O maior palco do futebol brasileiro ainda não sediou uma volta olímpica colorada, mas presenciou algumas das melhores exibições nos 111 anos de história do Inter. Neste domingo, pode juntar as duas: se tiver uma grande atuação e vencer o Flamengo no Maracanã, o time gaúcho será campeão brasileiro pela quarta vez, pondo fim a uma espera de 41 anos e quase dois meses.
As três conquistas anteriores do clube foram sacramentadas no Beira-Rio, mas em duas delas, o Maracanã foi decisivo. No calor carioca, o supertime dos anos 1970 mostrou ao país que aqui, no Rio Grande do Sul, havia qualidade suficiente para dobrar adversários poderosos.
São duas histórias marcantes. A primeira, de certa forma, pode ser classificada como surpreendente. Porque, em 1975, o time da moda era o Fluminense.
Francisco Horta era o presidente do clube carioca. Folclórico, ativo e inteligente, o dirigente montou um timaço. Levou às Laranjeiras quase metade da Seleção: Félix, Marco Antônio, Paulo César Caju, Gil e a estrela, Rivellino. O treinador era Didi, o Príncipe. Campeão carioca, o Fluminense ganhou o apelido de Máquina Tricolor.
Eram eles que, graças à melhor campanha, teriam o templo do futebol brasileiro como aliado para enfrentar o Inter, na semifinal do campeonato nacional. O time de Rubens Minelli era respeitado, claro. Tinha Figueroa, Carpegiani e Valdomiro, presentes na Copa do Mundo de 1974. Mas, todos admitem, a grife era menor.
Para aquele jogo, o técnico colorado fez uma troca no time habitual, e ela se mostrou decisiva naquele 7 de dezembro. Minelli escalou Caçapava com a missão de acompanhar Rivellino. Falcão, então, o chamou e passou a ensaiar o elástico, drible característico do então camisa 10 da Seleção. Na hora do jogo, o volante decidiu mudar a estratégia.
—Na hora do jogo, mudei. Na primeira tentativa de fazer o elástico, dei no meio — revelou, em uma de suas últimas entrevistas à RBS TV, em dezembro de 2015 (Caçapava morreu em junho de 2016).
O lance, é claro, intimidou o Fluminense. O Inter estava pilhado.
— Quando chegamos ao Maracanã, o Minelli tinha espalhado jornais que falavam que o Fluminense ia ganhar, que o Didi disse que iam nos atropelar. Mas mostramos em campo, na bola, que não tinha essa — contou Valdomiro.
É isso. Não foi só na força que o Inter superou o Flu. O segundo gol, de Carpegiani, é a melhor ilustração. O meia colorado recebeu um passe de Jair, deu um drible desconcertante em Silveira e encobriu Félix. Uma pintura.
Em seu livro Histórias da Bola, Falcão apresenta um diálogo divertido que teve com Carpegiani no vestiário do Maracanã. Ele provoca o amigo brincando que a bola deu na canela, por isso saiu o gol. O camisa 10 responde:
— É verdade, mas não fala para eles, porque acham que foi de propósito.
O ambiente de amizade daquele time é um dos segredos, segundo Cláudio Duarte:
— Quase não tivemos crise, porque ganhávamos muito.
Quatro anos depois, o Maracanã seria ainda mais importante.
Meio campeão
O título de 1979, o invicto, foi celebrado em 23 de dezembro, mas todo mundo já sabia que ele viria três dias antes. No Maracanã, o primeiro jogo das finais teve uma vitória histórica, a inaugural de um time gaúcho em uma decisão de campeonato. E esse confronto, contra o Vasco, tem uma semelhança com o que ocorrerá no domingo.
Tudo começou na semana anterior. Na semifinal, depois de brilhar contra o Palmeiras no Morumbi, no jogo de ida (aquele da eterna manchete do jornal Folha da Tarde "Quem é melhor, Mococa ou Falcão?"), o camisa 5 colorado, capitão do time, levou o terceiro cartão amarelo no empate de 1 a 1 da volta. Estava fora da primeira decisão. Para piorar, Valdomiro, que sofrera uma lesão muscular ainda na fase anterior, contra o Cruzeiro, viu a situação piorar. Assim como na edição atual, na qual não tem o zagueiro Víctor Cuesta, suspenso, e aquela lista de lesionados (Guerrero, Saravia, Boschilia e Rodrigo Moledo), o Inter iria para a final do Brasileirão sem dois de seus principais jogadores.
Ênio Andrade escolheu seus substitutos. Na vaga de Falcão, jogaria Valdir Lima, que seis meses antes havia sido destaque do Gauchão pelo São Paulo, de Rio Grande. No lugar de Valdomiro, entraria Chico Spina, reserva desde o ano anterior.
— Eu e Falcão fomos para o Rio com a delegação. Ele pegou o Valdir Lima num canto e eu peguei o Chico Spina no outro. Disse: "Chico, chegou teu dia. Tu sempre falava que queria jogar no Maracanã, que era teu sonho. Então é hoje. Confio em ti"—contou Valdomiro.
A confiança valeu: Chico Spina fez os dois gols da vitória por 2 a 0, sendo um deles com passe de Valdir Lima. O resultado permitia ao Inter perder por um gol, em casa, para ser campeão.
A ZH, Chico Spina declarou:
— Futebolisticamente falando, foi o dia mais feliz da minha vida. Só tive noção disso quando cheguei a Porto Alegre e saí no saguão do aeroporto recebido pela torcida. Era quase comemoração do título, mas ainda faltava um jogo.
É que a partida que faltava seria só um protocolo. Só o que faltava era não perder, para que a conquista fosse invicta. Por isso, com a tranquilidade da vitória, Valdomiro se deu a um luxo:
— Pedi para sair e disse ao seu Ênio para colocar o Chico. Ele merecia ser aplaudido.
É com base nessa história que o eterno ponta-direita acredita na conquista colorada. O Flamengo é bom, ele diz, mas o Fluminense também era. O time está desfalcado, mas em 1979 também estava.
—O Inter é grande por si só, não deve nada para ninguém. Só falta essa vitória.
Palavras de Valdomiro.