresso de recurso, que poderia ser ontem, hoje, amanhã. Talvez se tivéssemos adiantado essa informação, isso não teria acontecido. Vamos olhar para a frente, virar a página, conseguimos resolver — declarou Barcellos, tentando evitar aumentar a polêmica.
Tanto que admitiu não ter sido a primeira vez que houve atraso nesses pagamentos. Foi além. Em suas palavras: "Não será a última". Segundo ele, "o futebol brasileiro tem sido assim" e que apenas uma liga de clubes pode ajudar a ter novas receitas.
Barcellos, porém, fez uma declaração que demonstra cobrança em cima dos jogadores.
— Fomos desclassificados da Copa do Brasil e esse dinheiro fez falta para honrar esses compromissos — falou o presidente, antes de completar com uma análise do momento financeiro do clube:
— De certa forma, foi bom para todos entenderem que a vida é difícil no Inter. Não tem dinheiro sobrando, isso tem de ter a compreensão de todos. Tivemos a oportunidade para colocarmos a todos eles a condição que o clube se encontra.
Entre os jogadores, a repercussão também foi negativa. Principalmente porque o movimento não encontrou apoio sólido nas redes sociais, por exemplo. Houve críticas aos atletas. Taison não gostou de ter sido apontado como um dos líderes da ação. No final da tarde, gravou um vídeo.
— Me colocaram como líder de uma "rebelião" dos jogadores, mas nada disso aconteceu. Foi uma conversa, a gente se acertou, treinou à tarde. Sou capitão e tenho de dar minha cara a tapa. Estou aqui para fazer isso novamente, para explicar o que a imprensa vem colocando. Se quiserem acreditar neles, têm todo o direito. Quem quiser me criticar pelo meu desempenho, fica à vontade. Quem me conhece, sabe a pessoa que sou — declarou.
O jogador também fez um pedido:
— Querem me criticar? Critiquem a mim, deixem minha família de fora. Minha esposa está com sete meses de gravidez, deixem de fora, deixem minha mãe de fora. Podem falar que não estou rendendo em campo, podem falar qualquer coisa, mas não acreditem em tudo que estão dizendo. Um abraço aos torcedores colorados de verdade.
O presidente do Conselho Deliberativo do Inter, Sergio Juchem, convocou uma reunião extraordinária para as 17h30min desta quinta-feira. Nela, Barcellos e os demais integrantes do conselho de gestão deverão explicar aos ex-presidentes do clube e a representantes dos movimentos políticos as razões para o que ocorreu nesta quarta-feira.
Com o acerto do pagamento, o Inter treinará nos três próximos dias antes de viajar para Bragança Paulista. No final de semana, enfrentará o Bragantino pelo Brasileirão. Até lá, a força-tarefa de dirigentes e comissão técnica trabalhará para evitar que o protesto afete, ainda mais, o ambiente do time, que ocupa o 12º lugar da competição.
Como funciona o pagamento dos salários
Metade do grupo de jogadores do Inter, segundo o presidente Alessandro Barcellos, recebe direitos de imagem como complemento ao salário. Isso ocupa cerca de 30% da folha salarial do clube, estimada em R$ 14 milhões mensais.
O futebol tem uma particularidade também a respeito dos pagamentos. Os vencimentos dos atletas podem ser divididos entre o que vai na carteira de trabalho (CLT) e o que entra como o que se popularizou chamar de "direitos de imagem" (pago à pessoa jurídica, o que reduz a incidência de impostos). A legislação brasileira permite que até 60% do valor total do salário seja CLT e 40% como direito de imagem.
Pela Lei Pelé, um jogador fica automaticamente livre de contrato se não receber, por três meses seguidos, o salário apontado na carteira. Isso não se aplica aos direitos de imagem. É isso o que faz alguns jogadores preferirem que todo o salário seja aplicado na CLT. Por mais que haja um desconto maior de impostos, ao menos é a garantia de que receberão em dia sob pena de virarem donos dos próprios direitos econômicos.
Por isso, houve a preocupação de Barcellos em esclarecer que o salário devido é o do direito de imagem:
— Todos os contratos laborais e trabalhistas são pagos rigorosamente em dia. E assim tem sido em todos os meses, mesmo com todas as dificuldades que vocês sabem que o clube atravessa. O Inter usa o fluxo do caixa para fazer os pagamentos dos direitos de imagem, dentro da regulação, às vezes em dia, às vezes adiantado e eventualmente atrasado. É uma rotina que, infelizmente, se mantém.